[Coluna] Entre a alegria de viver dos cariocas e o pessimismo dos alemães
Nada parece tirar o bom humor dos brasileiros. Já na Alemanha o mundo está, como sempre, prestes a acabar.O fim está próximo - pelo menos o de 2025. É, portanto, chegada a hora de arrumar a mala e partir para a Alemanha para passar o Natal com a família. O Rio de Janeiro da maravilhosa Zona Sul se despede com céu azul, 32 °C e praias cheias de banhistas. Dos restaurantes da redondeza vem o cheiro do churrasco das festas de fim de ano.
Esse é o Rio que encanta as pessoas, tanto os cariocas como os turistas que eu encontrei nos últimos dias na praia e que não queriam voltar para a fria Europa. Lá, eu ouço de amigos e parentes, o ânimo está em baixa, a economia não anda bem, uns se incomodam com o número crescente de migrantes, outros têm medo de que a extrema direita chegue ao poder.
Pior do que isso só mesmo o medo da guerra na Europa. E isso que 2 mil quilômetros separam a minha cidade natal do front na Ucrânia. German Angst é como americanos e britânicos costumam chamar esse constante temor dos alemães de que as coisas vão piorar.
Tanto mais estranho, portanto, que as pessoas no Rio costumem estar de bom humor e encarem a vida de forma mais leve. Todos parecem aceitar que os assaltos aumentaram, que em todos os lugares é preciso tomar cuidado para não se ter o celular roubado. No Brasil a economia também não está perfeita, é o que se lê. Um ex-presidente foi mandado para cadeia por tentativa de golpe de Estado . Também no Rio há políticos presos. Isso não é nada de novo, dizem as pessoas - e dão de ombros.
Não são 2 mil quilômetros, mas meros 20 que separam o meu apartamento no Rio do local onde, no fim de outubro, 121 pessoas foram mortas numa troca de tiros que durou horas durante uma operação policial. Quando fui ao local da chacina , dois dias depois, as poças de sangue e as roupas dos mortos ainda estavam lá. Mães choravam por seus filhos, políticos de esquerda estavam lá e davam entrevistas, gritava-se palavras de ordem contra o governador de direita, que era chamado de "assassino" - também isso provavelmente uma maneira de expressar a frustração com a política.
A impressão que tenho é de que, de alguma maneira, as pessoas se acostumaram a esses acontecimentos. Ainda uns anos atrás eu escrevia sobre massacres como o do Jacarezinho em 2021, no qual 27 civis foram mortos. O maior da história, dizia-se então, e todos estavam chocados. E agora são 121 mortos. Quantos serão no próximo? Mas as pessoas parecem que vão se acostumando, como o sapo que vai sendo cozinhado aos poucos, sem perceber que a água vai ficando cada vez mais quente.
Mas talvez elas não vejam outra saída senão o confronto. As pesquisas mostram que uma esmagadora maioria dos cidadãos apoia uma postura linha-dura por parte da polícia. Também nas favelas o apoio é elevado. Políticos que prometem linha-dura e tolerância zero estão vencendo eleições em muitos países da América Latina. O governador do Rio de Janeiro viu sua popularidade até mesmo aumentar em decorrência da sangrenta operação policial do fim de outubro.
Dor e a alegria vividas sem contenção
No caminho para o aeroporto eu passo pela gigantesca árvore de Natal flutuante na enseada de Botafogo, que à noite brilha em tons de azul e lilás sobre a água. Um Natal quente em vez de um Natal com neve, penso. E já me alegro com o clima frio que vou encontrar na Alemanha.
Um conhecido meu da Itália que mora no Rio sempre diz que a Europa o angustia. Lá onde a vida é sempre planejável e a trajetória parece predeterminada do berço ao túmulo, as pessoas reagem aos percalços da vida com uma sensação de fim de mundo. Ele prefere muito mais o Rio, onde a dor e a alegria podem ser vividas sem contenção.
Chego ao Aeroporto Santos Dumont. Na entrada há um grupo de garotos vendendo balas. Eles usam camisetas do Flamengo, o clube do momento, que acumula um título atrás do outro. Umas pessoas estão deitadas na calçada ao lado da entrada. Seriam moradores de rua, talvez mendigos? Em toda a cidade parece haver mais deles, mas aqui no aeroporto eu nunca tinha visto tantos juntos.
De lá vou para o portão de embarque com destino à Alemanha. Lá os amigos e parentes sempre comentam com que leveza eu encaro a vida. Eu mesmo me sinto um casmurro. E, depois de 25 anos no Brasil, tenho cada vez mais a impressão de não entender mais nem o Brasil nem a Alemanha.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.
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