Ciência já decidiu guerras, mas é "caminho para libertar o homem"
10 nov2012 - 11h41
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Neste sábado, 10 de novembro, comemora-se o Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento. A data, estabelecida em 2001 e celebrada no Brasil desde 2005, ajuda a refletir sobre o papel da ciência e dos pesquisadores no bem estar social. Até porque nem sempre a ciência se volta para a construção de um mundo melhor.
Da mesma forma que o conhecimento científico ajudou no desenvolvimento da humanidade, ele também levou à criação da bomba atômica, às armas químicas, ao uso de aviões para fins bélicos, entre outros experimentos que visaram à subjugação do adversário em conflitos. "Ciência é poder, inclusive para vencer batalhas. Isso não é novidade. Bem cedo, o homem percebeu o valor do conhecimento, sendo que a história reserva inúmeros exemplos da utilização de invenções para a guerra", afirma Antônio Carlos Pavão, doutor em Química pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Espaço Ciência, em Recife.
O uso indevido da ciência fica evidente na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, principalmente no que se refere à bomba atômica. Conforme Pavão, Einstein, Fermi, Bohr e muitos cientistas reconhecidos ajudaram a desenvolver a bomba atômica. Werner Heisenberg foi o mais famoso pelo lado nazista: se ele não tivesse errado nas contas no processo de enriquecimento do urânio, a história poderia ter sido diferente.
Entretanto, se, por um lado os nazistas desenvolveram tecnologia de balística e de combustíveis de primeira linha, foguetes V1 e V2, aviões a jato - os quais foram utilizados pelos Estados Unidos e pela União Soviética após a guerra -, por outro, o professor Ivan Antonio Izquierdo alega que muito da ciência nazista não passou de fantasia. "As ideias do Hitler eram absurdas, e, além de cruéis ao extremo, os falsos 'experimentos' realizados por Mengele e os demais pseudocientistas nazistas foram profundamente insensatos, sem base científica alguma", salienta o Coordenador Científico do Instituto do Cérebro e Coordenador do Centro de Memória da PUCRS.
Segundo Gerson de Souza Mól, doutor em Química pela Universidade de Brasília (UnB), o mesmo conhecimento pode ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal. Segundo ele, ações de diferentes povos que julgamos erradas foram tomadas com o uso do conhecimento sobre fenômenos da ciência, com objetivo de impor sua vontade e seus valores a outro grupo. "Em todos os casos, isso significou a morte ou sofrimento de muitas pessoas", conclui.
Da mesma forma, o conhecimento científico foi determinante em vários momentos históricos da humanidade. Conforme Pavão, os filisteus venceram os israelitas porque sabiam produzir o aço, enquanto seus inimigos ainda estavam na era do bronze. A independência dos EUA só foi possível porque os americanos utilizaram a pólvora produzida na França, por Lavoisier, que era muito melhor do que a pólvora dos ingleses. A Alemanha partiu para a primeira grande guerra quando já podia produzir amônia à vontade, pelo método desenvolvido por Fritz Haber e Carl Bosh. Com amônia em abundância, era possível produzir TNT em grandes quantidades. "Foi o mesmo Fritz Haber que sugeriu lançar gás cloro nas trincheiras inglesas, matando milhares de soldados. Os ingleses revidaram também com guerra química. A insanidade se proliferou, e hoje o arsenal da guerra química é vasto e desconhecido", esclarece.
A apropriação indevida da ciência não se restringe apenas à química e à física. Até a neurociência pode ser empregada de forma condenável. Embora a especialidade tenha sido pouco utilizada com esses fins, Izquierdo esclarece que existe uma sociedade de neurocientistas que investiga e denuncia possíveis casos de mau uso da neurociência. "Muito mais se usa e usou a psicologia, tanto para a tortura como para a desinformação", alega.
A possibilidade do uso da ciência para a destruição imputa aos cientistas uma grande responsabilidade. "Isso os torna corresponsáveis pelo uso que é feito do conhecimento que ajudam a construir", salienta Mól. Assim como no caso de Santos Dumont, que teria cometido suicídio por ver sua invenção utilizada para fins bélicos. Verdade ou mito, Pavão argumenta que isso serve de alerta para os cientistas refletirem sobre suas produções e patentes. "O cientista não é neutro. É um ser político, que em geral está a serviço de uma classe dominante sem ter a consciência desse seu papel", enfatiza.
Izquierdo salienta que é profundamente necessário o questionamento de qualquer uso bélico da ciência, da tecnologia ou de qualquer outro conhecimento. "A ciência em si não é boa nem má; depende do uso que dela se faz", diz Pavão. "Quando o uso é para guerrear e dominar, existe aí uma contradição intrínseca, já que ciência é o caminho para a libertação do homem. Além disso, essa utilização indébita acaba por limitar o próprio desenvolvimento científico".
Assim, Mól ressalta que a inclinação de objetivos, construtivos ou destrutivos, não reside no conhecimento científico, e sim na sociedade. "A humanidade deve se preocupar com a humanidade. Cuidar para que os que sofrem não sofram. Uma sociedade sofrida pode buscar na ciência formas de levar seu sofrimento a outras pessoas. Uma sociedade boa e justa irá utilizar os conhecimento para o bem comum", acredita. "Ciência é para o bem, orientada para o pleno desenvolvimento das forças produtivas e construção do bem estar social. Ciência é para construir a paz", encerra Pavão.
O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) é o maior acelerador de partículas do planeta e teve custo avaliado em cerca de US$ 10 bilhões
Foto: Cern / Divulgação
O acelerador tenta reproduzir as condições do universo logo após o Big Bang
Foto: Cern / Divulgação
Um dos objetivos dos cientistas no LHC é tentar descobrir o bóson de Higgs, a única partícula do modelo padrão da física de partículas que ainda não foi confirmada
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O modelo explica o comportamento e as interações das partículas fundamentais que constituem a matéria ordinária, da qual somos feitos
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O LHC faz as partículas darem voltas em um túnel de 27 km na fronteira entre Suíça e França
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Viajando a 99,9% da velocidade da luz, as partículas colidem com outras na direção oposta e os cientistas observam os resultados
Foto: Cern / Divulgação
Existem quatro locais onde ocorrem as colisões ao longo do túnel, cada um com um enorme detector
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Somente o CMS (sigla em inglês para solenoide compacto de múons) pesa 12,5 mil toneladas
Foto: Cern / Divulgação
O CMS e o Atlas são os dois detectores que buscam o bóson de Higgs. Segundo a agência BBC, o CMS custou US$ 458 milhões
Foto: Cern / Divulgação
O Atlas tem 45 m de comprimento, 25 m de altura e 7 toneladas
Foto: Cern / Divulgação
Além do bóson de Higgs, o Atlas busca dados sobre outras dimensões de espaço - além das três que estamos acostumados -, matéria escura e outros
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Foi no Alice que os cientistas registraram colisões de átomos de chumbo, em sua busca pelas condições iniciais do universo
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Essas colisões chegaram a temperaturas inéditas em experimentos realizados pelo homem: 10 trilhões de °C
Foto: Cern / Divulgação
A estrutura cilíndrica do Super-Kamiokande é formada por 50 mil t de água pura rodeada por mais de 13 mil tubos fotomultiplicadores
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
O Super-Kamiokande é observatório de neutrinos localizado a 1 km debaixo da terra, em uma mina na cidade de Hida, no Japão
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
A estrutura cilíndrica tem 42 m de altura e 39,3 m de largura
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
O Super-K, como também é chamado, para procurar por decaimento de próton, detectar neutrinos de qualquer supernova que possa existir em nossa galáxia e estudar neutrinos solares e neutrinos atmosféricos
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
O Super-Kamiokande é o maior detector de radiação Cherencov aquático do mundo
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
Radiação Cherencov é uma radiação eletromagnética que pode ser visível
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
Essa radiação provém da interação de um neutrino com os núcleos dos átomos das moléculas de água
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
A construção do Super-K começou em 1991 e a primeira observação foi feita em 1996
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
A operação do Super-Kamiokande é feita com a colaboração de 110 pessoas e 30 institutos do Japão, Estados Unidos, Coreia, China, Polônia e Espanha
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
Um dos propósitos do experimento é revelar as propriedades do neutrino
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
Em 1998, os cientistas descobriram mudanças nos tipos de oscilações de neutrinos no voo na observação de neutrinos atmosféricos
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
A observação das propriedades do neutrino pode ajudar o entendimento de como a matéria foi criada no começo do Universo
Foto: Kamioka Observatory, ICRR (Institute for Cosmic Ray Research), The University of Tokyo / Divulgação
O Supercondutor Supercolisor (SSC, na sigla em inglês) seria o maior acelerador de partículas já criado pelo homem
Foto: Fermilab / Divulgação
Ele começou a ser construído perto de Waxahachie, no Estado americano do Texas
Foto: Fermilab / Divulgação
O projeto, que começou a ser construído em 1991, custaria US$ 12 bilhões. A ideia é que ele fosse capaz de recriar as condições do Big Bang
Foto: Fermilab / Divulgação
O SSC aceleraria prótons através de um tubo de 87 km a uma velocidade aproximada à da luz
Foto: Fermilab / Divulgação
Em 1993, o Congresso americano cancelou a construção - que já havia gastado US$ 2 bilhões e criado 12 km de túneis -, por achar o SSC caro demais, e decidiu priorizar outro projeto: o da Estação Espacial Internacional
Foto: Fermilab / Divulgação
Em 31 de outubro de 2000, um foguete partia do cosmódromo Baikonur, no Cazaquistão - com três tripulantes a bordo. Eram os primeiros ocupantes a viver na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês)
Foto: AFP
A ISS foi construída com os esforços das agências espaciais japonesa (Jaxa), canadense (CSA), americana (Nasa), russa (Roscosmos) e 11 membros da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês): Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido
Foto: AFP
A ISS tem 419.857 kg, o equivalente a 320 carros. O espaço interno é de 900 m³, o equivalente ao de um Boeing 747
Foto: AFP
Em 10 anos de ocupação ininterrupta, foram mais de 600 experimentos realizados na estação
Foto: AFP
Segundo a agência EFE, estima-se que o custo total da ISS tenha chegado a US$ 100 bilhões
Foto: Getty Images
O próximo projeto megalômano? Um dos candidatos é uma viagem a Marte. O presidente americano, Barack Obama, já afirmou que espera que a viagem seja feita em 2035
Foto: Nasa / Divulgação
Na Rússia, a agência espacial do país (Roscosmos) e a europeia (ESA) já realizam uma simulação de um possível voo ao planeta vermelho, com décadas de antecedência
Foto: ESA / Divulgação
Astronautas passam pelas mesmas condições que teriam em uma nave espacial - com exceção da falta de gravidade
Foto: ESA / Divulgação
Simulação tem direito a "descida" em Marte
Foto: ESA / Divulgação
Astronautas passam por exames - conduzidos por outros astronautas, já que ninguém pode entrar nas instalações durante os 520 dias do experimento.