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Como era o 'bunker' do PCC no centro e o que está por trás do esvaziamento da Cracolândia

MP aponta que Favela do Moinho era usada para armazenar e distribuir drogas; prisão de líder e remoção de famílias enfraqueceram ação do tráfico

30 jul 2025 - 09h42
(atualizado às 11h01)
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O sumiço dos usuários de drogas da Rua dos Protestantes, antes o principal ponto da Cracolândia, surpreendeu comerciantes e frequentadores do centro de São Paulo, em maio. Autoridades deram explicações distintas, mas um motivo para o esvaziamento ficou longe dos holofotes: a descoberta de uma rede do crime organizado na região, que tinha como "bunker" a Favela do Moinho.

A comunidade da região central era o ponto prioritário para armazenar e distribuir drogas para a Cracolândia e outras áreas da cidade, conforme o Ministério Público Estadual.

De um lado, esse ecossistema abastecia dependentes químicos do centro e, na outra ponta, ajudava a financiar o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Na favela, também eram captados sinais de rádios transmissores dos batalhões para se antecipar a operações policiais e ocorriam "tribunais do crime", usados para manter a disciplina dos membros da facção.

Saiba quem é o 'patrão do PCC' no centro de São Paulo

  • O tráfico no centro, porém, continua. "Reduzimos em 60% a 70%. Não conseguimos desarticular por completo", afirma Gakyia. "Só com a desocupação da favela e realocação dos moradores, haverá saída definitiva dos traficantes, que certamente migrarão para outro local, pois a demanda permanece alta", diz.

    Hotéis disfarçados e venda de peças: ecossistema do crime

    O MP descreve um "ecossistema de atividades economicamente ilícitas" no centro, o que inclui comércio ilegal de peças de veículos, motocicletas e celulares de origem ilícita ou não comprovada; casas de prostituição em hotéis, ferros-velhos sem controle, além de corrupção passiva e ativa de agentes públicos com a "venda" de proteção a comerciantes.

    No esquema, o dependente químico faz pequenos furtos, principalmente de celulares, e há indícios de uma rede de receptadores na região. Hotéis são usados para esconder telefones roubados, conforme análises da geolocalização dos aparelhos.

    Cerca de 80 hotéis e hospedagens da região, suspeitos de elo com o tráfico, foram alvo da operação - 28 foram fechados. Outras 26 contas ligadas a empresas e pessoas físicas suspeitas de lavagem de dinheiro foram bloqueadas. Houve 53 prisões.

    Acusado de ser responsável pelo abastecimento de drogas, Léo do Moinho foi detido em 2024 em Praia Grande (SP). Ele teve sua movimentação financeira atípica examinada em um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) e foi apontado como o real proprietário de hotéis e comércios usados pelo crime.

    Leo do Moinho é acusado de ser o patrão do PCC no centro da cidade e foi preso na Praia Grande.
    Leo do Moinho é acusado de ser o patrão do PCC no centro da cidade e foi preso na Praia Grande.
    Foto: Reprodução / Estadão / Estadão

    A defesa nega. "A referida inocência já restou comprovada nas idênticas acusações, nos anos de 2018 e 2021, em que fora inocentado em decisões definitivas", afirma o advogado Rodrigo Benetti.

    Uma das empresas que Léo utilizava para encobrir crimes financeiros seria a L.M. Moja Hotel, que se transformou na Hospedaria Barão de Piracicaba.

    A defesa afirma que de 2015 a 2019 Léo arrendou uma hospedaria que resultou em demandas cíveis ainda em curso, "dado o insucesso do empreendimento". Depois, segundo os advogados, não atuou mais na área.

    Muitos proprietários dos hotéis já foram porteiros desses locais, o que reforça a linha investigativa sobre uso de "laranjas" pelo crime organizado. Um dos suspeitos, identificado como Wellington Pereira, registrado como camareiro, movimentou cerca de R$ 923 mil em sua conta bancária de junho a dezembro de 2023. O Estadão não localizou sua defesa.

    As investigações apontam participação de recicladores e ferros-velhos. Nesse locais, há receptadores para objetos metálicos e fios de cobre roubados. "Quando um usuário roubava objetos de metal e vendia para um ferro-velho recebia pagamento em pedras de crack", diz o promotor.

    Sócios de uma empresa na Alameda Dino Bueno movimentaram créditos de R$ 843 mil e débitos de R$ 741 mil entre outubro de 2020 e abril de 2021, por exemplo. É uma movimentação incompatível com a renda declarada dos proprietários.

    No Moinho, eram captados sinais da polícia

    Na favela, também era centralizado o monitoramento das atividades policiais. Antenas em três pontos da favela captavam sinais de rádios transmissores dos órgãos de segurança, especialmente da PM.

    A descoberta do sistema, com apoio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), fez com que os bandidos perdessem a vantagem de se antecipar a operações, principalmente na Cracolândia.

    Já o tribunal do crime envolvia o julgamento de atos que contrariam regras impostas pelo PCC no centro: suspeita de abuso sexual, invasão de biqueiras, brigas perto de pontos de tráfico, traição, dívida por drogas e roubos em locais controlados pelo PCC eram julgados no Moinho. A última palavra nos tribunais era dada por Léo do Moinho, segundo o MP.

    Desocupação no Moinho teve protestos

    Na região da favela, o Estado pretende erguer um parque e a Estação Bom Retiro de trem após a saída de todas as famílias - ainda não há prazo para a desocupação total. Até o momento, 453 famílias de um todo quase 900 já se mudaram.

    A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação justifica o reassentamento pelo alto risco para incêndios - já foram duas tragédias no local, em 2011 e 2015 - além da falta de estrutura e a proximidade com o trem.

    O fim da favela também ajuda a tirar do papel uma das principais promessas do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos): levar a sede administrativa do Estado para Campos Elíseos.

    Em abril, a CDHU iniciou a remoção voluntária das famílias, o que desencadeou protestos. Manifestantes montaram barricadas e atearam fogo nos trilhos do trem.

    Houve confrontos entre moradores e PM, com denúncias de violência pelos dois lados. Os moradores têm afirmado que só querem sair com dignidade.

    Protesto contra a remoção das famílias da Favela do Moinho, em maio
    Protesto contra a remoção das famílias da Favela do Moinho, em maio
    Foto: Taba Benedicto/Estadão / Estadão

    Como pano de fundo, ainda há uma disputa política entre Tarcísio e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - a posse do terreno da favela é da União.

    Após longa negociação, o governo federal assinou portaria em junho para cessão da área por até 20 anos, prorrogável, e fixou prazo máximo de quatro anos para criar o parque, com cláusula de reversão.

    União e governo de São Paulo também firmaram acordo que prevê custeio integral de moradias de até R$ 250 mil para cada família.

    Na visita de Lula à favela em junho, para formalizar o acordo, Tarcísio não foi.

    O governo federal é contrário às demolições. O Estado, por sua vez, vê esse plano como chave na revitalização do local. Até 20 de julho, 280 unidades foram descaracterizadas, 103 emparedadas e outras 14 demolidas.

    Massera, da PM, vê risco de novos confrontos por causa da pressão de traficantes que seguem no local, cooptando moradores. "Houve enfraquecimento importante do tráfico, mas está no radar que eles (traficantes) possam resistir para não perderem o entreposto."

    Estadão
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