Desinformação climática: saiba que mentiras contam hoje os semeadores de dúvidas no Brasil
'ESTADÃO VERIFICA' LEVANTOU EXEMPLOS DE BOATOS ENGANOSOS NAS REDES SOCIAIS E CONSULTOU ESPECIALISTAS SOBRE AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS
O desafio da desinformação climática ganha destaque no Brasil em virtude da realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), em Belém, no Pará. Mais de 190 países vão se reunir para debater conjuntamente as formas de alcançar as metas climáticas estabelecidas em Paris há 10 anos. E, pela primeira vez, o problema das informações falsas foi incluído entre os pontos-chave a serem discutidos pelos países-membros.
"Forças extremistas fabricam inverdades para obter ganhos eleitorais e aprisionar as gerações futuras a um modelo ultrapassado que perpetua disparidades sociais e econômicas e degradação ambiental", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de abertura da COP.
O Estadão Verifica levantou tendências da desinformação climática que circulam nas redes sociais no País. O resultado poderá ser conferido em uma série de reportagens. Cada texto abordará um tipo de desinformação identificado pela Organização das Nações Unidas (ONU):
Negacionismo - negar a existência das mudanças climáticas e a sua relação com as atividades humanas. Os negacionistas usam argumentos sem embasamento para semear dúvidas sobre a ciência do clima. Dúvida e atraso - questionar a viabilidade, a necessidade e a urgência das ações voltadas à transição sustentável. Conteúdos com este tipo de mensagem minam o apoio da opinião pública a políticas públicas ambientais. Conspiracionismo - expor uma suposta atuação orquestrada secreta entre cientistas, políticos e ativistas do clima. Greenwashing - exagerar os impactos reais de ações de empresas e instituições públicas voltadas para o meio ambiente. A principal intenção é manter uma imagem positiva das marcas sem fazer mudanças realmente impactantes.
O Verifica pesquisou os principais temas e estratégias encontrados em uma busca por palavras-chave nas redes sociais da Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e entre os pedidos de leitores no nosso canal no WhatsApp. O monitoramento usou o intervalo de tempo entre julho de 2023 e julho de 2025.
Também foram analisadas mensagens trocadas nos dez maiores grupos brasileiros de teoria da conspiração no Telegram. A escolha dos grupos e o levantamento das mensagens foram feitos em um banco de dados compilado por Ergon Cugler, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (Desinfopop/FGV).
Para Luana Cruz e Luisa Massarani, respectivamente pesquisadora e coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a desinformação compromete o debate público sobre o meio ambiente. Para elas, é preciso entender aspectos culturais e de comportamento da comunicação de cada local para se ter políticas públicas eficientes de combate à desinformação.
Duas crises que convergem
Uma pesquisa da ONU perguntou a lideranças de governos, setor privado, sociedade civil e universidades quais são os riscos mais graves enfrentados hoje. As mudanças climáticas lideraram a preocupação dos entrevistados, ao passo que a desinformação ficou em terceiro lugar.
Para a conselheira sênior em integridade da informação na ONU Charlotte Scaddan, os desinformadores são "especialistas" em semear dúvidas entre partes importantes do público, como formuladores de políticas e tomadores de decisão. Ela vê dois intuitos nos desinformadores. O primeiro é atrasar ou barrar a ação climática. Mas também observa a desinformação do clima sendo utilizada para fins além da seara ambiental. "(A desinformação climática) está sendo usada para minar processos democráticos e piorar a polarização social", disse.
Para Scaddan, é possível ver paralelos na crise da desinformação e nas mudanças climáticas. Na primeira, comunidades marginalizadas podem ser as mais visadas por muitas vezes não terem acesso a informação de qualidade e serem alvos de campanhas de ódio e assédio. Na mesma linha, são essas as comunidades mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. "Há paralelos e ambos exigem cooperação internacional, e acho que esse é um ponto-chave", disse Charlotte. "São duas crises que estão convergindo e que devem ser abordadas juntas."