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Carreira política de Joaquim Barbosa é incerta, dizem analistas

29 mai 2014 - 19h47
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Ao anunciar que deixará o Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo mês, o atual presidente da corte, Joaquim Barbosa, voltou a alimentar especulações de que poderá se lançar na política.

Mesmo que opte por este caminho, Barbosa não poderá concorrer nas eleições de outubro, já que o prazo para que juízes deixassem seus postos para se candidatar no próximo pleito se encerrou em abril.

Ainda assim, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, o ministro deixará o Supremo com cacife para tentar cargos eletivos.

Para João Paulo Peixoto, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Barbosa conquistou grande popularidade "não só por sua atuação como juiz, mas pelo incorformismo que revela com o status quo atual das instituições brasileiras".

"Ele personifica esses protestos que estão na rua, é uma espécie de voz para tudo o que está errado", diz Peixoto.

Segundo o professor, caso pudesse disputar as eleições presidenciais em outubro, Barbosa teria boas chances de se eleger.

Seu eventual ingresso na política, porém, enfrentaria um importante obstáculo, segundo Peixoto: "Mesmo que isso não seja verdadeiro, poderia parecer que houve uma utilização política do julgamento do mensalão para projetá-lo".

A atuação de Barbosa no processo do mensalão - ou Ação Penal 470, um dos julgamentos mais emblemáticos na história do STF - dividiu opiniões.

Membros do PT e advogados dos réus disseram que ele conduziu o julgamento de modo autoritário e intransigente. Sua atuação no processo, porém, rendeu-lhe muitos elogios entre parte da opinião pública.

Falta de aptidão

Antonio Carlos Mazzeo, livre docente em Teoria Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que, apesar de sua popularidade, Barbosa não parece ter aptidão para a política.

"Em geral, uma das primeiras coisas que políticos precisam aprender é a navegar em águas revoltas, superar dificuldades negociando, flexibilizando posições", afirma Mazzeo.

No entanto, segundo o professor, Barbosa é bastante formal e parece pouco afeito a mediações políticas.

"Acho que ele tem dificuldade de trabalhar com divergências - isso é nítido, ele tem um viés autoritário e caudilhesco que transparece em suas posturas."

Para o cientista político e especialista em marketing eleitoral Antonio Lavareda, embora Barbosa tenha se tornado "uma das figuras políticas mais conhecidas e respeitadas do país com o processo do mensalão", ele não deve tentar uma carreira política tradicional.

"Poderia eventualmente ser candidato em outro contexto, como uma figura emblemática para a Vice-Presidência ou chamado para integrar um minisério, mas não vejo nele vocação para uma carreira política parlamentar ou no Executivo".

Já para Peixoto, da UnB, a "personalidade forte" de Barbosa não impediria seu sucesso na política.

"A própria presidente [Dilma Rousseff] não tem nenhum pendor político, no entanto, convive com a atividade, porque tem interlocutores para fazer isso. O Joaquim Barbosa poderia participar do sistema político sem necessariamente fazer a política miúda, porque teria para isso aliados e assessores".

Peixoto diz ainda que o ministro poderia mudar para se ajustar à política. "As pessoas mudam quando estão ocupando cargos. Ele teria a possibilidade de se adaptar porque demonstra idealismo e vontade de transformação muito grande."

'Momento mais fecundo'

Barbosa confirmou nesta quinta-feira que deixará o STF no fim de junho para se aposentar.

"Tive a felicidade, a satisfação e alegria de compor esta corte no seu momento mais fecundo, de maior importância no cenário político-institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte desse colegiado e ter convivido com diversas composições e, evidentente, com a atual composição", ele disse aos demais ministros, na abertura de sessão da corte.

O ministro Marco Aurélio Mello, magistrado com mais tempo de casa presente na sessão, lamentou a saída de Barbosa. Disse, porém, compreender a decisão, "tomada pelo estado de saúde", segundo Mello.

Barbosa, de 59 anos, sofre de sacroileíte, uma inflamação nas articulações da região lombar que provoca forte dores e lhe impede de permanecer sentado por horas seguidas.

Pelas regras do STF, ele poderia permanecer no posto por mais 11 anos, até completar 70 anos.

Horas antes de seu anúncio no Supremo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) havia dito a jornalistas que Barbosa se aposentaria no próximo mês, após receber uma visita do ministro.

Barbosa também se reuniu pela manhã com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), e com a presidente Dilma Rousseff.

Nomeado para o STF em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barbosa foi o primeiro ministro negro do STF e assumiu o comando da corte em novembro de 2012, em votação simbólica.

A tradição do Supremo recomenda que sua Presidência seja exercida pelo ministro que está há mais tempo na casa e que ainda não a tenha ocupado. Os mandatos duram dois anos.

Nascido em Paracatu (MG), Barbosa se formou em direito na Universidade de Brasília e fez mestrado e doutorado na Universidade de Paris-2.

É professor licenciado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de dois livros sobre Direito - um sobre o funcionamento do Supremo, editado na França, e outro sobre o efeito de ações afirmativas nos Estados Unidos.

Antes de ingressar na corte, o ministro ocupou diversos cargos na administração federal, entre os quais procurador da República, chefe da consultoria jurídica do Ministério da Saúde e oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, chegando, inclusive, a servir na embaixada do Brasil na Finlândia.

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