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Tragédia em Goiânia: massacres de Columbine e Realengo despertaram em adolescente 'interesse em matar', diz delegado

Filho de policiais militares, jovem de 14 anos usou arma da mãe para matar dois colegas e ferir quatro na capital goiana; intervenção de coordenadora da escola pode ter evitado tragédia pior, afirma responsável pelo caso.

20 out 2017 - 20h29
(atualizado em 21/10/2017 às 12h18)
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Movientação na frente de escola após crime
Movientação na frente de escola após crime
Foto: BBC News Brasil

Meses antes de tirar a pistola .40 da mãe do móvel em que ficava escondida em casa, sair para a escola com a arma na mochila e abrir fogo contra seus colegas na sala de aula do 8º ano do Colégio Goyases, em Goiânia, o adolescente X., de 14 anos, fez pesquisas na internet sobre os massacres de Columbine, nos EUA, e de Realengo, no Rio de Janeiro.

Os ataques de atiradores nas duas cidades - que mataram 12 alunos e um professor em 1999 e 12 adolescentes em 2011, respectivamente - "despertaram interesse em matar", como o jovem relatou em depoimento à Polícia Civil horas depois do ataque.

"Ele foi inspirado por essas duas tragédias e motivado pelo bullying que sofria de um dos adolescentes de sua turma, que ele resolveu matar", diz o delegado Luiz Gonzaga Júnior, da Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai), que colheu o depoimento de X. horas após o ataque.

No fim da manhã desta sexta-feira, X. matou dois adolescentes cujas idades ainda não foram divulgadas anos e deixou outros quatro feridos na escola particular de ensino infantil e fundamental na capital goiana, que tem alunos de classe média.

Bullying na escola

Alunos colegas de X. contaram à imprensa local que o jovem costumava sofrer bullying e era chamado de fedido por não usar, segundo corria na turma, desodorante.

O segundo jovem morto, de acordo com o delegado, era um amigo próximo do atirador, de quem ele "gostava muito", como teria dito no depoimento.

Dentre os feridos, dois estão em estado grave, internados na UTI de dois hospitais em Goiânia. Uma das jovens, internada em situação estável, faz 14 anos na próxima terça-feira.

O jovem falou à polícia acompanhado de seu pai, "completamente consternado", segundo o delegado. Ambos os pais do adolescente são policiais militares, e a arma era ferramenta de trabalho de sua mãe, propriedade da Polícia Militar do Estado de Goiás.

"Ele se apoderou da arma da mãe com a intenção de matar esse desafeto. Mas é claro que agiu com total desequilíbrio emocional, causando essa chacina", diz Gonzaga Junior.

O policial diz que o depoimento indicou que o jovem já teve problemas psicológicos e chegou a iniciar um acompanhamento - que depois foi abandonado.

Memorial em homenagem às vítimas do atentado em Realengo
Memorial em homenagem às vítimas do atentado em Realengo
Foto: BBC News Brasil

Intervenção cessou tiros

De acordo com o delegado, o número de vítimas poderia ter sido maior. A intervenção da coordenadora parece ter sido decisivo para conter X.

Depois de fazer suas primeiras vítimas na sala de aula, o cartucho da pistola esvaziou e todos conseguiram fugir. X., entretanto, levara um segundo cartucho. Recarregou a arma e foi até o corredor "para matar mais".

Mas a coordenadora se interpôs e começou a dialogar com ele.

"Ele confessou que pensou em matar a coordenadora. Pensou em se matar também", conta o delegado.

"Ela conseguiu serenar seu ânimo e talvez propiciar um despertar de lucidez", considera. "Pode ter evitado um número ainda maior de vítimas."

X. teria concordado então em acionar a trava da arma e ir para a biblioteca com a coordenadora, que então acionou a Polícia Militar e aguardou a chegada dos agentes ao lado do atirador. Ele rendeu sua arma e se rendeu.

O jovem foi autuado em flagrante dois homicídios consumados e quatro tentativas de homicídio, e será agora apresentado ao Ministério Público da Infância e da Juventude. Um juiz da infância decidirá por quanto tempo X. ficará detido, mas o período máximo de detenção será de três anos, conforme determinado pelo Estatuto da Criança e Adolescente.

Após o ataque, moradores de Goiânia colocaram símbolos e manifestações de luto em suas páginas nas redes sociais. O choque se espalhou pelo país todo, diante de uma modalidade de crime rara no Brasil.

"Nos EUA esses ataques são difundidos e armas de fogo têm acesso muito livre", aponta Gonzaga Júnior. "Aqui em Goiânia, nunca vimos um caso desses. Afora o caso de Realengo não conseguimos nos lembrar de outro no Brasil", diz o delegado.

Em abril de 2011, um atirador abriu fogo contra crianças e adolescentes da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio, matando 12 alunos e deixando outros 13 feridos.

O caso gerou um duplo choque - com o massacre em si, e com a importação de um crime visto com uma frequência desconcertante nos EUA, mas não no Brasil.

Como no caso de Realengo, o ataque em Goiânia despertou uma nova onda de debate sobre o acesso a armas - mas, sobretudo, sobre o grave problema do bullying nas escolas.

Na página da escola no Facebook, muitos deixaram mensagens de apoio, destacando a qualidade do ensino e desejando força para os alunos, suas famílias e o corpo docente. Mas outros deixaram comentários duros, criticando uma suposta falta ação contra casos de bullying.

De acordo com Gonzaga Junior, informações preliminares indicam que X. não levava os relatos de bullying de volta para casa nem para a direção da escola. "Os pais, aparentemente, nunca haviam tomado conhecimento disso", diz. De acordo com o delegado, as investigações agora serão aprofundadas para atestar a real motivação do crime.

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