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Entidades científicas criticam propostas de SUS pago e de mensalidade em universidades públicas

Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento afirma que o projeto militar é 'contrário aos valores éticos e políticos que norteiam a Constituição cidadã de 1988'

26 mai 2022 - 21h38
(atualizado às 21h52)
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A Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br) - composta por entidades como Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - publicou nesta quarta-feira, 26, comunicado contrário à "proposta demagógica de cobrar mensalidades no ensino superior público".

A nota da ICTP.Br foi publicada em posicionamento crítico após matéria do Estadão revelar o projeto de militares, ligados aos Institutos Villas Bôas, Sagres e Federalista, sugerindo a cobrar mensalidades em universidades federais, além de propor a 'neutralização' de ideologias de ensino. A criação de mensalidades em instituições públicas de ensino superior também é tema da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206, que entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Na carta, a ICTP.Br chama essas ideias militares de "projeto de Brasil contrário aos valores éticos e políticos que norteiam a Constituição cidadã de 1988". E diz que isso "criaria uma grande burocracia para identificar os alunos que podem pagar e os que não podem, sendo que a justiça social pode ser muito mais bem promovida pela progressividade das alíquotas no imposto de renda (federal), no imposto sobre veículos automotores (estadual) e no imposto predial e territorial urbano (municipal)".

A reportagem do Estadão também mostra que esse projeto dos militares prevê manter o poder até 2035 e defende o fim da gratuidade do Sistema Único de Saúde (SUS). O documento dos militares aborda 37 temas estratégicos. Trata de geopolítica, governança nacional, desenvolvimento, ciência, tecnologia, educação, saúde, defesa nacional e segurança.

A ICTP.Br também discorda das propostas para a saúde. "Tampouco estamos de acordo com a proposta de cobrar da classe média pelo uso dos serviços do SUS, que seria decorrência de tornar o acesso a ele pago para quem tenha renda superior a três salários mínimos."

O grupo de entidades científicas afirma que a "solução para as desigualdades sociais não reside na conversão de bens eminentemente públicos, como educação e saúde, em mercadorias, mas na universalização dos mesmos, com seu financiamento sendo baseado numa tributação justa e progressiva", diz a nota.

Ao final, a ICTP.Br direciona uma mensagem aos militares. "Finalmente, lembramos que, embora militares aposentados, como todo cidadão, tenham o direito a ter suas opiniões políticas, um princípio básico da democracia é que as pessoas que ela arma, como seus servidores policiais ou militares, têm que preservar um espírito de elevada autocontenção, não se valendo da força física para intimidar os cidadãos, a quem devem servir."

Converter educação em mercadoria não é saída, diz presidente da SBPC

Em artigo publicado no Jornal da Ciência, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, enumera problemas relacionados à proposta de cobrar mensalidade no ensino superior público. "O primeiro é que os defensores dessa cobrança muitas vezes não sabem que mudou completamente o perfil do aluno da universidade pública, em especial graças à política de cotas. Não é mais verdade que o universitário típico, nas instituições federais, seja alguém que estudou em colégios particulares caros. Cada vez temos mais alunos que vêm das escolas públicas e cada vez mais descendentes de africanos ou de indígenas", destaca o filósofo.

O segundo ponto, de acordo com ele, "é que o melhor financiamento para o ensino superior (e para a pesquisa, nas boas instituições de ensino) é o que vem do imposto progressivo, não o da conversão da educação em mercadoria". Outro obstáculo, acrescenta Ribeiro ao Estadão, é a burocracia em implementar esse modelo.

"Há um problema prático, que não vi ser levantado, que geraria uma burocracia tremenda. Você vai verificar a renda da pessoa ou da família dela? Você tem jovens de 18 anos, que podem ser até filhos de famílias bem de vida, mas que não querem dinheiro do pai, que se sustentam. E você tem gente de 40 anos morando na casa dos pais, roupa lavada, comida, talvez mesada", diz ele, ex-ministro da Educação.

Estadão
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