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Política

Ao abrir os cofres para o Centrão, Bolsonaro criou blindagem

Se é inegável que o clima político piorou, também é pública a dificuldade para se conseguir os votos para aprovar o impeachment

8 set 2021 - 15h22
(atualizado às 17h39)
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Um dia depois das manifestações e dos discursos antidemocráticos liderados por Jair Bolsonaro, os partidos ampliaram suas conversas em torno do afastamento do presidente e o fantasma do impeachment voltou a assombrar seu governo. Se é inegável que o clima político piorou muito, especialmente por causa das falas golpistas de Bolsonaro, também é pública e notória a dificuldade para se conseguir os votos necessários para aprovar um impeachment. A razão é simples: para se blindar politicamente, Bolsonaro entregou a chave do cofre do orçamento para os principais líderes do Centrão em troca, justamente, de proteção política.

Com essas liberações milionárias, feitas dentro do mecanismo do orçamento secreto, os partidos do Centrão nunca tiveram tanta fartura em termos de recursos. Parlamentares do grupo também receberam o comando de Ministérios, ampliando sua força política. Com esse poderio, pavimentam projetos eleitorais em seus Estados e perdem o interesse em fazer qualquer gesto que possa ameaçar essa situação. É isso que tem impedido, nos últimos meses, que movimentos de impeachment prosperem dentro do Congresso.

Presidente Jair Bolsonaro discursa para apoiadores em Brasília
07/09/2021
Alan Santos/Presidência/Divulgação via REUTERS
Presidente Jair Bolsonaro discursa para apoiadores em Brasília 07/09/2021 Alan Santos/Presidência/Divulgação via REUTERS
Foto: Reuters

Até porque esse grupo político desconfia que a saída de Bolsonaro, eventualmente substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão, pode afetar as regras atuais deste jogo e secar as fontes de recursos.

Nesse sentido, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem exercido papel central nessa ponte entre Congresso e governo e também no controle da agenda do impeachment. Com o poder de dar seguimento ou não a esse pedido, Lira também é um dos maiores fiadores da parceria do Centrão com o Planalto. Ele tem sido aliado fiel de Bolsonaro e colhido generosos frutos políticos com essa aliança. Para mudar de papel, a pressão política precisará ser muito forte.

Não foi à toa que o pronunciamento de Lira desta quarta foi repleto de palavras duras, mas sem qualquer aceno de providência prática. Lira reclama da situação, mas se oferece como uma ponte de recuperação na harmonia entre os Poderes. No estilo das conhecidas notas de repúdio, Lira fez críticas, mas deu mais crédito a Bolsonaro. Ou seja, colocou o jogo para seguir.

Mas, apesar de mais uma fala contemporizadora de Lira, é óbvio que o Parlamento é uma Casa política sensível à pressão da opinião pública e também da economia. Os discursos antidemocráticos de Bolsonaro criaram um mal estar generalizado e provocaram fortes reações de vozes institucionais de peso. E, ao mesmo tempo, a instabilidade política no País cria muitas dificuldades para a atividade econômica embalar. Não foi à toa que o PIB nacional passou a se manifestar publicamente cobrando harmonia entre os Poderes e o fim das ameaças à democracia.

Além disso, mesmo se beneficiando bastante da liberação de recursos, os parlamentares do Centrão têm um histórico de abandonar o barco político quando sentem que ele está afundando. Foi assim com a petista Dilma Rousseff, que sofreu o impeachment tendo votos de partidos que ocupavam ministérios de seu governo até poucos meses antes.

Bolsonaro buscou sua blindagem política no ano passado, quando intensificou o movimento de concessão de cargos e recursos para o Centrão porque já temia ser alvo de impeachment. Mas, na época, o motivo de preocupação era pelo seu negacionismo em relação ao combate à pandemia do coronavírus. Bastante criticado pelo elevado número de mortes, Bolsonaro temia que a negligência de seu governo nesse combate acabasse lhe custando o cargo e decidiu chamar o Centrão de vez para dentro do governo.

Antes disso, em 2019, os excessos de Bolsonaro no desrespeito à democracia já eram vistos como possíveis de motivar seu impeachment. Na ocasião, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não aceitou abrir o processo por achar que não havia apoio político para sustentar a ação. E também havia o temor de que um novo processo de impeachment travasse a discussão da agenda das reformas, que avançava com as mudanças da Previdência.

Hoje, com o ambiente político azedando de vez, já há o prejuízo para a continuação da discussão das reformas tributária e administrativa, e de outros temas importantes para a retomada do crescimento. Mas, nesse momento, Bolsonaro claramente se preocupa apenas com seu objetivo de conseguir sua reeleição, seja atuando dentro ou fora das quatro linhas da Constituição.

Estadão
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