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Coronavírus

Latam é primeira empresa no País a negociar redução permanente de salários

Pilotos e copilotos da empresa decidiram aceitar negociação pedida pela empresa; companhia já demitiu 2,7 mil tripulantes e disse que mais 1,2 mil serão demitidos se não houver acordo

5 out 2020 - 12h33
(atualizado às 22h05)
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Os aeronautas da Latam aceitaram que o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) inicie negociações com a empresa para a redução permanente dos salários da tripulação, na esteira da crise provocada pela pandemia. A deliberação em favor das conversas saiu na última sexta-feira, 2, com o fim de uma votação interna com os associados.

A redução de salários já era permitida pela Constituição, desde que intermediada pelo sindicato da categoria. Mas uma série de regras e leis contraditórias acabavam tornando essa decisão um prato cheio para disputas judiciais. "Com o advento da reforma trabalhista, em 2017, desde que respeitado o salário mínimo, a negociação coletiva sobre a redução salarial teve a sua validade reforçada", disse Henrique Melo, sócio do NHM Advogados.

A dificuldade desse tipo de negociação está expressa nos próprios dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Apesar da crise profunda gerada pela pandemia da covid-19, apenas a Latam e o SNA negociam esse tipo de corte de salários no tribunal.

A Latam e a categoria travam uma disputa há meses por causa do tema. Enquanto Gol e Azul negociaram com seus tripulantes reduções temporárias por causa da pandemia, a Latam quer o corte definitivo. A argumentação da empresa é que, por ser a mais antiga, tem salários superiores. A categoria, entretanto, havia negado qualquer tipo de conversa nessa direção e, no fim de julho, a Latam anunciou a demissão de 2,7 mil tripulantes. O tema ganhou um novo capítulo no dia 22 do mês passado, quando a aérea informou que ainda tinha um excesso de 1,2 mil tripulantes e que, sem um acordo para redução permanente de salários, iria promover novas demissões.

Também no dia 22, o SNA foi intimado pela Justiça do Trabalho a fazer um novo levantamento com a categoria sobre as propostas da Latam. A imposição saiu em um despacho do ministro do TST Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Em votação online realizada nos dias 1.º e 2 de outubro, os tripulantes associados da Latam autorizaram que a diretoria do SNA negocie com a empresa mudanças permanentes no modelo de remuneração.

"Diante deste resultado, o SNA irá apresentar a resposta da categoria para o TST, mediador da negociação com a Latam, que encaminhará os próximos passos", disse o SNA, em nota. Também em comunicado, a empresa informou que já estava em contato com o SNA para iniciar as negociações. "O avanço deste processo é fundamental para o diálogo conjunto e em prol da competitividade das operações e da continuidade das oportunidades de emprego da companhia", acrescentou a aérea.

Caso não deve gerar onda de negociações

Advogados acreditam que o caso da Latam é muito específico para gerar ondas de redução de salário sem corte da jornada em outras empresas, mas que traz uma nova forma de avaliar o tema. Eles também afirmam que a Latam está mais segura de eventuais processos trabalhistas individuais já que houve a mediação do Tribunal Superior do Trabalho.

"O atual entendimento majoritário do TST é de que, ainda que a possibilidade de redução salarial por meio de negociação coletiva esteja prevista na Constituição, essa redução se restringe aos casos de crise econômica, emergenciais e em que a redução não seja permanente", disse Elias Mubarak, especialista em Direito Empresarial e membro da Comissão Especial de Estudos de Recuperação Judicial e Falências da OAB-SP.

"Os próprios trabalhadores autorizaram a negociação da redução permanente. A decisão, entretanto, não é definitiva. Ainda vai ser apreciada pela Corte. Pode dar errado? Sim, mas é um avanço, pois estamos presenciando casos em que a redução salarial permanente vem sendo usada como contra forma de garantir a manutenção do emprego e da renda."

Já a especialista em Direito do Trabalho, Janaina de Santana Ramon, sócia do Crivelli Advogados, destacou que a categoria acabou sendo obrigada a ceder diante da ameaça de novas demissões. "Eles (a Latam) entraram com pedido de negociação com o TST, que eles chamam de mediação negocial, mas não há outra proposta que não uma redução salarial."

Janaína acrescentou que a empresa tem janela para propor, por exemplo, a estabilidade dos empregos para justificar a redução nos direitos.

Para o advogado trabalhista Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, o caso da Latam é muito específico. "O que acontece no setor de aviação não serve muito de parâmetro. É um setor com índice de filiação sindical muito alto, chega a quase 70%, enquanto a taxa de sindicalização média no mercado brasileiro não chega a 17%. A média salarial dos trabalhadores formal é de cerca de R$ 2,5 mil, a dos pilotos e copilotos da Latam é bem maior que isso", disse. "Aceitar uma redução salarial permanente é uma coisa complicada, mas não impõe uma dificuldade maior que a perda do emprego."

Recuperação

O grupo Latam está em recuperação judicial nos Estados Unidos (chapter 11) e conseguiu recentemente uma linha de financiamento de US$ 2,4 bilhões com credores e controladores no país. A empresa tem até o fim de janeiro para apresentar um plano de recuperação aos credores.

Estadão
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