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Polícia

Caso Acioli: condenado desistiu de delação por ordem de comandante

Policial que fez a escolta de um dos PMs condenados revelou que o réu teria voltado atrás no seu depoimento depois de ter recebido um recado do tenente-coronel da Polícia Militar Claudio Luiz Silva Oliveira

20 mar 2014 - 15h06
(atualizado às 19h30)
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Um policial militar condenado pela morte da juíza Patrícia Acioli, em 2011, no Rio de Janeiro, teria voltado atrás no seu depoimento, em que acusou colegas e o tenente-coronel da Polícia Militar Claudio Luiz Silva Oliveira do assassinato dela, depois de ter recebido um recado com essa orientação de Oliveira, segundo depoimentos de policiais civis nesta quinta-feira no 3º Tribunal do Júri de Niterói, onde Oliveira está sendo julgado. Nesta tarde, um policial civil que fez a escolta do policial militar Jefferson de Araújo Miranda, um dos seis policiais militares condenados pela morte da magistrada, deu um rápido depoimento aos jurados, mas que foi considerado peça-chave no julgamento.

Policiais no crime: quando a polícia vira o criminoso

O policial Fernando Resende disse pue, em um dos dias que transportou Miranda para uma audiência na Justiça, o PM afirmou que voltou atrás na sua delação premiada porque o tenente-coronel Claudio Oliveira teria ordenado que ele fizesse isso. Miranda também teria dito que o benefício da delação premiada não valia a pena para ele, pois ele já respondia por vários outros crimes.

O julgamento do tenente-coronel da Polícia Militar Claudio Luiz Silva Oliveira, acusado de ser o mentor do assassinato da juíza Patrícia Acioli em 11 de agosto de 2011, no bairro de Piratininga, Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, começou na manhã desta quinta-feira. Oliveira comandava o 7º Batalhão de Polícia Militar (São Gonçalo) na época do crime e responde por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, mediante emboscada e com o objetivo de garantir impunidade de crimes) e formação de quadrilha. O julgamento começou às 9h15.

Patrícia, 47 anos, era juíza titular da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, quando foi morta na porta de casa. Ela atuou em vários processos em que policiais militares eram acusados de "disfarçar" a morte de civis registrando os casos como supostos autos de resistência (em que há confronto com a polícia). A magistrada recebeu 21 tiros. Seis policiais militares já foram condenados pela morte dela, com penas que variaram de 19 anos e seis meses a 36 anos de prisão: Carlos Adílio Maciel dos Santos, Jefferson de Araújo Miranda, Jovanis Falcão, Junior Cezar de Medeiros, Sergio Costa Junior e Daniel dos Santos Benitez Lopes.

No início do julgamento, na fase dos requerimentos, o advogado do réu, Manuel de Jesus Soares, solicitou o adiamento do júri, alegando que ainda há recursos pendentes solicitados pelo réu, que ainda não foram julgados, mas o pedido foi negado.  Foram arroladas 11 testemunhas no processo, sendo seis de acusação e cinco da defesa, segundo o Ministério Público.

Delegado: comandante da PM retirou escolta de juíza assassinada

A primeira testemunha a prestar depoimento foi o delegado Felipe Renato Ettore, da Delegacia de Homicídios, que investigou a morte de Patrícia, e disse não ter dúvidas da participação do coronel Claudio Luiz Silva Oliveira no assassinato. "Saltava às vistas a participação dele. A participação dele viabilizou o crime. Ele retirou os policiais da escolta da juíza, porque estavam tramando a morte dela. Se a juíza permanecesse viva, o coronel Claudio seria preso", disse o delegado.

De acordo com Ettore, a magistrada afirmava a colegas que gostaria de ver o coronel Claudio preso, pois o batalhão dele era acusado de extorsões e execuções.

Segundo Ettore, Jefferson de Araújo Miranda, afirmou, durante o depoimento pelo qual recebeu o benefício da delação premiada, que ouviu de outro PM condenado, Daniel dos Santos Benitez Lopes, a maneira como o tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira teria tratado da morte da magistrada. Lopes teria sugerido a morte de um inspetor da Polícia Civil ao tenente-coronel Claudio, que concordou com a ideia. Em seguida, Lopes teria questionado "essa ordem se estende à Patrícia?" Segundo o delegado, o tenente-coronel Claudio afirmou a Lopes: "Aí você estaria me fazendo um favor".

Jefferson Miranda voltou atrás em seu depoimento e disse que foi pressionado a delatar os PMs. Mas, segundo o delegado Ettore, Miranda tinha um temor muito grande de envolver o tenente-coronel Claudio naquela "trama diabólica", assim como os outros policiais do batalhão. "O Jefferson contou a um policial que fazia a escolta dele em audiências que voltou atrás porque a delação premiada não ia resolver o problema dele, pois ele respondia por muitos autos de resistência suspeitos. E que o coronel Claudio Oliveira mandou ele voltar atrás”, disse o comissário de polícia José Carlos Guimarães em depoimento no júri.

Segundo o comissário Guimarães, Jefferson Miranda afirmou à polícia que, como Lopes não conseguiu contratar milicianos para matar a juíza, ele combinou com policiais do 7º Batalhão que eles próprios cometeriam o assassinato. Para comprar um carro e uma moto usados para matar a juíza, os PMs teriam usado dinheiro fruto de extorsão com traficantes (a “caixinha” mensal do batalhão). Jefferson também disse que, dias após ele e vários policiais do 7º Batalhão terem sido presos, o tenente-coronel Claudio Oliveira os visitou na cadeia. Na ocaisão, o comandante disse que ia ajudá-los a conseguir um advogado e que eles estavam presos não pela morte de Patrícia, mas por autos de resistência suspeitos.

O delegado Ettore afirmou que Lopes não teria motivos para planejar a morte da juíza a não ser para agradar ao tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira, de quem era braço direito.

O promotor Paulo Roberto Cunha Júnior, que atuava com a juíza Patrícia na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, disse em testemunho que ela ouviu de três pessoas, em ocasiões diferentes, que o tenente-coronel Claudio Silveira estava planejando a morte dela e que teria contratado uma milícia do Rio para cometer o crime. Patrícia foi alertada dos rumores que corriam sobre isso no batalhão, e por um policial civil e um agente penitenciário.

Segundo Cunha Júnior, a escolta de Patrícia foi retirada depois que um policial do 7º Batalhão foi preso por camuflar extermínios que teriam sido cometidos por policiais como autos de resistência. Essa prisão teria desagradado o tenente-coronel Claudio, que, segundo o promotor, não mostrava intenção de colaborar com o projeto do MP para diminuir os autos de resistência no 7º batalhão. De acordo com Cunha Júnior, cerca de 10% dos policiais do batalhão foram denunciados após constatação em irregularidades com autos de resistência, mas a juíza nem sempre decretava a prisão deles.

A advogada Ana Cláudia Abreu, que também foi testemunha de acusação, se exaltou em seu depoimento, ao falar com a defesa do tenente-coronel e disse que foi ameaçada de morte por um policial. Ela reafirmou que o policial condenado Jefferson Miranda atribuía ao coronel Claudio Oliveira a ordem para matar Patrícia Acioli. "O Jefferson foi um frouxo que voltou atrás depois do depoimento que deu", disse Ana Cláudia.

Em depoimento no Tribunal do Júri, o inspetor da Polícia Civil Ricardo Henrique Oliveira, que investigava policiais militares do 7º Batalhão por extorsões e mortes, disse que na unidade havia um grupo chamado Bonde dos Neuróticos. "Eles procuravam as comunidades mais ricas, como Salgueiro e Coruja, e sequestravam pessoas e mantinham em cativeiro. Eles esperavam o resgate, que era pago muitas vezes em drogas, armas e dinheiro", disse Oliveira. O inspetor disse que encontrou uma lista de "marcados para morrer" com um "exterminador travestido de policial", em que o nome de Patrícia aparecia em primeiro lugar.

A expectativa do Tribunal de Justiça é que o julgamento acabe na noite desta quinta-feira.

Testemanunha de defesa: retirada de escolta não foi decisão de tenente-coronel

A primeira testemunha de defesa, o coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, que era comandante-geral da Polícia Militar na época do assassinato de Patrícia Acioli, disse que a decisão de retirar os policiais que faziam a escolta da juíza da função não foi do tenente-coronel Claudio Luiz Silva Oliveira. Segundo ele, a decisão foi do departamento de pessoal da PM, já que eles estavam atuando fora do que prevê convênio da corporação com o Tribunal de Justiça para cessão de policiais ao Poder Judiciário. 

"Precisávamos montar três batalhões de campanha na favela do Alemão e estávamos buscando efetivo. E chegou a notícia de que o 7º Batalhão tinha pessoal à disposição de uma vara criminal fora das condições do convênio com o Tribunal. Estávamos recuperando todo o efetivo possível”, disse o coronel Mário Sérgio Duarte, num depoimento que demorou mais de uma hora. Segundo o ex-comandante geral da PM, o tenente-coronel Claudio Oliveira só foi comunicado da retirada dos policiais da função de proteção à Vara onde o Patrícia atuava depois que esta aconteceu. 

PM não iniciou processo de expulsão de condenados

Segundo a Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), apesar de os seis PMs não poderem mais recorrer da sentença, a Polícia Militar não iniciou o processo de expulsão deles. "É uma vergonha que eles ainda estejam na corporação, sendo pagos com o nosso dinheiro", disse a irmã de Patrícia, Simone Acioli, ao chegar no fórum.

O ex-marido de Patrícia, Wilson Chagas Jr, disse que a família espera a condenação do coronel. "Queremos a condenação pela pena máxima, de 36 anos, até pela posição hierárquica dele", disse.

Antes de o julgamento começar, o promotor Leandro Navega disse que acredita que os jurados serão coerentes e vão condenar o réu. "Já tivemos outros julgamentos e provei que o coronel era o chefe da quadrilha. Temos muitas provas contra ele nos autos", disse Navega, explicando que espera a pena máxima.

O advogado do coronel, Manuel de Jesus Soares, afirmou que o réu está preso injustamente. "Ele não estava no local do crime e não mandou ninguém matá-la. As escutas que existem nos autos mostram apenas ligações normais entre ele e um subordinado", disse Soares.

A mulher do coronel Claudio Luiz Silva Oliveira, Valéria Alves de Melo Oliveira, afirmou que ele está preso injustamente por causa de uma frase que teria sido equivocadamente atribuída a ele, em que o coronel teria ordenado a morte da juíza. "O que existe é um disse-me-disse. Não existe nada no processo contra ele", disse Valéria.

Outros quatro réus serão julgados no dia 3 de abril: Charles Azevedo Tavares, Alex Ribeiro Pereira, Sammy dos Santos Quintanilha e Handerson Lentz Henriques da Silva.

Coronel comandava quadrilha de PMs, diz inquérito

O Ministério Público fez a denúncia contra os policiais militares com base em inquérito da polícia do Rio que afirma que o tenente-coronel Cláudio Luiz Oliveira comandava quadrilha de PMs que se apossava de dinheiro, drogas e bens apreendidos de ladrões e traficantes  e t`mbém cobrava vantagens de traficantes.

Segundo o MP, o coronel Claudio Luiz Silva Oliveira e o tenente Daniel dos Santos Benitez Lopes é que teriam planejado matá-la, pois ela vinha mandando investigar PMs acusados de matar pessoas e classificar a morte delas como autos de resistência. O MP afirma Claudio Luiz Silva Oliveira tentou manter os PMs juntos na mesma carceragem para dificultar a confissão.

Fonte: Terra
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