Lula passa o dia em negociações com países na COP30 em Belém, mas decisões são adiadas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou o dia em reuniões com diferentes grupos de países na Conferência do Clima de Belém, na tentativa de destravar bloqueios para a conclusão de um primeiro acordo. As negociações mostram-se mais difíceis do que o desejado: a presidência brasileira da COP30 adiou para esta quinta-feira (20) a publicação de uma nova versão do documento inicial, apresentado na terça-feira (18) às delegações.
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém
Lula esteve com representantes dos grupos que cristalizam as maiores divergências nas salas de negociações: países emergentes, União Europeia, África e países insulares. Também reuniu-se com representantes de governadores, prefeitos, da sociedade civil e do setor produtivo brasileiro. No início da noite, em uma declaração à imprensa, o petista indicou a linha da argumentação para convencer os pares a aprovarem um mapa do caminho para o afastamento dos combustíveis fósseis. A decisão pode ser a entrega mais marcante da Conferência de Belém.
"É preciso a gente mostrar para a sociedade que nós queremos, sem impor nada a ninguém, sem determinar um prazo, que cada país seja dono de determinar as coisas que ele pode fazer dentro do seu tempo, dentro das suas possibilidade, mas que nós estamos falando sério", defendeu o petista.
"É preciso que a gente diminua a emissão de gases de efeito estufa, e se os combustíveis fósseis são uma coisa que emite muitos gases, nós precisamos começar a pensar em como viver sem esses combustíveis fósseis e construir a forma de como viver. E falo isso muito à vontade, porque sou de um país que tem petróleo e que extrai 5 milhões de barris por dia", reconheceu.
O presidente ressaltou que os dirigentes mundiais devem "compreender" a necessidade de atenderem às aspirações do povo, da juventude e das mulheres" - do contrário, a democracia, o multilateralismo e a credibilidade deles próprios serão ameaçados, argumentou. "Se nós não fizermos aquilo que nós geramos expectativa nas pessoas, as pessoas não têm por que confiar nas suas lideranças", concluiu, ao lado da primeira-dama, Janja da Silva.
"A questão climática é hoje muito séria. Coloca em risco a humanidade, e é por isso que nós tratamos isso com muita seriedade. Todos os dirigentes têm que saber que cuidar do clima é cuidar da manutenção da existência do planeta Terra, porque ainda não encontramos outro lugar para nós sobrevivermos", indicou.
Sem notícias do "mutirão"
À sociedade civil, o presidente prometeu encampar esta batalha nos demais fóruns multilaterais, como as cúpulas do G7 e do G20. Já sobre o resultado da sua vinda a Belém, o presidente não deu detalhes. Tampouco o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, posicionado ao seu lado.
Corrêa do Lago previa para hoje um acordo sobre a chamada Decisão Mutirão, na qual concentram-se os tópicos mais críticos da conferência. "Conversamos sobre alguns dos temas mais complexos da negociação, que seja adaptação [às mudanças do clima], financiamento ou proposta de mapa do caminho [para o afastamento dos combustíveis fósseis]", resumiu ele. "A COP criou os documentos que já permitem que nós possamos implementar muitas das coisas que são necessárias para combater a mudança do clima", salientou.
"A vinda de Lula tem peso, mas precisamos ver os resultados nas negociações", comentou Natalie Unterstell, especialista em negociações climáticas e presidente do Instituto Talanoa. "A reafirmação do presidente de que é hora de caminhar para longe dos fósseis é importantíssima. Que ela traga o apoio necessário para sairmos de Belém com um plano concreto rumo ao abandono dos fósseis", sublinhou.
Marina espera consenso até o fim da COP
A CEO da COP30, Ana Toni, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acompanharam Lula e Corrêa do Lago nos encontros ao longo do dia, num verdadeiro mutirão diplomático do Brasil para avançar nas negociações. Marina, que idealizou a proposta do Brasil sobre a redução da dependência dos combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, afirmou ter esperanças de que ainda será possível as partes chegarem a um consenso sobre a polêmica questão.
A bandeira foi levantada por Lula já na abertura da Cúpula do Clima em Belém, no dia 6 de novembro. A produção e o consumo destas fontes de energia são responsáveis por 75% das emissões dos gases que aquecem o planeta e provocam as mudanças climáticas.
"Isso significa estabelecer uma linguagem que respeite as demandas de países em desenvolvimento, que aumente, com certeza, as responsabilidade de países que historicamente emitiram mais e têm mais recursos financeiros, mas que todos estaremos nessa equação buscando as melhores formas de caminhar", apontou a ministra. "É um diálogo profícuo, ninguém tem uma resposta pronta e acabada. Ninguém quer impor nada a ninguém, mas tenho certeza de que temos ainda muito chão pela frente para estabelecer consensos."
"O presidente Lula falou como se a COP já tivesse terminado, mas ela não terminou", frisou a diretora-executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali. "Queremos mapas do caminho que sejam efetivamente planos de ação, tanto para superar os fósseis quanto para zerar o desmatamento. Precisamos mobilizar recursos para isso, e queremos que a defesa feita por Lula para que as petroleiras, mineradoras e os supericos ajudem a pagar a conta da transição energética seja de fato incorporada", defendeu a ambientalista.
Resistências
As maiores resistências vêm das economias ancoradas na produção de petróleo, como Arábia Saudita e Rússia. As nações africanas também impõem condições: querem garantias de que o financiamento para a transição energética será providenciado pelos países desenvolvidos. A China, peso-pesado nas negociações das COPs, também não sinalizou estar disposta a aceitar.
Do outro lado, mais de 80 países, como a Colômbia, Quênia, Reino Unido e Alemanha, apoiam a proposta e querem que a COP30 dê um encaminhamento à questão. O comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra, afirmou que o bloco "gosta"e "apoia"a ideia, e entregou à presidência da conferência uma proposta europeia de mapa do caminho para o afastamento dos fósseis.
Oficialmente, os 195 países têm até a sexta-feira (21) para chegar a um acordo sobre as decisões, ao final de duas semanas de discussões.