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As histórias são
quase inacreditáveis. Uma fala de um pai, palhaço
de festas infantis, que violentava o casal de filhos
de 7 e 9 anos quando a mãe saía para
trabalhar. Outra é o caso de um padrasto que
bateu tanto na enteada de 5 anos que ela foi parar
no hospital com fraturas. Motivo: a criança
tinha feito, mais uma vez, xixi na cama. A terceira
relata o drama de um adolescente que tentou suicidar-se,
porque a família o pressionava para arrumar
uma namorada.
São tragédias ocorridas no ABC paulista,
que servem como exemplos da violência praticada
contra crianças e jovens no País. Algumas
dezenas delas são atendidas todos os meses
pelo Centro Regional de Atenção aos
Maus-Tratos na Infância (Crami), em Santo André.
Até a promulgação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), a violência
contra menores estava praticamente fora da agenda
pública. "Quase não havia programas
de combate à negligência e a maus-tratos
na família e em instituições",
relata o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa.
Hoje, várias entidades lutam para convencer
a sociedade de que é preciso denunciar abusos
e responsabilizar os culpados e acaba de ser anunciado
o primeiro plano nacional de combate à exploração
sexual.
Segundo a coordenadora do Centro de Referência,
Estudos e Ações sobre Crianças
e Adolescentes, Maria Lúcia Leal, a mobilização
da sociedade e de setores governamentais contra a
violência começou a ganhar força
em 1993, com a CPI da prostituição infantil.
A partir daí, afirma Maria Lúcia, o
governo passou a ser pressionado a assumir direitos
das crianças violentadas sexualmente. "E
isso incluía não só as campanhas
de sensibilização e denúncia
dos problemas como também a busca de maneiras
de enfrentar a questão com políticas
públicas."
No balanço da década, Maria Lúcia
conclui: "Os anos 90 foram os da mobilização
e o ano 2000 tem de ser o da responsabilização
efetiva dos criminosos e do Estado para a aplicação
de políticas."
Para articular estratégias e cobrar resultados,
dezenas de entidades formaram o Fórum Nacional
pelo Fim da Violência Sexual. A lei também
ganhou reforço: em junho, foi acrescentado
um artigo ao ECA, que define o crime de exploração
sexual. Agora, quem violentar menores poderá
passar de 4 a 10 anos na prisão.
Números - A última pesquisa
realizada pelo Crami ABCD, em 1997, registrou 1.131
casos de violência contra crianças e
adolescentes.
Das 1.734 vítimas, 524 tinham sofrido maus-tratos
físicos, 137, abuso sexual e 231, negligência.
A faixa etária que mais sofreu agressão
foi a de 2 a 12 anos. O agressor mais freqüente:
a mãe. O estudo revelou ainda que muitos dos
que praticavam a violência eram alcoólatras
e tinham alterações de comportamento.
"Isso é o que chega de denúncia,
mas representa a mínima parte do que existe",
diz a assistente social Maria Luiza Simionato. "A
gente não tem noção do que ocorre
nos lares, mas há estimativas de que não
conhecemos 99% dos casos."
Segundo os pesquisadores do Crami, a violência
infantil não escolhe classe social. "É
um fenômeno que abrange rico, pobre, empregado
e desempregado", revela o psicólogo Marcelo
Moreira Neumann.
Ele afirma que a questão é cultural.
"Uma parte da sociedade ainda acredita que pela
dor se educa", diz. "Apesar dos dez anos
de ECA, também há uma sensação
de impunidade grande e várias se pessoas sentem
no direito de fazer com os filhos o que quiserem."
Para combater isso, além de atender as vítimas,
o Crami procura atuar na prevenção do
problema. Por meio de cursos e palestras, a entidade
tenta sensibilizar os pais e formar profissionais
capazes de identificar casos de agressão e
denunciá-los. Em 1998, o Crami ganhou o Prêmio
Bem Eficiente e, no ano passado, o Prêmio Desempenho
Empresarial.
Redação
Terra / O Estado de S. Paulo
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