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Polícia apura se médico foi morto por engano

Referência no atendimento a pobres, Kikawa foi assassinado na zona sul de SP

12 nov 2018 - 16h20
(atualizado em 13/11/2018 às 09h29)
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SÃO PAULO - A Polícia Civil investiga se o médico Roberto Kikawa, assassinado na noite do último sábado, 10, no Ipiranga, zona sul paulistana, foi confundido com um policial pelos criminosos. A vítima estava no próprio carro, em frente a um prédio, quando foi abordada pelos bandidos, que atiraram. Kikawa era conhecido por projetos que levavam atendimento médico à população mais pobre.

Roberto Kikawa foi fundador do projeto Carretas da Saúde, que presta atendimento médico a moradores de periferias.
Roberto Kikawa foi fundador do projeto Carretas da Saúde, que presta atendimento médico a moradores de periferias.
Foto: Renato Stockler/Divulgação/CIES / Estadão

Kikawa havia saído para jantar em uma pizzaria de Moema, zona sul, com a secretária e a filha dela. Ao deixá-las em casa, parou na frente do condomínio na Rua do Manifesto, via arborizada e com pouca iluminação. Passava das 23 horas. Ninguém viu o momento em que a dupla armada surgiu. Tudo teria acontecido em poucos minutos. "Você é 'parça'? É polícia?", perguntou um dos bandidos. Nervoso, o outro disse: "Atira nele! Atira nele!", relatam testemunhas.

A vítima não teve tempo de desafivelar o cinto: o primeiro disparo atingiu a cintura. Na fuga, os bandidos atiraram outra vez e o atingiram na axila. Ele morreu antes de chegar o resgate. A dupla fugiu sem levar nada.

O crime ocorreu na Rua do Manifesto, no Ipiranga, zona sul de São Paulo
O crime ocorreu na Rua do Manifesto, no Ipiranga, zona sul de São Paulo
Foto: Reprodução Google Street View / Estadão

Uma das hipóteses é de que o médico tenha sido confundido e morto por retaliação. Há cerca de duas semanas, um investigador do Departamento de Investigações Criminais (Deic) interveio em um assalto na região e trocou tiros com dois bandidos.

Na ocasião, o policial de folga estava em seu carro particular, uma SUV branca. O veículo do médico era um Jeep Compass, também de médio porte e da mesma cor - motivo pelo qual se suspeita que os casos possam ter relação. A polícia, porém, também avalia a possibilidade de ser um latrocínio comum.

Aos investigadores, a secretária de Kikawa declarou que trabalhava para o médico havia mais de 20 anos e que ele não tinha inimigos nem havia sofrido ameaças.

Carreira. Gastroenterologista, Kikawa, de 48 anos, ficou conhecido por criar instalações móveis de atendimento gratuito à população pobre, conhecidas como Carretas da Saúde. O trabalho foi desenvolvido por meio da ONG CIES Global, que começou com apoio privado e depois teve parcerias com o poder público.

Quando jovem, chegou a estudar Teologia e pretendia ser um missionário na África. Os planos foram deixados de lado, contudo, ao fazer atendimento voluntário na zona leste paulistana. "Ali descobri uma África em São Paulo e que a gente não estava vendo", declarou anos atrás, em um vídeo da CIES.

Em 10 anos, a ONG atendeu mais de 2 milhões de pessoas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo e no interior. O médico costumava ressaltar que o projeto era "replicável" e de fácil adaptação, pois somente precisava de uma área plana e com acesso a um ponto de água, outro de eletricidade e mais um de esgoto.

O projeto também ganhou espaço no exterior, como nos Estados Unidos, onde Kikawa vivia atualmente, com a mulher, a oftalmologista Mirna e os dois filhos: Daniel, de 15 anos, e Ana, 13 anos. O médico costumava dizer que se dedicou ao atendimento humanizado por causa do pai, que fez pedido nesse sentido antes de morrer de câncer.

"Ele (Roberto Kikawa) queria que se resolvesse tudo - ou pelo menos 90% - ali, na hora. Não dar papel para o paciente marcar exame lá na China", contou o coordenador de Oftalmologia da CIES, Edmilson Mariano. "Para ele, a pessoa não podia só pensar em dinheiro. Era um revolucionário." O médico foi enterrado ontem à tarde no Cemitério da Consolação, na região central. Mais de 200 pessoas, entre médicos, funcionários, amigos e parentes, prestaram homenagens no cemitério.

Estadão
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