‘A mudança climática já impacta a saúde mental das novas gerações’, afirma Gabor Maté
Psiquiatra fez alerta sobre impactos da tecnologia e da crise climática na saúde mental da sociedade
O médico húngaro-canadense Gabor Maté, especialista em trauma, vício e saúde mental, foi um dos destaques do Encontro Futuro Vivo, realizado nesta terça-feira, 26. Em participação online, Maté discutiu como o uso excessivo de telas e redes sociais está relacionado ao aumento de transtornos mentais e chamou a atenção para os efeitos já sentidos das mudanças climáticas sobre a saúde psicológica das novas gerações.
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“O que acaba deflagrando a ansiedade é a perda de controle, os conflitos e o estresse da avaliação. Quando você está sendo avaliado, surge o desejo de ser atraente para os outros, e isso pode gerar uma sensação temporária de confiança. No Brasil, acredito que exista a maior indústria de cirurgia plástica do mundo porque muitas pessoas estão desesperadas para corresponder ao que os outros acham que elas devem ser: uma falta de confiança”, afirmou o psiquiatra, autor do best-seller O Mito do Normal.
Segundo Maté, o contato precoce e prolongado com aparelhos digitais tem dificultado a regulação emocional de crianças e adolescentes. “Se fossem meus filhos, eu jamais os deixaria chegar perto desses aparelhos por tanto tempo”, disse. Ele também destacou que a internet, embora seja uma das maiores conquistas humanas por conectar pessoas em diferentes lugares do mundo, é uma “faca de dois gumes”, capaz tanto de criar vínculos quanto de gerar isolamento, comparações nocivas e cyberbullying.
O médico apontou que cada vez mais crianças são diagnosticadas com ansiedade, depressão, TDAH e transtornos de comportamento, fenômeno que associa à perda da convivência próxima com outras pessoas, substituída pela mediação tecnológica.
“As crianças têm a necessidade de expressar suas emoções e que essas emoções sejam compreendidas e validadas pelos adultos. Mas quando aprendem a suprimi-las como estratégia de sobrevivência, passam a se preocupar não apenas com sua própria experiência, mas com como serão vistas pela sociedade. Isso ocorre muito na internet, onde as pessoas estão obcecadas com sua imagem." - Gabor Maté
Clima, desigualdade e sofrimento social
Além da tecnologia, Maté chamou a atenção para o impacto da crise climática e das desigualdades sociais na saúde mental. “Nós somos muito mais afetados pelo meio ambiente, pelos impactos ambientais, do que gostaríamos de aceitar”, disse ele, que destacou que a sensação de impotência diante da falta de ação política para frear o aquecimento global já está produzindo estresse e ansiedade nas novas gerações.
“Um dos maiores problemas do estresse é a perda de controle. E é exatamente isso que pode marcar as novas gerações, que estão crescendo sob a sombra das mudanças climáticas e se sentem de mãos atadas diante dessa realidade. Isso acontece porque elas estão vendo que as autoridades que deveriam tomar atitudes não estão agindo”, afirmou.
O psiquiatra citou dados que mostram como fatores sociais --racismo, pobreza e desigualdade de gênero-- se manifestam biologicamente. “As mulheres representam a maior parte dos casos de doenças autoimunes, e isso não é por genética, mas sim resultado do estresse social. No Canadá, o risco de um indígena ter artrite é maior que o de uma pessoa branca, e isso tem a ver com o estresse ligado ao racismo”, explicou.
O papel da compaixão
Maté também destacou que os adultos precisam de vínculos estáveis e de um equilíbrio saudável entre proximidade e autonomia. “Temos a necessidade de proximidade. Mas quando a proximidade é exagerada, sentimos que estamos sendo invadidos e perdemos o controle da nossa vida. Mas se não temos proximidade suficiente com outras pessoas, nos sentimos rejeitados.”
Para Maté, o caminho de cura individual e coletiva passa pela reconexão consigo mesmo e pelo fortalecimento de laços sociais baseados na empatia. “Eu aprendi que, quando via alguém com algum problema de saúde física ou mental, muitas vezes isso não estava ligado apenas àquele corpo específico, mas também à sua relação com o mundo ao redor”, disse.
Ele defendeu que compaixão é elemento central no cuidado com a saúde.
“Sem compaixão, é impossível ver a verdade. Ela nos permite olhar o sofrimento social de forma aberta. Para que uma pessoa se cure, todos precisamos nos curar. Precisamos usar nossa inteligência para criar ambientes de apoio, capazes de contemplar quem somos."


