O outro lado do olímpico Engenhão: lixo e porcos ocupam ruas
A menos de três quilômetros do Engenhão, o estádio que vai receber em agosto Usain Bolt, entre outras celebridades do esporte mundial, o acúmulo de lixo em vias públicas denuncia a ausência de serviços básicos para os moradores do bairro de Engenho de Dentro. Somam-se ao mau cheiro a proliferação de mosquitos e ratos e a certeza de que os benefícios dos Jogos Olímpicos só contemplam pequena parte do Rio de Janeiro. Essa realidade está distante dos discursos das autoridades que tentam usar o megaevento para projetar uma imagem maquiada da sede olímpica.
A partir de hoje, o Terra vai publicar uma série de reportagens sobre o abandono do bairro olímpico, o Engenho de Dentro, na zona norte da capital carioca. Ali vivem cerca de 45 mil vizinhos do Engenhão, o coração dos Jogos, onde vão ser disputadas 95% das provas de atletismo em agosto. Lixo, falta de água, esgoto a céu aberto e segurança precária são alguns dos tópicos que vão ser abordados.
Porcos, lixo, sucata e crianças dividem mesmo espaço
O descaso no local produz cenas que chocam, impressionam. Na Rua Mário de Sousa Martins, no Morro Camarista Méier, o único do Engenho de Dentro, um grupo de porcos costuma chafurdar diariamente num amontoado de restos de comida, plásticos, garrafas, papeis, pedaços de ferro e de móveis, etc, bem ao lado das casas. A imagem evidencia que não existe ali uma coleta regular de lixo. Moradores, envergonhados, fogem das câmeras a fim de evitar humilhações.
Quando a reportagem do Terra chegou ao local, várias crianças brincavam a dois, três metros de distância dos porcos. Mas elas se afastaram rapidamente ao ver que poderiam sair nas fotografias ao lado do lixo e dos animais. “Isso é muito triste. É indigno para o ser humano viver assim”, lamentou o repórter comunitário André Luís Bezerra, nascido e criado no Engenho de Dentro.
Ele esperava que os Jogos Olímpicos mudassem a vida no bairro. Está decepcionado. “O que a gente viu nesse tempo todo, desde o anúncio do Rio como sede olímpica, em 2009, foi a omissão do poder público. Quem acreditou em alguma coisa boa, se iludiu. O Engenho de Dentro só recebeu algumas obras de fachada no entorno do Engenhão. Nada mais.”
Cadê a coleta de lixo?
Em outras ruas do bairro, como na Engenheiro Oscar da Costa e na Álvaro Alencastro, o cenário é muito parecido. O lixo avança da calçada para as vias, atrapalha a passagem de carros e pedestres e expõe todos dali a riscos de doenças.
A Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), em contato com o Terra, informou que a coleta nas ruas próximas ao Engenhão passou a ser realizada todos os dias, pela manhã – até recentemente era feita às terças, quintas e sábados. A medida, segundo a empresa, foi tomada “porque os moradores não estavam respeitando o horário da coleta, colocando lixo para fora de casa em qualquer momento do dia”.
Para minimizar o problema, os garis receberam orientação para conversar com os moradores, entregando-lhes folhetos, com o objetivo de impedir o acúmulo de lixo.
Sobre o serviço no Camarista Méier, a Comlurb sustentou que mantém contêineres no local e o lixo fica acondicionado em baias, com coleta três vezes por semana – o que é negado por vários moradores.
“Eles não vão na parte de cima do morro”, afirmou André Luís Bezerra. “Aquela situação degradante na Rua Mário de Sousa Martins é crônica. Todo mundo ali sabe disso.”
A Comlurb também atribuiu aos moradores a reponsabilidade por algumas situações que fugiriam ao seu controle naquela comunidade. “Como o lixo também é colocado fora do dia e horário ao da passagem do caminhão, ele acumula e costuma ser espalhado por animais.”