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Transformação digital e o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência

Em artigo exclusivo para o blog Vencer Limites, Március Crispim e Júlia Daphiny, especialistas da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, chamam a atenção para a unificação dos instrumentos de avaliação da deficiência.

9 jan 2023 - 10h45
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Március Crispim e Júlia Daphiny*.

Nos últimos anos vivemos uma grande mudança na gestão pública brasileira, a transformação digital. Dados, tecnologia, inovação digital são ativos cada vez mais estratégicos para o setor público. E isso não é diferente nas políticas públicas destinadas à pessoa com deficiência, onde a estruturação do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (cadastro inclusão) possui centralidade.

O cadastro inclusão surgiu com a entrada em vigor da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - artigo 92 da lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 - e pode ser descrito como uma base de dados agregadora, a nível nacional, com a finalidade de aumentar a confiabilidade das informações e viabilizar uma interface unificada para manuseio cadastral, de modo a facilitar o compartilhamento dos dados da pessoa com deficiência pelos órgãos da gestão pública.

A pessoa com deficiência, ao longo da vida, precisa realizar avaliações de deficiência em diversos órgãos para ter acesso a serviços públicos, como por exemplo: benefício de prestação continuada da assistência social (BPC), a isenção de impostos para aquisição de automóveis, a reserva de cargos em concursos públicos, a reserva de cargos em empresas (cotas), e a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social. Apesar de cada avaliação ter um propósito específico, todos elas requerem comprovação da deficiência para seu acesso.

Apesar de termos tido grandes avanços tecnológicos na prestação dos serviços públicos nos últimos anos, eles ocorreram de maneira individualizada. O resultado negativo disso é que, além do custo do cidadão de ter de se apresentar diversas vezes ao Estado para comprovar sua deficiência, temos seu cadastro replicado em diversas bases de dados do governo. Nesse contexto, é difícil identificar o mesmo cidadão nestas diversas bases, o que inviabiliza a integração entre os sistemas governamentais e a composição de sua trajetória pelos diversos serviços estatais. Além disso, a replicação permite que os dados sobre a deficiência estejam diferentes entre as bases de dados e não se sabe qual é o registro mais atualizado ou correto, o que gera inconsistências e perda de confiabilidade nestes dados.

O cadastro inclusão tem como objetivo unificar e melhorar as informações sobre pessoas com deficiência dentro do governo. Ele é baseado nos cadastros atuais dessas pessoas nas bases de dados da administração pública, tendo como informações principais o Cadastro de Pessoa Física (CPF) mantido pela Secretaria de Receita Federal e a avaliação biopsicossocial unificada da deficiência. O Cadastro Inclusão não substitui nem elimina os cadastros existentes, mas os harmoniza.

No Brasil, existem trinta e quatro políticas federais para pessoas com deficiência, identificadas pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Elas podem ser acessadas e acompanhadas pelo cadastro inclusão. O objetivo do cadastro é eliminar dois dos maiores problemas enfrentados por essas pessoas ao lidar com o governo: a burocracia para comprovar a condição de deficiência e a variedade nas avaliações de deficiência.

Como exemplo de burocracia cita-se a fila de espera para avaliação da deficiência pelo BPC. A fila do BPC hoje é de mais de 580 mil pessoas e o tempo médio para o recebimento do benefício passou de 78 para 311 dias nos últimos seis anos, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU).

Por sua vez, a heterogeneidade da caracterização da deficiência para acesso a políticas públicas é consequência direta da falta de regulamentação do § 1º e do § 2º do art. 2º da LBI que trata da unificação da avaliação da deficiência no Brasil sob a perspectiva biopsicossocial.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define deficiência como um conceito em evolução, resultante da interação entre alterações no corpo e fatores contextuais, como o ambiente e as características pessoais. A perspectiva biopsicossocial mudou o conceito de deficiência, que antes se limitava a impedimentos físicos.

No Brasil, ainda há o processo de consolidação da transição entre os modelos médico e biopsicossocial de avaliação da deficiência. A LBI previu que a avaliação biopsicossocial unificada deveria ter início em até dois anos após entrar em vigor, mas o governo federal, após sete anos de atraso, não possui perspectiva de sua regulamentação.

A unificação da avaliação da deficiência é fundamental para organizar, padronizar e unificar os registros de deficiência no Brasil. O cadastro inclusão depende da implementação da avaliação biopsicossocial unificada para funcionar. Embora a avaliação da deficiência já seja realizada em diversas políticas públicas, um sistema unificado envolve a organização e o trabalho em rede de diversos órgãos, com um cadastro centralizado.

Mesmo a espera de uma avaliação biopsicossocial unificada, desde março de 2021, o cadastro inclusão deu seus primeiros passos rumo a estruturação. O cadastro inclusão já constituiu banco de dados com 3,4 milhões de pessoas com deficiência - 20% do total estimado de pessoas com deficiência no país, segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde -; regulamentou o registro de referência da pessoa com deficiência no governo federal; e o instituiu o certificado nacional da pessoa com deficiência.

Em 23 de junho de 2022 foi aprovada a Resolução nº 10, de 23 de junho de 2022 do Comitê Central de Governança de Dados do Governo Federal (CCGD), órgão vinculado ao Ministério da Economia. O CCGD é órgão de deliberação superior sobre governança de dados do governo federal e suas resoluções geram efeitos vinculantes para os órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

A Resolução nº 10 criou o Registro de Referência da Pessoa com Deficiência, que possui como finalidade promover a interoperabilidade do conjunto de dados entre os órgãos e entidades da administração pública federal; fomentar a qualidade e a fidedignidade dos dados custodiados pelos órgãos públicos; reduzir custos das operações internas dos sistemas de informação dos órgãos gestores e consumidores de dados; e orientar o acesso dos órgãos e entidades ao conjunto de dados relacionado à Application Programming Interface - API da Pessoa com Deficiência.

A API da Pessoa com Deficiência é uma plataforma de acesso para sistemas de informação que querem consumir dados sobre a pessoa com deficiência. Através da API é possível que os órgãos públicos consigam identificar, de forma automática, se determinada pessoa possui ou não deficiência, a partir das informações disponíveis nas bases de dados do cadastro inclusão.

O cadastro inclusão é constituído hoje pelas bases de dados do BPC e da aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do RGPS. Os dois serviços foram inicialmente selecionados por que possuem avaliações biopsicossociais como porta de entrada. Os instrumentos avaliativos destes benefícios são referenciados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e comumente discutidos na comunidade científica como referências para uma perspectiva biopsicossocial da deficiência. As pessoas consideradas com deficiência por estes dois benefícios - incluindo os que foram avaliados pelo BPC, constatada a deficiência, mas não adentraram ao benefício por incompatibilidade com o critério de renda -, perfazem, como mencionado, um total de 3,4 milhões de pessoas. Os dados são atualizados mensalmente pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DATAPREV).

A API da pessoa com deficiência, acessada por sistemas de informações da administração pública, recebe como parâmetro de entrada um CPF, realiza pesquisa nas bases de dados relacionadas retornando um valor que indica se foi ou não encontrado um registro deste CPF cadastrado como pessoa com deficiência. Em caso positivo, a API retorna informação que o cidadão pesquisado possui uma deficiência comprovada no modelo biopsicossocial. A partir dessa operação, simples como se vê, essas pessoas não precisam mais se submeter a nova comprovação da deficiência para terem direito a serviços do governo em âmbito federal, pois essa informação já foi avaliada anteriormente e está disponível no banco de dados do cadastro inclusão, disponível a todos os órgãos cadastrados.

A API da pessoa com deficiência possui tanto interface para os órgãos da administração pública quanto para o cidadão. A pessoa com deficiência pode solicitar seu certificado de pessoa com deficiência e a partir dele reivindicar quaisquer serviços para a pessoa com deficiência sem necessidade de nova avaliação da deficiência. Para isso a pessoa deve acessar o aplicativo ou o site do "Meu INSS", por meio do "login" na conta "gov.br", visualizar e baixar o seu certificado. O documento conterá um "QR Code" para validação de autenticidade pelos servidores públicos dos órgãos requisitados.

Os resultados alcançados pelo cadastro inclusão são animadores. Em poucos meses desde implementação da primeira versão do cadastro já existem dez órgãos públicos autorizados a acessar de forma automática os dados via API e oitenta mil certificados expedidos para pessoas com deficiência. Pessoas que se encontram autorizadas a acessar todas as trinta e quatro políticas públicas do governo federal sem necessidade de nova avaliação da deficiência, dependendo apenas de comprovar os critérios específicos de cada política.

O cadastro inclusão recentemente recebeu o prêmio de segundo lugar na categoria "Inovação em serviços ou políticas públicas no Poder Executivo Federal" durante a 26ª edição do Concurso Inovação no Setor Público da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Um feito, considerando seu tempo de construção.

Em todos os aspectos de transformação digital proporcionada pelo cadastro inclusão, busca-se implementar a filosofia da "evolução não revolução", minimizando os riscos e as incertezas da prática de mudanças de alto impacto. O estabelecimento, pelo cadastro inclusão, de uma metodologia de mudança que evolua a maturidade do governo a longo prazo, de forma incremental, permitirá que novas políticas e processos sejam adotados, que a avaliação biopsicossocial unificada seja incorporada e que as mudanças comportamentais de servidores públicos e cidadãos sejam sustentáveis.

A próxima etapa do Cadastro Inclusão será justamente a inclusão em sua base de dados da avaliação biopsicossocial unificada, referida no artigo 2º da LBI. A unificação dos instrumentos de avaliação da deficiência é fundamental para a continuidade do cadastro inclusão e espera-se que a próxima gestão do executivo federal dê prosseguimento a esta demanda.

Finalmente, é importante que o cadastro inclusão seja regulamentado por um decreto presidencial. Isso permitirá que a estrutura do cadastro, que serve como um registro de referência, seja formalizada em uma norma inferior a lei que o criou. Isso tornará o cadastro um direito procedimental para pessoas com deficiência e uma obrigação para os órgãos públicos, incluindo aqueles que atuam além do governo federal, como os estados e municípios.

*Március Alves Crispim é analista técnico de Políticas Sociais do governo federal desde 2013. Liderou o projeto Startup Cadastro Inclusão da Secretaria de Governo Digital (2020/2022), foi diretor do Departamento de Gestão e Relações Interinstitucionais da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (março a novembro de 2022) e coordenador geral de Dados e Informações da Pessoa com Deficiência da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (setembro/2020 a março/2022).

*Júlia Daphiny é técnica de dados e informações da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Estadão
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