'Câmbio, desligo': como doleiros utilizaram codinomes e sistemas paralelos para movimentar US$ 1,6 bi
Segundo os investigadores, esquema delatado por dois operadores estaria relacionado a mais de 3 mil offshores com contas em 52 países.
Com as delações premiadas de dois doleiros, a nova fase da operação Lava Jato, batizada de "Câmbio, Desligo", conseguiu detalhar como funcionava um sofisticado esquema que usou sistemas informatizados criptografados e codinomes para "driblar" a fiscalização e movimentar mais de US$ 1,6 bilhão.
Segundo o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, Vinícius Claret, o "Juca Bala", e Cláudio Barboza, conhecido como Tony ou Peter, eram "os doleiros dos doleiros" e operavam como "uma verdadeira instituição financeira".
Na decisão em que determinou a prisão de 45 pessoas na manhã desta quinta-feira, 03, o juiz Marcelo Bretas, da Justiça Federal no Rio de Janeiro, detalha como Tony e Bala operavam cifras milionárias. Eles mostraram as telas dos programas para comprovar como o sistema criptografado funcionava.
Presos em março do ano passado no Uruguai, Tony e Juca Bala assinaram acordos de colaboração e explicaram como funcionavam as transações paralelas. Do Uruguai, eles emitiam ordens de transferência, coordenavam entregas de dinheiro em espécie no Brasil e no exterior, e gerenciavam dois sistemas criptografados de mais de 3 mil offshores com contas em 52 países.
Para fazer as transações, os doleiros contavam com uma rede de colaboradores e usavam o "BankDrop" e o "ST", dois sistemas bancários informatizados e próprios, completamente à margem do sistema financeiro oficial.
O "BankDrop" guardava detalhes das operações no exterior. O "ST", por sua vez, funcionava como uma conta corrente, detalhando operações de compra e venda com dados de contas, beneficiários, datas e valores, inclusive das transações internacionais.
Apesar de usarem um sistema bancário próprio, os doleiros faziam as transações por meio de um antigo mecanismo conhecido como "dólar cabo". Ele funciona como um sistema de compensação financeira para remessa de valores e pagamentos com base na confiança entre clientes e doleiros, e na atuação em rede dos operadores.
O uso do "dólar cabo" foi intenso no país nos anos 1970 e 1980, quando a economia brasileira era fechada e as transações internacionais, muito complicadas. Depois da abertura e da regulamentação do sistema financeiro, investigadores ouvidos pela BBC explicam que o mecanismo continuou sendo usado para tentar encobrir atividades ilícitas como sonegação e lavagem de dinheiro.
Nesse contexto, os doleiros são os operadores, intermediários que, em troca de uma comissão, encontram compradores, vendedores e fazem as remessas. Eles usam o sistema bancário, mas de uma forma que torna difícil identificar destinatários e beneficiários, bem como rastrear o caminho do dinheiro.
Operações mais comuns
O doleiro recebe dinheiro em espécie ou por meio de uma transferência bancária no Brasil. Cumprida essa etapa, ele se responsabiliza por depositar valor equivalente, descontada a comissão, na conta da mesma pessoa no exterior. Não há, contudo, remessas para fora. As transações são feitas entre contas já existentes, normalmente em paraísos fiscais, onde a identidade dos titulares é mais protegida.
A mesma operação é feita de modo reverso, permitindo que pessoas que mantêm dinheiro no exterior recebam reais sem a necessidade de sacar diretamente. Para isso, recursos são disponibilizados no exterior aos doleiros, principalmente por meio de transferência. Os doleiros, por sua vez, usam contas no Brasil para fazer o pagamento.
Há ainda a possibilidade de "casar contas" de clientes que querem mandar ou recuperar ativos, sem a necessidade de que o dinheiro passe pelas contas dos doleiros. Muitas vezes, no entanto, os próprios doleiros compensam as movimentações, emprestando ou antecipando recursos a serem transferidos.
No passado, essas movimentações eram feitas por meio de contas de laranjas, normalmente pessoas que não tinham como comprovar renda que justificasse o volume e o montante das transações. O esquema se sofisticou e passou a usar empresas que simulam prestações de serviço e emitem notas frias.
As operações "dólar cabo" são, portanto, uma forma de movimentar recursos de forma paralela, sem passar pelo sistema bancário.
"Usualmente, agentes públicos corruptos compram dólares no exterior de empresas que necessitam comprar reais em espécie no Brasil para corromper outros agentes públicos. Para que a operação funcione, é preciso uma extensa rede de contatos para casar as operações de compra e venda, o que era intermediado por doleiros do Juca e Tony", afirma o Ministério Público Federal.
Zorro, Monza, Barbeador e Wave eram alguns dos codinomes listados em dois sistemas de contabilidade paralela.
Zorro, por exemplo, era um fornecedor de dólares no exterior. Ele "vendeu" aos doleiros US$ 12,9 milhões entre 2012 e 2015, usando notas frias. Monza, por sua vez, movimentou US$ 239,7 milhões. Era um conhecido doleiro de São Paulo e usava o serviço de Bala e Tony para atender aos clientes.
Já o cliente identificado como Barbeador usou os serviços da dupla para mandar mais de US$ 29 milhões ao exterior para contas offshore. Wave é sócio administrador de uma empresa de turismo e aparece no sistema informatizado como beneficiário de transações de compra e venda de dólares.
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