Amor faz parte 'da construção da identidade nacional' do Brasil, diz jornalista francês
O Le Monde publicou nesta terça-feira (30) a última crônica de Bruno Meyerfeld como correspondente do jornal no Brasil, na qual o jornalista analisa o lugar central do amor na sociedade brasileira a partir das tradições do réveillon. Para o correspondente, as superstições e os rituais de Ano-Novo revelam que o desejo de amor ocupa uma posição tão importante quanto as aspirações por dinheiro ou saúde.
Segundo o autor, no Brasil, o amor extrapola a esfera privada e se afirma como um valor cultural estruturante da sociedade e até da política, fazendo parte da construção da identidade nacional.
O texto relembra que o amor quase integrou o lema da República, que deveria ser: "Amor como princípio, ordem como base, progresso como objetivo", mas foi excluído da fórmula por ser considerado um conceito frívolo, restando apenas o lema positivista "Ordem e Progresso".
Essa ausência simbólica se contrapõe à presença recorrente do amor no discurso político contemporâneo brasileiro, especialmente sob o governo Lula, que mobiliza o sentimento como ferramenta de pacificação e de oposição à retórica do ódio, transformando-o em elemento de comunicação política.
A crônica também aborda as práticas sociais ligadas às relações afetivas no Brasil, desde pedidos formais de namoro até rituais tradicionais em comunidades indígenas. Meyerfeld destaca a complexidade do vocabulário popular para definir relações amorosas informais com termos como olhante, conversante, ficante, entre outros, revelando a fluidez dos vínculos e a importância atribuída às dinâmicas afetivas no cotidiano brasileiro.
Contexto conservador e de desigualdades
Em um contexto social marcado por conservadorismo e desigualdades, o autor afirma que amar pode exigir estratégias específicas, sobretudo para populações negras e LGBTQIA+. O uso do pajubá, linguagem criada como forma de proteção e afirmação identitária, ilustra como amor e resistência cultural se entrelaçam.
Paralelamente, o texto descreve práticas religiosas e místicas católicas, afro-brasileiras e populares, mobilizadas na busca por relações amorosas.
Por fim, Meyerfeld recorre à literatura, à música e às lendas populares para mostrar como o amor atravessa a produção simbólica brasileira, frequentemente associado a narrativas de paixão intensa e tragédia. Ao encerrar sua correspondência para o Le Monde no país, o autor associa essa temática à própria experiência de despedida, sugerindo que escrever sobre o Brasil é também uma forma de amar o país e de elaborar a saudade deixada por ele.