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Papa Francisco rejeita ordenação de homens casados como padres na Amazônia

Medida foi discutida entre bispos, durante o Sínodo da Amazônia, no ano passado, como forma de aumentar a presença católica na região; pontífice também diz que 'internacionalização' da Amazônia não é solução para cuidar do bioma

12 fev 2020 - 09h01
(atualizado às 20h58)
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No documento Querida Amazônia, divulgado nesta quarta-feira, 12, o papa Francisco rejeitou qualquer possibilidade de que homens casados venham a ser ordenados padres, mesmo que provisoriamente, para atuar em áreas com falta de sacerdotes. A proposta foi o centro da discussão entre bispos durante o Sínodo da Amazônia, em outubro.

Francisco já havia tornado pública sua opinião, quando destacou a "coragem" do papa Paulo VI ao defender o sistema atual em meio às mudanças dos anos 1960 e 1970 e quando disse ser contrário ao "celibato opcional". Mas é a primeira vez que esse posicionamento vai para um documento oficial.

Ao falar do papel dos sacerdotes na exortação apostólica, o pontífice destaca que só o padre está "habilitado para presidir à Eucaristia". "Esta é a sua função específica, principal e não delegável." O pontífice admitiu a carência e caracterizou como "desigual" a presença de sacerdotes na área, uma das principais queixas das três semanas de debates no Vaticano.

Um bispo austríaco em missão na Amazônia, d. Erwin Kräutler, disse que já havia apresentado o problema ao papa, destacando que comunidades ficam semanas e mesmo meses sem padres. E Francisco havia respondido que qualquer proposta para melhorar deveria vir de baixo, dos bispos locais.

Agora, Francisco devolveu o problema a líderes locais. "Esta premente necessidade (de padres) leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia."

A polêmica sobre a ordenação de casados (viri probati) começou já com a divulgação do instrumento de trabalho do sínodo, em 17 de junho, que pela primeira vez levantou a possibilidade de ampliar os espaços para homens casados e mulheres. O texto chegou a ser apontado como contrário à fé pelos cardeais Walter Brandmüller e Raymond Burke e a ala mais conservadora tratou os autores - e o próprio papa - como hereges.

Na sequência, houve a aprovação da proposta de ordenar homens casados, idôneos e com ligação comprovada com a comunidade. A votação do sínodo de outubro teve 128 votos favoráveis e 41 contrários.

Foi quando aumentou a pressão eclesial contrária, que teve seu auge no mês passado, com um livro assinado conjuntamente pelo papa emérito Bento XVI e pelo cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto e a Disciplina Divina dos Sacramentos. A defesa aberta do celibato clerical por Bento, a poucos dias de Francisco se pronunciar a respeito, causou mal-estar. Na sequência, o papa emérito - que chegou a abrir uma brecha para o debate ao aceitar que padres anglicanos casados viessem para a Igreja Católica - pediu oficialmente para Sarah tirar seu nome da capa do livro.

Na realidade, desde o Concílio Vaticano 2.º, todos os papas em algum momento foram colocados frente ao debate sobre o celibato clerical - e decidiram não modificá-lo. Francisco seguiu a linha de João Paulo II, que o tornou bispo com o qual está em "total sintonia" sobre o sacerdócio, conforme livro publicado anteontem na Itália, em que fala sobre seu antecessor. O pontífice polonês dizia que o celibato sacerdotal poderia até ser revisto - mas não agora.

Em outro ponto polêmico, Francisco ainda desconsiderou a sugestão de criar um ministério específico de mulheres. "Clericalizar as mulheres diminuiria o grande valor do que elas têm feito na região", escreveu. Ele também não avançou sobre a possibilidade de criar um "rito amazônico".

Internacionalização

Nos quatro capítulos do texto, Francisco ainda trabalha temas sociais, culturais e ecológicos. E fala sobre a "internacionalização" da Amazônia. Diz que a medida - que causa temores na gestão Jair Bolsonaro - não é a solução. O pontífice cobra, porém, que os governos não se vendam a "espúrios interesses" locais ou internacionais. Logo em seguida, defende e considera "louvável" a presença e o trabalho desenvolvido por organizações não governamentais (ONGs).

Sem fazer menção específica a nenhum país ou governante, o pontífice ainda se opõe ao avanço da exploração econômica em terras indígenas e reservas florestais. "São injustiça e crime", afirma.

Dirijo esta Exortação ao mundo inteiro, para ajudar a despertar a estima e solicitude pela Amazônia, que também é «nossa». #QueridaAmazonia https://t.co/tnYbqK0rPU

Como funciona um Sínodo?

Durante os Sínodos, "o papa ouve mais do que fala", explicou o bispo d. Odilo P. Scherer, em artigo escrito para o Estado. O evento, na verdade, serve para que o Vaticano possa ouvir a opinião dos fiéis sobre assuntos específicos, por meio de questionários conduzidos pelos 250 bispos participantes, e tomar decisões a partir desses consensos.

Em 2014 e 2015, o Sínodo teve como tema "Os desafios pastorais no contexto da evangelização", e abordou temas como divórcio, contracepção e a união entre casais homoafetivos na Igreja. Em 2018, os cardeais discutiram "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional" e no ano passado, em outubro, "Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral". Participaram do encontro no ano passado bispos e líderes religiosos, além de indígenas e convidados especiais, dos nove países amazônicos - Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa -, além de outros da Cúria Romana. O papa ressalta, porém, que a exortação apostólica se dirige ao mundo todo.

O objetivo de um Sínodo é discutir como a Igreja Católica pode intervir em determinados conflitos, assim como adequar suas diretrizes em lugares onde haja dificuldade de converter novos fiéis e disseminar os ideais católicos.

A palavra "sínodo" vem de duas palavras gregas: "syn", que significa "juntos", e "hodos', que significa "estrada ou caminho'. O sínodo tem caráter consultivo. Após o Sínodo, o papa emite um documento chamado "exortação apostólica", no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões. O Sínodo da Amazônia foi o quarto do pontificado de Francisco. /COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Estadão
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