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A Otan deveria fazer mais para combater o terrorismo?

7 jun 2018 - 07h54
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Trump demanda maior atuação da Aliança Atlântica para evitar e responder a atentados. Para analistas, presidente americano não compreende o funcionamento e o papel da organização.A reiterada exigência do presidente americano, Donald Trump, de que seus aliados europeus "gastem mais" com defesa vem geralmente acompanhada do pedido de que eles "façam mais" no âmbito do combate ao terrorismo. E Trump deixou claro que espera receber, de bandeja, uma série de políticas nesse sentido durante a próxima cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em julho.

Enquanto o ataque terrorista ao World Trade Center em Nova York, em 11 de setembro de 2001, continua sendo a única ocasião em que foi acionado o Artigo 5º - o sagrado princípio de defesa coletiva - da Otan, foram somente a anexação da Crimeia pela Rússia e o seu impetuoso envolvimento no conflito na Ucrânia (negado por Moscou), em 2014, que impulsionaram reformas dramáticas na aliança.

Tradicionalmente, o combate ao terrorismo não é uma das principais incumbências da Otan, em parte por essa ser uma tarefa que cabe prioritariamente aos governos nacionais e aos seus respectivos serviços de inteligência, policiais e de aplicação das leis.

Mesmo assim, a Aliança Atlântica acredita ter feito bastante nesse sentido nos últimos anos. Isso inclui o fato de ter se tornado um membro pleno da coalizão global, liderada pelos Estados Unidos, de combate ao grupo extremista "Estado Islâmico", além do fornecimento de aviões Awacs, conhecidos como estações voadoras de radar, que fazem reconhecimento em territórios como o Afeganistão, por exemplo.

Uma "célula de inteligência contra o terrorismo" também foi criada na sede da Otan em Washington. A célula se junta a um "hub para o Sul", com base no Comando Conjunto de Forças da Otan em Nápoles, para permitir maior visibilidade e manobrabilidade naquela região.

A isso se somam a guerra para erradicar redutos terroristas no Afeganistão - que já dura 17 anos - e a planejada expansão formal, na cúpula de julho, do programa de treinamento para forças de segurança e de defesa iraquianas.

Para Elisabeth Braw, do think tank americano Atlantic Council, os EUA deveriam estar satisfeitos. "Como a aliança está extremamente ocupada com desafios puramente militares, agora não é o melhor momento para pressionar membros a também focarem mais o terrorismo", afirma.

"Além disso, não está claro como o combate ao terrorismo se tornaria mais eficiente ao se transferir mais tarefas para a Otan. Forças de segurança já estão fazendo um bom trabalho."

Rússia e "Estado Islâmico" como desafios

Para o ex-comandante geral do Exército americano na Europa, Ben Hodges, a aliança precisa dar mais atenção à região do Mar Negro, nos moldes do que é feito com a região dos Países Bálticos como parte de uma estratégia de defesa coerente.

"Não podemos escolher as ameaças contra nós. Não é ou [a Rússia] ou [o 'Estado Islâmico']", afirmou Hodges, que se aposentou e atualmente atua no instituto independente de pesquisas Center for European Policy Analysis (Cepa), com sede em Washington.

Ian Lesser, diretor executivo do Centro Transatlântico do Fundo Marshall Alemão, voltado para o fortalecimento das relações transatlânticas, pontuou que esse duplo desafio é evidenciado por pesquisas sobre a percepção de ameaças.

Na maioria dos países da Otan, a Rússia não está necessariamente no topo da lista quando se trata de ameaças percebidas, explicou Lesser à DW. Riscos "do sul", incluindo o "Estado Islâmico" e a migração em massa, são muitas vezes mais proeminentes. "E isso não vale para países apenas no sul da Europa - também vale para a França e, possivelmente, também para a Alemanha", disse.

Lesser destaca que o sul representa um desafio logístico quando comparado com o único adversário a leste da Europa, a Rússia. "As fontes de instabilidade são múltiplas, e se trata de uma enorme área geográfica, que envolve tanto terra quanto mar, se estendendo por milhares de quilômetros", pontua. "É um cenário no qual é extremamento importante ter cooperação efetiva com outros Estados e instituições parceiras, como a União Europeia."

Combate à radicalização

É nesse cenário que algo de novo está, de fato, acontecendo - desde que a UE e a Otan concordaram em intensificar a cooperação na cúpula de 2016 da aliança, em Varsóvia. As primeiras conversações sobre combate ao terrorismo entre funcionários das duas organizações aconteceram em 29 de maio.

Michael Kohler, diretor de Políticas de Vizinhança da UE no diretório europeu de cooperação para o desenvolvimento, disse à DW que, pela primeira vez, o bloco europeu está contribuindo financeiramente com um programa dirigido pela Otan, chamado "Building Integrity" (construindo integração, em tradução livre). O programa organiza, numa série de países, treinamentos e exercícios de transparência e prestação de contas para combater a corrupção nos setores de defesa e segurança.

Pode ser que esse caminho seja o mais lento no combate ao terrorismo, mas Kohler acredita que esforços como esse são mais sustentáveis e eficazes.

"Se você não tem um governo que cria chances para a geração mais jovem, cria-se muita frustração e, em alguns casos, essa frustração se transforma em radicalização", explica. "Em outras palavras, se você realmente quiser fazer alguma coisa contra o terrorismo, precisa tratar os sintomas, mas também precisa curar as causas", diagnosticou.

Permanece, no entanto, a questão: será que programas assim vão satisfazer Trump? Ian Bond, diretor de política externa no Center for European Reform (CER), think tank com sede em Londres, suspeita que as exigências do presidente americano tenham, em parte, a ver com o fato de ele não compreender como a organização funciona.

"A Otan não vai começar a identificar pessoas aleatórias que se radicalizaram na internet e querem explodir a si mesmas", disse Bond à DW. "Não se envia a força de reação rápida da Otan contra um cara numa van e algumas facas na London Bridge. A Otan não é a resposta para a maioria dos tipos de terrorismo estão enfrentando no momento", afirma.

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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram

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