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'Autonomia e responsabilidade tendem a se sobressair na crise'

'Cursos de recolocação profissional se mostram cada vez mais inefetivos e capacidades como autonomia e responsabilidade tendem a se sobressair na crise', explica Daniel Domingues, professor de Economia na USP

27 nov 2019 - 09h11
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SÃO PAULO - O mercado de trabalho do século 21 tem uma premissa importante: mais do que ter um currículo no qual se acumulam saberes técnicos, características como autonomia, estabilidade emocional e criatividade contam preciosos pontos aos olhos dos recrutadores de empresas de diversos segmentos. Principalmente em tempos de crise econômica.

"Cursos de recolocação profissional se mostram cada vez mais inefetivos e capacidades como autonomia e responsabilidade tendem a se sobressair na crise", explica Daniel Domingues, professor de Economia na Universidade de São Paulo (USP), com atuação em temas como capital humano, bem-estar social e mercado de trabalho.

Confira a seguir a entrevista completa com o professor de Economia da USP:

Habilidades como criatividade, comunicação e estabilidade emocional são consideradas tendências no mercado de trabalho. Depois de décadas de valorização de capacidades técnicas, pode-se dizer que a formação humanística será o que mais irá valorizar os currículos dos futuros profissionais?

Acho que aqui há uma confusão entre desenvolver habilidades interpessoais e socioemocionais e frequentar cursos humanísticos. Os últimos estão em sua maioria perdendo prestígio. Estudos recentes na economia mostram que ocupações baseadas em atividades repetitivas se desvalorizam, e outras intensivas no uso de habilidades socioemocionais se valorizam. Acho que, ao menos nos cursos profissionalizantes como Medicina, Direito e Engenharia, será cada vez mais frequente a presença de componentes socioemocionais. Por outro lado, sou cético quanto à valorização de carreiras humanísticas, ainda que eu torcesse para que isso acontecesse.

As habilidades interpessoais e socioemocionais são valorizadas em todas as áreas ou elas podem ser mais importantes em determinados campos?

Vejo mais ênfase nos cursos profissionalizantes, aqueles nos quais se imagina o perfil do profissional que se quer formar, que competências deve ter e, a partir disso, se constrói o currículo. São cursos como Engenharia, Medicina, Direito, Odontologia, entre outros. Cursos que em geral são direcionados a profissões regulamentadas. Alguns estudos recentes, publicados nos principais jornais de economia do mundo, mostram que nesses cursos há uma tendência muito forte de trabalhar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, até para que os egressos corram menos riscos de serem substituídos pelas inovações tecnológicas. Quanto aos cursos não profissionalizantes, nos quais os alunos recebem o máximo de informações e depois de formados são soltos no mundo, como Sociologia, Economia e Física, há menos evidências documentadas de que as habilidades socioemocionais ofereçam resultados melhores.

Alguns analistas apontam a aprendizagem contínua como elemento-chave para a empregabilidade dos novos tempos. Isso significa que as instituições de ensino podem voltar à função de orientadora dos caminhos do mercado, em vez de responder às suas demandas?

O mais provável é que instituições de ensino se tornem mais flexíveis e compartilhem com os alunos o papel e a responsabilidade de decidir o itinerário formativo. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), por exemplo, recomenda ênfase na construção de projetos de vida como componente curricular, e a reforma do ensino médio vai na direção de permitir a escolha de itinerários formativos. Algumas instituições de ensino superior criaram bacharelados interdisciplinares, e o formato americano, no qual grande parte do curso é eletivo, parece mais adequado aos novos tempos. Possivelmente, opções de continuidade da formação para Alumni, especialmente por meio de ensino a distância, se disseminem rapidamente. Creio que caberá cada vez mais ao indivíduo orientar sua carreira.

Em momentos de crise econômica, os profissionais têm de fazer o possível para sobreviver. Mesmo em situações assim, de que forma a formação humanística pode ser um fator-chave?

Habilidades socioemocionais são especialmente importantes na crise. Costuma-se dizer que as empresas contratam pelas habilidades cognitivas e demitem pelas socioemocionais. Cursos de recolocação profissional se mostram cada vez mais inefetivos, e capacidades como autonomia e responsabilidade tendem a se sobressair na crise.

De que maneira as inovações tecnológicas afetaram o conceito de empregabilidade?

Inovações em geral destroem alguns empregos, mas criam outros. Tipicamente perdem os trabalhadores com menos capacidade de adaptação, seja por possuir menos habilidades ou por ter menos flexibilidade adaptativa. É o caso de trabalhadores mais velhos ou com menos escolaridade. Nessa revolução tecnológica em particular, há um debate ainda inconclusivo sobre se o resultado líquido será o de contração de vagas. Nas anteriores, depois do momento de transição, a economia foi capaz de gerar mais e melhores vagas. É preciso esperar para ver.

Estadão
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