PUBLICIDADE

Canos e lajotas viram instrumentos em aulas de música na rede pública

A matéria-prima para os instrumentos é a sucata, por isso, cada colégio terá um centro de coleta de material reciclável

11 jun 2013 - 13h47
Compartilhar
Exibir comentários
Produtos reciclados são usados no projeto  que leva música a escolas da rede pública
Produtos reciclados são usados no projeto que leva música a escolas da rede pública
Foto: Arthur Viana / Cartola - Agência de Conteúdo

Antes das crianças chegarem para a aula, só se ouvem os pássaros na Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura, na zona rural de Porto Alegre (RS). Com trânsito raro de carros, parte dos estudantes chega a cavalo. Na manhã de 7 de junho, não foi só a gritaria natural das turmas que quebrava o silêncio da região. Sons de palmas, pés batendo no chão e panelas se chocando anunciavam uma das oficinas do projeto Reciclar é Show, iniciativa que une reciclagem e música e envolve mais de 50 mil alunos de 101 instituições da rede pública de ensino no Brasil.

A cerca de 20 quilômetros dali, no bairro Cidade Baixa, próximo ao centro da capital, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Leopolda Barnewitz também recebe a iniciativa - além de outros oito colégios de Porto Alegre. Lá, o monitor é Guilherme Sanches, músico-educador e professor de geografia. Frente ao olhar vidrado de 40 alunos, ele apresenta às crianças instrumentos inusitados, feitos de materiais desde lajotas e canetas a canos para revestimento de fios elétricos. As lajotas, enfileiradas sobre uma caixa, se transformam em uma "marimba" (“um primo do xilofone”, na definição do educador). Os canos, girados sobre a cabeça como se fossem um laço, imitam "o som do vento".

Para Leonardo Figueira, 9 anos, aluno da 4ª série, esse é o instrumento mais interessante. O pequeno estudante é exemplo da "cabeça aberta e livre de preconceitos" de que fala Sanches ao se referir ao público-alvo do projeto, que são crianças entre 8 e 12 anos - os gostos de Leonardo variam de Michael Jackson a Paula Fernandes. O garoto diz que está ansioso para aprender a criar e tocar novos artefatos sonoros.

Serão dez encontros semanais em cada instituição de ensino, orientados pelos 20 monitores pré-selecionados do projeto. Monitor do projeto na escola Vicente da Fontoura, Thiago Di Luca ensina que "tudo vira instrumento, até o corpo", e diz que a função do educador é ser provocador e despertar o interesse pela música nos alunos.

Na escola Professora Leopolda Barnewitz, em Porto Alegre (RS), 40 alunos participam da iniciativa
Na escola Professora Leopolda Barnewitz, em Porto Alegre (RS), 40 alunos participam da iniciativa
Foto: Arthur Viana / Cartola - Agência de Conteúdo

A matéria-prima para os instrumentos é a sucata, por isso, cada colégio terá um centro de coleta de material reciclável. No caso, um material específico: embalagens aluminizadas, como as de alguns salgadinhos e bolachas recheadas. Uma empresa paulista parceira do projeto fabrica uma resina que, misturada a esse material, vira matéria-prima para novos instrumentos musicais. Depois de prontos, eles serão distribuídos entre as escolas participantes e ONGs que trabalham a questão da musicalidade.

Após as oficinas, os alunos vão gravar um vídeo em que apresentarão uma música tocada com esses instrumentos reciclados e, em outubro, uma escola será declarada vencedora, a partir de critérios como harmonia e criatividade. Os alunos da instituição vencedora terão a chance de participar de um show conduzido pelo maestro João Carlos Martins, em São Paulo.

Projeto exalta a criatividade e o consumo consciente

Fernando Sardo, músico, artista plástico e educador, foi o idealizador dos instrumentos reciclados e responsável pela capacitação dos monitores. Com mais de 30 anos de experiência na área, ele frisa que o importante não é o prêmio, mas sim os valores agregados da iniciativa. Para Sardo, através da música, as crianças aprendem a ter concentração, disciplina, harmonia de grupo e respeito. “A arte chega (aos alunos) de maneira muito diferente que outras linguagens do conhecimento humano. Com uma metodologia de ensino que desperta o interesse da criança, o projeto se torna uma atividade muito enriquecedora”, afirma. A música, acrescenta, tem um caráter transdisciplinar, podendo se relacionar com temas de difícil compreensão da matemática, da física ou de qualquer outra área.

A questão da reciclagem serve para que a criança perceba o que e quanto ela consome. “Como são utilizados materiais próximos à criança, cresce a questão ambiental, do consumo e do reaproveitamento de materiais”, comenta Sardo. Maria Goretti Orth, professora na escola Vicente da Fontoura, revela que, logo após o primeiro encontro do Reciclar é Show, alunos já passaram a demonstrar uma visão mais crítica do consumo, questionando-se se um material é reciclável ou não e como ele poderia ser reutilizado. Para Sardo, o benefício de se utilizar esses instrumentos, além do lado ambiental, é a riqueza de timbres diferentes que eles permitem, possibilitando outras sonoridades.

Para Sardo ao unir o “fazer música” com o “como fazer”, deixando à disposição da criança os mais variados materiais que antes virariam lixo, o projeto valoriza a criatividade: “Vivemos em uma sociedade que boicota a criatividade. Mas ser criativo é natural a todos nós e precisamos resgatar isso”. 

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade