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“Medo do que poderia acontecer”, diz árbitra quase agredida

Deborah Cecília conta que se afastou de jogador antes de mostrar cartão vermelho para não levar um murro

4 mai 2022 - 10h50
(atualizado às 12h00)
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A final do Campeonato Pernambucano, entre Retrô e Náutico, no último sábado (30), representou um marco para a arbitragem feminina no País. A árbitra Deborah Cecília, 36, foi a primeira mulher a apitar uma decisão de estadual na história. No entanto, no mesmo jogo, ela também foi vítima de uma tentativa de agressão por um jogador do Alvirrubro. 

“Eu me assustei e pensei: ‘Ele está vindo para cima de mim e vai continuar. Ele está chegando perto de mim’. Se os meninos não fossem segurá-lo, ele ia continuar vindo para cima de mim e tenho medo do que poderia acontecer”, afirmou Deborah, 36, em exclusiva ao Papo de Mina. 

Jean foi contido pelo quarto árbitro, Clóvis Amaral, e pelos companheiros de equipe
Jean foi contido pelo quarto árbitro, Clóvis Amaral, e pelos companheiros de equipe
Foto: Rafael Vieira/ FPF

A árbitra sofreu uma tentativa de agressão pelo meio-campista do Náutico, Jean Carlos, que correu em sua direção com o peito estufado e o braço levantado após ser expulso. Deborah foi chamada pela arbitragem de vídeo para checar uma cotovelada do meia no rosto de um adversário durante uma disputa sem bola. Ela confirmou o lance, e o jogador reagiu instantaneamente. 

“Eu tomei o cuidado de me afastar dele antes de dar o cartão. Se eu fizesse isso muito próximo, ele ia dar um murro em mim. Por pouco eu não fui agredida. Quando vi que ele não ia parar e que ia me dar uma trombada, me defendi colocando o braço na frente”, desabafou. 

Na sequência, Jean acabou contido pelo quarto árbitro, Clóvis Amaral, e pelos companheiros de equipe. Mesmo assim, o jogador se recusou a sair do gramado e continuou gesticulando, precisando ser conduzido por atletas para fora do campo. 

“Consegui ser ágil, porque tenho 13 anos de profissão e já vi um caso ou outro parecido com o que eu passei. Então, não fiquei esperando a agressão, mas ele achou que fosse me intimidar daquela forma”, continuou. 

Apesar da clareza das imagens da transmissão e do relato da própria árbitra na súmula da partida, Jean Carlos disse em entrevista coletiva que teve apenas uma “reação de jogo”. 

“Foi uma reação ali por ser uma final, enfim, já falei sobre isso. Repito: em momento algum tentei agredir a Deborah ou fiz algum movimento que pudesse ser questionado sobre essa questão”, afirmou o meia. 

Já na visão de Deborah, que correu de costas para se afastar do jogador, se ele não fosse segurado por outros atletas, certamente ela seria mais uma vítima de agressão no Brasil. Aliás, é importante lembrar os números de violência de gênero. O 14° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2019, mostra uma média diária de 729 lesões corporais dolosas contra mulheres diariamente. Por hora, 30 mulheres sofrem agressão física no país. 

A árbitra sofreu uma tentativa de agressão pelo meio-campista do Náutico, Jean Carlos
A árbitra sofreu uma tentativa de agressão pelo meio-campista do Náutico, Jean Carlos
Foto: Rafael Vieira/ FPF

“Dizer que ele não ia me agredir… Com certeza ele iria me agredir. Acho que ele não esperava que eu colocasse a mão nele para parar, para me defender. Vamos dizer que eu dei sorte também, porque os homens foram me ajudar. Mas vai ser sempre assim? Vamos ficar contando com a sorte até quando? Outras mulheres não vão ter a mesma sorte”, afirmou. 

Violência recorrente

Em menos de três semanas, dois episódios de violência aconteceram dentro de um campo de futebol. Além do sofrido por Deborah, no dia 11 de abril, a assistente Marcielly Netto recebeu uma cabeçada do ex-treinador da Desportiva Ferroviária, Rafael Soriano. A bandeirinha registrou um boletim de ocorrência contra Rafael. 

Além de serem direcionados à arbitragem, os casos têm outro ponto em comum: as vítimas são mulheres. Isso significa que a presença delas dentro de campo por si só já é um risco para sua integridade física. Para coibir esse tipo de situação, a expectativa de Deborah é que haja punição severa. 

“É muito mais fácil partir para cima de uma mulher, né? Vai ser sempre [mais fácil]. Ainda bem que a ação dos jogadores foi rápida para segurá-lo. Aconteceu contra a auxiliar, a Marcielly, faz pouco tempo. E as consequências foram pequenas. É quase um incentivo para que isso volte a acontecer”, disse. 

Foto: Rafael Vieira/ FPF

Após julgamento pela Primeira Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva do Espírito Santo (TJD-ES), o ex-técnico foi condenado a 200 dias de suspensão pela agressão e um gancho de doze jogos, mais uma multa de R$ 1.212,00 por xingar a arbitragem e invadir o gramado.

“Eu sempre discuto muito com o pessoal que o exemplo arrasta os outros. Se você tem um caso como este ou como outros que tiveram e aplica uma punição mais severa, os próximos serão inibidos de alguma forma. Tem que ter lei que atue. Não podemos mais tolerar esse tipo de coisa no futebol”, finalizou a árbitra. 

Confira o relato da súmula na íntegra: 

Aos 22 minutos do primeiro tempo expulsei com cartão vermelho direto o senhor Jean Carlos Vicente, número 10 da equipe do Náutico, por desferir uma cotovelada fora da disputa da bola no rosto do seu adversário, Yuri Alexsander Paiva Rodrigues, número 7 da equipe Retrô. O jogador atingido seguiu no jogo normalmente. Após eu ter apresentado o cartão vermelho direto, o jogador expulso partiu em minha direção na tentativa de me agredir, sendo contido pelo árbitro assistente Clóvis Amaral, e por seus companheiros de equipe, além disso relutou a sair do campo de jogo, sendo retirado por seus próprios companheiros.

Em meio a cobranças, futebol feminino cresce no Brasil:
Papo de Mina
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