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Política

Apoiadores criticam mensagem de Bolsonaro para caminhoneiros

Manifestantes resistem a recuar; nas redes, seguidores relutaram em acreditar na mensagem, um possível sinal de saturação de extremistas com a falta de ações mais concretas do presidente, apontam especialistas

9 set 2021 - 12h18
(atualizado às 12h48)
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"O povo pedia pelos caminhoneiros. Está aí a resposta", disse um blogueiro bolsonarista em transmissão ao vivo da paralisação da categoria, na cidade de Poços de Caldas, divisa de Minas Gerais com São Paulo, por volta das 23h desta quarta-feira, 8. "Eles provavelmente estão seguindo orientações do Zé Trovão, que tem contato com essa turma", completa. Caminhoneiros realizam protestos e bloqueios em estradas de ao menos 14 Estados do Brasil desde o fim da tarde de quarta-feira.

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto
12/08/2021 REUTERS/Adriano Machado
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto 12/08/2021 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Entre grupos bolsonaristas, confusão e negação sucederam os momentos após a divulgação do áudio do presidente Jair Bolsonaro no fim da noite desta quarta-feira pedindo para que caminhoneiros não fechassem as rodovias — um indicativo de que, apontam especialistas, há uma descrença do próprio bolsonarismo radical sobre a ausência de ações mais concretas do líder. A mensagem do presidente circulou, mas teve rejeição entre apoiadores e lideranças do movimento, como o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão.

"Presidente, o povo precisa do senhor. Estivemos na rua em maio, no dia 1º de maio, 15 de maio, 1º de agosto. O senhor é nossa última salvação, porque estamos do lado do senhor. Vamos trancar todo o Brasil porque estamos do lado do senhor", argumentou, em vídeo publicado minutos após o áudio de Bolsonaro, já na madrugada da quinta-feira, 9. Antes, Zé Trovão convocou os caminhoneiros para "fecharem tudo" a partir das 6h, na quinta-feira.

Ainda que, poucos minutos após a divulgação do áudio do presidente, o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, tenha confirmado a veridicidade da mensagem, apoiadores ainda não acreditavam no recuo do presidente.

"Circula uma história que o presidente da República estaria pedindo para acabar a mobilização dos caminhoneiros. Eu afirmo a vocês que é mentira", disse o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) a manifestantes em Brasília na madrugada desta quinta-feira. "Quem entra numa guerra, precisa ter várias armas. A paciência eu sei que já se esgotou. Mas presta atenção: o presidente da República é um estrategista. Ele sabe o que faz."

A confusão em torno da mensagem foi motivo de piada para o humorista Marcelo Adnet. Em uma sátira publicada nesta madrugada, o artista postou um áudio em que pede para os caminhoneiros saírem da boleia dos caminhões e dançarem Macarena, o hit espanhol, até "aquele outro pedir para sair", numa alusão ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, principal alvo das críticas do presidente.

Em conversas em aplicativos de mensagens instantâneas obtidas pelo Broadcast Político, integrantes de grupos bolsonaristas que ajudaram na mobilização para os atos do dia 7 de Setembro avaliam que Bolsonaro deve apoiar a continuidade do movimento dos caminhoneiros e não desestimular.

"Precisamos cobrar o presidente para que ele não recue e abandone nossos irmãos", diz uma mensagem em um dos grupos de aliados. "Mesmo que tenhamos um desabastecimento momentâneo, a causa é muito maior", diz outro apoiador.

Em Poços de Caldas, os manifestantes seguiram irredutíveis. Ruas fechadas, bloqueio apenas para caminhões. A partir das 6h, nada mais passaria. "Eu acho que Bolsonaro deu essa informação para não ocorrer num crime de responsabilidade", comentou o blogueiro após receber a notícia de que o presidente pediu para os apoiadores recuarem do fechamento das rodovias.

Nos comentários da transmissão ao vivo, mensagens de frustração. "Era só ele ficar quieto e não desmobilizar o comando", comentou um usuário. "Bolsonaro decepcionou", lamentou outro. "Eu assisti ao vídeo do Tarcísio. Ele falando que não é hora. Qual é a hora?" questionou o blogueiro na live. "As pessoas pediram pelos caminhoneiros. Eu lembro que ficava incansavelmente no canal falando sobre manifestação, sobre paralisação e lembro que as pessoas diziam para chamar os caminhoneiros."

Para João Guilherme, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), o movimento recente de bolsonaristas nas redes sociais mostra que há uma "saturação" do movimento com Bolsonaro. "Esses radicais aguardam uma ação mais concreta do próprio presidente contra as instituições. A crítica da Cristiane Brasil (filha de Roberto Jefferson) foi nesse sentido, e não à toa. Quando ela diz 'Cadê o acabou, porra?', ela reforça esse sentimento", completa o pesquisador.

Como noticiou o Estadão na madrugada desta quinta-feira, após mais de três horas de negociação, policiais militares, agentes do Detran, da Secretaria de Segurança Pública e de fiscalização do DF legal não conseguiram desobstruir a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, bloqueada ao trânsito e ocupada por manifestantes bolsonaristas que invadiram a área para o ato de 7 de Setembro.

O deputado Otoni de Paula depois voltou atrás e pediu para que os caminhoneiros recuassem em Brasília. "Ou a gente confia no presidente que elegeu, ou a gente acha que ele é moleque e não vamos ficar do lado dele".

Os manifestantes querem entregar ao presidente Jair Bolsonaro uma denúncia contra ministros do Supremo. O presidente irá receber os manifestantes, segundo Otoni de Paula.

"Muito da base radical bolsonarista age em movimentação de proteção ao seu líder, em um sistema de proteção a Bolsonaro. É uma reação à destruição de Bolsonaro", avalia Esther Solano, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e pesquisadora do bolsonarismo.

De acordo com ela, um saldo do 7 de Setembro é a energização dos grupos de apoiadores radicais. "Bolsonaro esperava enviar uma mensagem de mobilização e dinamismo de sua base mais fiel e ele conseguiu uma certa mobilização. As pessoas mais radicais que entrevistamos que estiveram na manifestação apoiam totalmente o discurso antidemocrático dele porque a narrativa que compartilham é a de que Bolsonaro está sendo uma vítima do sistema e portanto o sistema deve ser combatido", conclui.

Estadão
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