PL antifacção: veja as diferenças entre o projeto do governo e as alterações de Derrite
Tramitação foi acelerada no Congresso Nacional após megaoperação contra o CV no Rio. Relator da proposta, deputado federal fez mudanças que gerou críticas da PF, Receita Federal e do Ministério Público de SP
De autoria do governo federal e assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 31 de outubro, o Projeto de Lei Antifacção teve a tramitação acelerada no Congresso Nacional após a megaoperação contra o Comando Vermelho, realizada há duas semanas nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação deixou 121 mortos e foi a mais letal da história.
Embates já eram esperados, mas a discussão gerou conflitos mais acalorados após o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciar o deputado federal Guilherme Derrite como relator. Derrite se licenciou do cargo de secretário estadual da Segurança Pública de SP para voltar à Câmara.
Antes mesmo de assumir oficialmente a relatoria, ele já tinha anunciado pelas redes sociais que faria mudanças no PL. Dentre as alterações feitas, a restrição à participação da PF nas investigações rendeu repercussões negativas. O texto foi alterado na segunda-feira, 10, e está pautado para ser votado nesta terça-feira, 11.
Veja abaixo o que propõe o governo, quais foram as alterações feitas pelo relator e o que dizem a PF, Receita Federal e o MP-SP.
O que o governo federal quer com o PL?
O objetivo do projeto é fortalecer a atuação do governo no combate a grupos criminosos organizados, como o Primeiro Comando da Capital (PCC)e o Comando Vermelho (CV). "Nós vamos mostrar como é que se enfrentam essas facções, que vivem de explorar o povo mais humilde desse país", disse Lula após a assinatura do projeto.
O projeto foi estruturado em eixos principais:
- cria a figura da organização criminosa qualificada — ou facção criminosa;
- eleva para até 30 anos as penas para quem integra as facções criminosas;
- pena de integrantes de facção criminosa passaria para o prazo de cinco a dez anos de prisão, enquanto integrar facções com controle territorial ou de atividades econômicas teria pena de 8 a 15 anos de reclusão;
- cria novas ferramentas de investigação, como a possibilidade de infiltração de agentes policiais em empresas investigadas por serem usadas como fachada para a lavagem de dinheiro de facções criminosas;
- prevê que juiz possa determinar que provedores de internet, telefonia e empresas de tecnologia viabilizem acesso a dados de geolocalização em casos de ameaça à vida ou integridade de pessoas;
- cooperação policial internacional, a cargo da Polícia Federal, e inclui o setor privado na busca de provas e informações de interesse da investigação quando cabível, juntamente com entidades federais, distritais, estaduais e municipais;
- prevê afastamento de agente público, por decisão judicial, quando houver indícios de envolvimento com facção criminosa. Adicionalmente, o réu condenado por facção ficará impedido de contratar com Poder Público ou receber incentivos fiscais pelo prazo de 14 anos;
- criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas e a implementação de instrumentos para descapitalizar o crime organizado com maior agilidade.
As novas medidas prometem punir os criminosos de forma mais severa, desburocratizar eventuais transferências de presídios, articular com empresas de telecomunicações formas de monitorar o crime de forma mais assertiva.
Quais as mudanças feitas por Derrite?
O novo texto apresentado Derrite (PP-SP) altera o Código Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Terrorismo, a Lei de Organização Criminosa, a Lei de Crimes Hediondos, a Lei de Drogas e a Lei de Armas.
Ele prevê:
- investigação criminal caberá às Polícias Civis e a competência para processamento e julgamento será da Justiça Estadual - ou seja, limita o papel da PF no combate ao crime organizado e foi alvo de críticas;
- Equipara a pena de facção criminosa a terrorismo (passa de 20 a 40 anos);
- obrigatoriedade de cumprimento de pena em presídios de segurança máxima para líderes de facções;
- proibição de anistia, graça, indulto, liberdade condicional e corte do auxílio-reclusão para familiares de condenados por esses crimes;
- aumento da progressão de regime de 40% para 70% do cumprimento da pena.
Como era e como ficará o papel da PF no texto final?
Na alteração feita nesta segunda, a Polícia Federal poderá participar das investigações em caráter 'integrativo, cooperativo' com a polícia estadual, sempre que a matéria for de sua competência constitucional ou legal.
Essa participação pode ocorrer por solicitação do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual, ou por iniciativa própria da PF, mediante comunicação às autoridades estaduais.
O que dizem PF, Receita Federal e MP-SP sobre o PL?
Conforme mostrou a coluna de Marcelo Godoy no Estadão, o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o PCC e está jurado de morte pela facção, afirmou que o texto pode excluir não só a PF, mas também o Ministério Público, afetando investigações contra o crime organizado.
"O ponto principal é que o relatório do Derrite optou por fazer uma modificação na Lei Antiterrorismo, a lei 13.260/16. Ao contrário do projeto do Executivo, que previa uma alteração na Lei de Organizações Criminosas, a lei 12.850, criando condutas que tipificariam a organização criminosa qualificada." Aqui está a origem de toda a confusão que pode atingir o combate ao crime organizado no Brasil.
A Polícia Federal, em nota divulgada após o novo parecer de Derrite, se disse preocupada com o papel da instituição no combate ao crime organizado, pois condiciona sua atuação à autorização prévia estadual.
Na nota, a PF afirma que "acompanha com preocupação as alterações produzidas pelo relatório sobre o Projeto de Lei Antifacção, pois pelo texto apresentado, o papel institucional da PF no combate ao crime poderá sofrer restrições significativas, havendo risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado".
A Receita Federal também divulgou nota sobre o caso. Repetindo os termos da PF, a instituição se disse preocupada com as mudanças no projeto original do governo.
"Preocupa a redação dada ao PL nº 5.582/2025 pelo relator, em que condiciona a atuação da Polícia Federal à provocação do governador do Estado, o que abre margem para inaceitável interferência e enfraquecimento da autoridade federal", diz a nota, acrescentando: "A população brasileira espera que todos os órgãos de Estado atuem em cooperação e integração, sem subordinação ou interferência indevida, sob pena de se colocar em risco os ganhos recentes no combate a organizações criminosas".