Profissionais LGBTQIAPN+ recebem 12% a menos, diz pesquisa
Para o especialista em Sexualidade e Gênero de uma startup de equidade econômica, Felipe Batistão, é preciso ir além de boas intenções
Mesmo com o avanço de políticas de diversidade e inclusão, profissionais LGBTQIAPN+ continuam enfrentando um abismo salarial em relação a colegas heterossexuais que ocupam os mesmos cargos e desempenham funções equivalentes. É o que mostra o levantamento Panorama da População LGBTQIAPN+ no Mercado de Trabalho Brasileiro, realizado pela consultoria Diversiteral, que analisou dados de mais de 55 empresas de médio e grande porte no País. A diferença média é de 12%.
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Para Felipe Batistão, especialista em Sexualidade e Gênero da Diversitera, startup especializada em promover equidade social e econômica dentro das organizações, a disparidade salarial é apenas o resultado visível de um processo mais profundo, marcado por obstáculos que começam ainda na porta de entrada do mercado de trabalho e se perpetuam ao longo da trajetória profissional.
"O preconceito não se mostra somente por meio de insultos ou agressões diretas. Como parte de um repertório cultural estruturante da sociedade, muitas vezes, é expresso de forma insidiosa, nas pequenas decisões que determinam quem recebe uma oferta melhor, quem ganha aumento e quem avança na carreira, mesmo quando todo mundo faz o mesmo trabalho, com a mesma qualificação e tempo de experiência", afirma.
Entre os principais fatores que ajudam a explicar essa diferença de remuneração, estão questões estruturais que envolvem desde o recrutamento até a ausência de redes de apoio.
Baixa presença em cargos de liderança
Embora pessoas LGBTQIAPN+ representem 10,1% da força de trabalho ocupada no Brasil, só 6,1% chegam a cargos de gerência e só 4,9% alcançam posições executivas. Para Batistão, essa falta de representatividade reforça barreiras e dificulta a promoção de políticas mais inclusivas dentro das organizações.
"Sem referenciais LGBTQIAPN+ no topo das organizações, as barreiras estruturais e os preconceitos tendem a se manter preservados, dificultando o acesso a oportunidades e a negociações justas", explica.
Propostas iniciais mais baixas e viés de contratação
O estudo também revelou que profissionais LGBTQIAPN+ costumam receber ofertas salariais iniciais menores. Isso é reforçado por estereótipos sobre "adequação cultural" que ainda dominam parte dos processos seletivos, influenciando negativamente a percepção sobre o potencial desses profissionais.
"Recrutadores e gestores, consciente ou inconscientemente, frequentemente baseiam suas decisões em estereótipos relacionados à ‘adequação cultural', o que acaba desvalorizando as qualificações reais dessas pessoas", afirma Batistão. "Idealmente, a pergunta de pretensão salarial não deveria existir e sim se basear num estudo de paridade de cargos e salários."
Dificuldades na hora de negociar
O receio de julgamento ou retaliações também impacta a forma como profissionais LGBTQIAPN+ lidam com negociações. Segundo a pesquisa, 27% não se sentem à vontade para revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero no trabalho, o que acaba refletindo na hora de pleitear promoções ou aumentos.
Redes de influência restritas
A exclusão de círculos informais de influência é mais um impedimento para o avanço dessas pessoas no ambiente corporativo. A ausência de líderes aliados ou referências próximas compromete o acesso a cargos mais altos, muitas vezes ocupados por indicação.
"Quando observamos o mundo do trabalho, encontramos mais um retrato das experiências de marginalização das LGBTQIAPN+. A fotografia que temos hoje denuncia limites que precisam ser transpostos. Do contrário, seguiremos com profissionais de excelência, mas com menos oportunidades de visibilidade e apoio para avançar na carreira", alerta Batistão.
Silenciamento e desgaste emocional
A necessidade de omitir parte da identidade para evitar discriminação gera estresse contínuo e compromete o bem-estar no ambiente profissional. Isso também impacta a percepção de engajamento e confiança, fatores que costumam pesar na hora de decisões sobre bônus ou promoções.
Caminhos para mudança
Para reverter esse cenário, o especialista destaca que as empresas precisam ir além das boas intenções e adotar práticas concretas de enfrentamento às desigualdades.
"É essencial que as empresas façam auditorias salariais periódicas e tornem transparente a política de cargos e salários, evitando práticas que perpetuem desigualdades históricas", orienta. "Também é importante revisar critérios de promoção e bonificação com atenção aos impactos socioculturais sobre a performance, além de criar programas de aceleração de carreira com mentoria e bolsas de formação. Por fim, investir em uma cultura de responsabilização, com metas e indicadores claros, é fundamental para garantir avanços reais em diversidade e inclusão."