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Os gênios da tecnologia no Brasil são 60+

Profissionais da área de tecnologia 60+ viram a transformação dos programas de computador e possuem contexto social para orientar tendências

1 out 2022 - 05h00
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Se fosse necessário uma grande reparação nos sistemas de tráfego aéreo no mundo hoje, certamente os profissionais de tecnologia necessários teriam 60 anos ou mais
Se fosse necessário uma grande reparação nos sistemas de tráfego aéreo no mundo hoje, certamente os profissionais de tecnologia necessários teriam 60 anos ou mais
Foto: Divulgação/FG Trade

A gente vive falando que a geração Alpha já nasceu conectada e sabendo lidar com todas as tecnologias. Mas se houvesse hoje uma pane nos principais sistemas tecnológicos do mundo, como o controle do tráfego aéreo, sistema financeiro de um país inteiro ou uma guerra cibernética, por exemplo, provavelmente as pessoas recrutadas para lidar com os softwares que operam esses serviços, teriam 60 anos ou mais. Quem garante são especialistas em tecnologia que atuam na área desde quando “era tudo mato”.

É o caso de Daniel Schwabe, que aos 68 anos tem um currículo invejável na área de tecnologia: possui graduação em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1975), mestrado em Informática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1976) e doutorado em Computer Science - University Of California Los Angeles (1981). 

“Eu fui um menino precoce nessa área, comecei a fazer um curso de férias na UFRJ aos 14 anos, numa época em que não existia computador pessoal. Tive a oportunidade de estudar e trabalhar fora do Brasil e consegui assistir de muito perto o surgimento do que viria a ser a internet mais tarde”, comentou.  Naquela época, as únicas unidades que trabalhavam com computadores no país eram universidades federais e a segurança nacional. Depois de ter participado feito doutorado no exterior, Daniel retornou como professor na PUC-Rio, ajudando a criar um dos primeiros cursos de engenharia da computação do Brasil. “Sempre trabalhei com redes de computadores. Criamos o curso de engenharia da computação, que trazia uma ênfase maior em computação e softwares. A PUC foi pioneira, porque sempre manteve um departamento de informática. Nos anos 70, comecei a trabalhar com inteligência artificial, que não era tão rebuscada como hoje, mas se propunha a resolver alguns problemas”, disse.

Daniel Schwabe, 68 anos, foi um dos criadores do curso de engenharia da computação no Brasil
Daniel Schwabe, 68 anos, foi um dos criadores do curso de engenharia da computação no Brasil
Foto: Daniel Schwabe/Arquivo Pessoal

Daniel se aposentou como professor da PUC. Atualmente trabalha em um projeto de pesquisa europeu, que está criando um grafo de conhecimento aos odores com herança cultural. “Trabalho com uma equipe multidisciplinar, mas na área de tecnologia estamos minerando textos e imagens dos séculos XVII e XIX, extraindo referências às experiência odoríferas, onde a percepção do cheiro se manifesta em vários aspectos da cultura, religião, medicina, culinária e convívio social”, destaca. Para ele, sua idade e experiência de vida traz uma maturidade para entender que as decisões tecnológicas tomadas impactam na vida das pessoas. “Sempre preparei meus alunos para trazer essa descritiva multidisciplinar de que eles precisam conhecer as ferramentas técnicas, mas prever como isso interfere na sociedade. Por muito tempo os profissionais da tecnologia consideravam que ‘o que eu faço não no computador, não tem consequência óbvias’. Com 60 anos ou mais, esse profissional já teve mais oportunidades de exercitar e observar essas mudanças, e isso impacta no trabalho”, destaca.

Para Daniel, ainda há etarismo na área de tecnologia, ainda que ele não tenha sofrido diretamente com essa exclusão motivada pela idade. “Não sou mais um desenvolvedor, mas sei sobre programação. Então sou capaz de ler programas e identificar erros, sugerir melhorias, organizar melhor as ideias, expor argumentos e isso pode ser feito em qualquer linguagem. Acho que há uma tendência a desvalorizar os mais velhos, sobretudo pela associação de "novas tecnologias" com "juventude". E tb porque há uma natural identificação maior dos próprios executivos da área, que são em média mais jovens eles tb. E também porque há uma tendencia no setor a valorizar o conhecimento estritamente técnico de tecnologias atuais, vs o escopo mais amplo levando em conta todos aqueles aspectos não-técnicos, mas igualmente importantes e relevantes, sobre os quais conversamos. É parte da cultura do "aqui e agora".”

Pessoas com 60 anos ou mais da área de tecnologia possuem repertório mais amplo de ferramentas
Pessoas com 60 anos ou mais da área de tecnologia possuem repertório mais amplo de ferramentas
Foto: Divulgação/Viktorcvetkovic

Conhecimento raro

Renato Shalders, de 69 anos, é formado em engenharia. Se aposentou como especialista em TI na Caixa Econômica Federal, aos 64 anos. A vida toda, lidou com programação em COBOL, (Linguagem Comum Orientada para os Negócios, em protuguês), uma linguagem de programação orientada para o processamento de banco de dados comerciais. “Essa foi uma das primeiras formas de se programar criadas com o surgimento de computadores. Hoje, a maioria dos programadores não conhecem a fundo essa e outras linguagens primárias, então um erro num sistema de grande porte como banco de dados previdenciário, controle de tráfego aéreo no mundo inteiro, teria que ser reparado por uma pessoa com 60 anos ou mais. Esses banco de dados mais robustos usam outras camadas de programas mais novos em sua interface, mas a base ainda roda em linguagens mais antigas. A menos que você seja um engenheiro de software, que vai lá no detalhe,a maioria das pessoas só lidam com ferramentas já prontas”, conta. 

"Culturalmente atrelamos idade com incapacidade, quando estas duas coisas não estão relacionadas", diz a  psicóloga organizacional Cláudia Danienne
"Culturalmente atrelamos idade com incapacidade, quando estas duas coisas não estão relacionadas", diz a psicóloga organizacional Cláudia Danienne
Foto: Cláudia Danienne/Arquivo Pessoal

Inclusão e combate ao etarismo

Segundo a psicóloga organizacional e especialista em empregabilidade, Cláudia Danienne, o primeiro passo para construir espaços de inclusão de pessoas 60+, é romper com o conceito cultural sobre a longevidade. “Aqui no Brasil, culturalmente atrelamos idade com incapacidade, quando estas duas coisas não estão relacionadas. Em outros países com um modelo mental diferenciado, como, por exemplo, o Japão, idosos com 85 anos ou mais, participam ativamente do convívio social. Você vai a um shopping, e quem te recebe, dá informações e boas-vindas é sempre um idoso”, destaca. 

De acordo com a especialista, a presença de pessoas mais velhas na equipe, pode trazer benefícios imediatos. “São pessoas que por trazerem uma bagagem de experiência maior, tem mais facilidade de mediar conflitos, serem empáticos, conseguem fazer uma escuta mais atenta e menos ansiosa dos colegas, entre outros pontos”. 

Para a área de tecnologia, é necessário que as empresas promovam ações que garantam a permanência do profissional deste perfil.  “O fato é que todos nós precisamos nos reciclar o tempo todo, quando o assunto é tecnologia. As atualizações acontecem muito rápido. Há cinco anos não havia profissionais de desenvolvimento do Metaverso. Hoje já existe demanda de piloto de drone, criador de avatar.  Então não basta ter só um processo seletivo, é preciso dar espaço para que essa pessoa aprenda novas linguagens, tenha tempo para se aprimorar. Também é necessário pontuar que a cultura de diversidade dentro da empresa, também já deve estar mais desenvolvida”. 

Algumas  ações afirmativas podem ser adotadas para contribuir com essa inclusão: Um exemplo positivo são as rodadas de diálogo, colocando em pauta o etarismo, ou trabalhos voltados para mentoria dos funcionários mais jovens ou projeto de colaboração, tenho o idosos como ponto central de condução das atividades”, destaca.  

Fonte: Redação Nós
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