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'Brasil não tem política nacional de segurança pública', diz Raul Jungmann

Em debate sobre violência durante o Fórum Estadão, ministro afirma que Brasil precisa de política nacional sobre o tema, diz que sistema penitenciário é um 'pesadelo' e afirma que crime organizado faz Rio viver 'metástase'

25 jul 2018 - 13h08
(atualizado às 19h14)
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O ministro da Segurança Pública Raul Jungmann afirmou nesta quarta-feira, 25, que o Brasil carece de uma política nacional de segurança pública, que o sistema penitenciário é um dos maiores problemas da violência e que o Rio de Janeiro vive uma 'metástase', com o domínio do crime organizado. As declarações foram dadas no segundo debate do 'Fórum Estadão - A Reconstrução do Brasil', realizado em São Paulo, que tratou de alternativas para a segurança pública no País. Além do ministro, participaram o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho e o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.

Questionado sobre soluções de curto prazo para a violência, Jungmann argumentou que falta no País uma política nacional para tratar do assunto. "O Brasil não tem política nacional de segurança pública. Se olharmos as sete Constituições, nunca conseguimos ter um rumo para a segurança pública, ela sempre foi concebida como responsabilidade dos Estados", afirmou o ministro. "Temos um federalismo acéfalo e a segurança pública carece de rumo."

O ministro também não poupou críticas ao sistema penitenciário, que chamou de "pesadelo". "Estamos criando um monstro para nos devorar." Segundo o ministro, há cerca de 70 facções criminosas atuantes no Brasil, a maior parte presente nas cadeias. "Quando entra no presídio, todo jovem para sobreviver tem de fazer um juramento e fazer parte de uma facção", diz.

O ministro também defendeu a restrição de visitas a presos envolvidos com facções criminosas como medida para coibir o crime organizado. Para ele, até mesmo os encontros com advogados devem ser feitos em parlatórios e todas as conversas devem ser gravadas, diminuindo a atuação de dentro para fora dos presídios.

Além de citar a falta de recursos como um entrave, Jungmann sugeriu uma eventual política nacional de prevenção. "Fala-se muito de repressão, mas o coração da tragédia está localizado numa juventude de periferia de 15 a 24 anos. Eles têm três vezes mais capacidade de matar e morrem três vezes mais. Tem baixa educação, pouca renda, geralmente vem de lares desagregados", disse. Ele cita ainda a falta de transparência. "É o reino da opacidade em relação às outras áreas sociais que temos".

Questionado sobre medidas de curto prazo, o ministro respondeu: "O crime organizado ameaça as instituições, a sociedade e o Estado. Eu focaria na juventude com programa de prevenção social, focando atividade do governo sobretudo na prevenção. Ela é o motor que amplia nossa violência. Outra solução é encontrar maneiras de combater facções criminosas que ameaçam a todos nós."

Para o ministro, não há "solução mágica". "Nós somos recrutadores do grande crime organizado." O ministro também afirmou que não se opõe a parcerias com a iniciativa para administrar presídios "onde for possível que tenha".

Visão para o futuro

O coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, afirmou que as projeções em relação ao aumento da violência para daqui a 10 anos "não são confortáveis". Ele prevê um gasto com segurança pública em torno do R$ 1 bilhão por dia. "É preciso ter fundamentação no combate ao crime. Precisamos de medidas de redução de impunidade", disse.

O ex-PM afirmou que as chances de quem mata alguém hoje ir para a cadeia é de "apenas 5%". Ele também relacionou os índices de corrupção com a violência. "Nosso problema de impunidade vai de alto a baixo", disse. Como sugestão, propôs "municipalizar a ação policial".

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Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, defendeu que o Brasil precisa "desideologizar" o debate sobre políticas de segurança e "arrumar a casa". "Todos os anos temos um estoque de 20 milhões de crimes que entram no sistema Judiciário. Como o Estado está organizado para lidar com isso? Não está", diz. "Se a gente não arrumar a casa, os milhões (em investimento) que estão chegando para não vão resolver."

Intervenção no Rio

Os participantes foram questionados sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro. "O Rio vive uma crise econômica, fiscal, moral. Tem 830 comunidades controladas pelo crime. 1,1 milhão de cariocas vivem na mão da milícia, do tráfico, do crime. A intervenção se impôs como necessidade", comentou Jungmann.

José Vicente da Silva Filho criticou a intervenção, mas reconheceu que a situação do Rio tem "questões especiais". "Temos que tomar muito cuidado com esse modelo de intervenção fortemente repressiva e militarizada", alertou.

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Questionado sobre as investigações do homicídio da vereadora do PSOL Marielle Franco, Jungmann pediu desculpas aos cariocas na plateia e disse que o "Rio de Janeiro vive uma metástase", relacionando o assassinato ao crime organizado, que cada vez mais tem projeções em outras áreas, como na política.

"Apenas diria que a investigação procede. Ela é complexa e tem, no meu modo de entender, no ponto de vista dos mandantes, nem tanto dos executantes, um reflexo do que é o Rio de Janeiro", disse. "O Rio vive uma metástase. O crime organizado começa a ter projeção na politica, nas polícias, no Estado, e eu diria que toda essa coisa se reflete no crime da Marielle."

Estatuto do Desarmamento

O mediador questionou os participantes do fórum sobre a possível flexibilização do Estatuto do Desarmamento. "A posse de arma já é um direito do cidadão. O debate está sendo feito como se o cidadão fosse se proteger armado, o que tira a responsabilidade do Estado", disse Lima.

Para Jungmann, "esse debate em grande medida é impulsionado pela indústria de armas no Brasil". "O que precisamos é de esforços para melhorar nossa segurança pública. Se todos estivéssemos mais armados, estaríamos mais seguros?", questionou o ministro. Para ele, o estatuto pode ter "ajustes", principalmente em relação às áreas rurais, mas não ser "rasgado".

Os fóruns organizados pelo Estado têm como parceiros a Unibes Cultural, o Centro de Liderança Pública (CLP), o (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e a Tendências Consultoria Integrada.

Estadão
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