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Ex-companheiros de luta contra ditadura se dividem sobre prisão de Dirceu

3 ago 2015 - 19h47
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Colegas de José Dirceu na luta contra a ditadura militar lamentaram a prisão do petista nesta segunda-feira, em mais uma fase da Operação Lava Jato, mas se dividiram quando o assunto é a confiança na inocência do ex-ministro.

José Dirceu (o segundo em pé, da esquerda para a direita), junto com prisioneiros políticos libertados em troca do embaixador norte-americano em 1969. Vladimir Palmeira está no meio, sentado; sequestro de embaixador teve participação de Venceslau.
José Dirceu (o segundo em pé, da esquerda para a direita), junto com prisioneiros políticos libertados em troca do embaixador norte-americano em 1969. Vladimir Palmeira está no meio, sentado; sequestro de embaixador teve participação de Venceslau.
Foto: Reproducao

Dirceu foi detido preventivamente sob suspeita de usar sua firma de consultoria como meio de obter propinas de empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção na Petrobras.

Em 1969, Dirceu estava entre os 15 presos políticos libertados pelo regime militar em troca da liberação do então embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, que havia sido sequestrado por militantes de esquerda.

Um dos participantes do sequestro, o economista Paulo de Tarso Venceslau disse acreditar que o ex-ministro tenha seguido o caminho da corrupção por ambição por poder e enriquecimento.

"Para mim, é um momento de profunda tristeza. Fui seu companheiro, temos uma história juntos. Depois rompemos. Ele pegou os caminhos e deu no que deu", disse Venceslau.

"O poder corrompe. Aquilo tinha uma conotação ideológica, chegar ao poder por meio dos operários, dos movimentos sociais... Com a proximidade do poder em si, as pessoas mudam. Dirceu não resistiu (...) sempre foi ambicioso", disse.

Já Vladimir Palmeira, ex-líder estudantil que foi libertado junto com Dirceu após o sequestro do embaixador americano, afirmou acreditar que o ex-companheiro de resistência agiu legalmente como consultor, e que sua prisão é um "espetáculo".

"Recebo a notícia (da prisão) com tristeza porque ele é meu amigo. Em segundo lugar, acho estranho, pois ele já está preso. Prenderam um preso. Sou a favor das investigações da Lava Jato, acho que (o juiz federal Sérgio) Moro está fazendo um trabalho importante, mas me parece que há um certo exagero nas prisões", criticou Palmeira.

"A prisão preventiva é para (o acusado) não atrapalhar as investigações, mas Dirceu já está preso. Uma coisa é levá-lo para depor em Curitiba, ele é acusado, pode responder. Mas não vejo sentido em decretar nova prisão", acrescentou.

O ex-ministro da Casa Civil do governo Lula foi preso após ser condenado em 2012 no julgamento do mensalão. Atualmente cumpre pena em regime domiciliar.

Assim como Dirceu, Palmeira foi líder estudantil durante a ditadura e participou da fundação do PT nos anos 1980. Deixou o partido em 2011 quando a legenda aceitou a refiliação do ex-tesoureiro Delúbio Soares, também considerado culpado no processo do mensalão.

Apesar de reconhecer a existência do esquema de corrupção, Palmeira disse considerar que não há provas do envolvimento do Dirceu no mensalão - e reafirmou a confiança na inocência do ex-ministro em relação às suspeitas da Lava Jato.

"Conversei semana passada com ele e me pareceu tranquilo. Dirceu sempre foi tranquilo nos momentos de adversidade", observou.

Em entrevista coletiva nesta segunda, Roberto Podval, advogado de Dirceu, afirmou que a prisão do ex-ministro "não tem justificativa jurídica". Podval disse ainda que a ação foi desnecessária e anunciou que irá recorrer da decisão.

"Acreditar em consultoria é crença em Papai Noel"

Já Venceslau, que também já foi amigo próximo de Dirceu, hoje tem uma visão bem diferente do ex-companheiro.

Após a volta de Dirceu ao Brasil, feita de forma clandestina em 1974, ele chegou a abrigá-lo em sua casa.

Durante o convívio com o companheiro no início dos anos 1980, Venceslau conta que Dirceu costumava relatar o desejo de montar um negócio de consultoria como advogado que lhe rendesse algo como US$ 10 mil por mês, para alcançar autonomia financeira.

Um relatório da Receita Federal produzido por determinação do juiz Sérgio Moro, que julga as denúncias da Lava Jato em primeira instância, revelou que a empresa de Dirceu, a JD Consultoria, recebeu R$ 29,3 milhões entre 2006 e 2013.

Ao menos quatro empreiteiras sob investigação no esquema de corrupção da Petrobras fizeram pagamentos à empresa do petista - a OAS (R$ 2,99 milhões), a UTC (R$ 2,32 milhão), a Engevix (R$ 1,11 milhão) e a Camargo Corrêa (R$ 900 mil).

"Quem acredita em Papai Noel acredita que ele fez uma consultoria", ironizou Venceslau.

A defesa do ex-ministro afirma que os serviços de consultoria foram prestados corretamente e que os pagamentos são legais.

"Embrião da corrupção"

O rompimento entre Venceslau e Dirceu ocorreu nos anos 1990, quando o PT foi alvo de denúncias de corrupção em prefeituras no Estado de São Paulo.

Venceslau, que expôs irregularidades que teria detectado quando era secretário de Finanças de São José dos Campos, em 1993, acabou expulso do partido.

Já Palmeira, embora mantenha-se fiel a Dirceu, também afirma que o PT tornou-se corrupto. Após deixar o PT, ele se filiou ao PSB, em 2013.

"Como partido de esquerda o partido (PT) faliu, e terá dificuldade em se manter como um partido qualquer de centro porque está muito envolvido em corrupção. Agora, é um problema geral do sistema político brasileiro. O PT virou um partido igual aos outros".

PT nega suspeitas

Em nota divulgada nesta segunda, o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que o partido "refuta as acusações de que teria realizado operações financeiras ilegais ou participado de qualquer esquema de corrupção".

O comunicado diz ainda que "todas as doações feitas ao PT ocorreram estritamente dentro da legalidade, por intermédio de transferências bancárias, e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral".

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