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Lei Brasileira de Inclusão completa 10 anos, histórica para a defesa da população com deficiência, mas sem regulamentação total

Depoimentos exclusivos de Mara Gabrilli e Romário, parlamentares diretamente envolvidos na aprovação da LBI, e também da atual secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, destacam a importância dos preceitos garantidos a partir da lei, que tem base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, e apontam prioridades.

5 jul 2025 - 17h16
(atualizado às 17h22)
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A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência completa uma década neste domingo, 6. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff (2011/2016) em uma cerimônia no Palácio do Planalto no dia 6 de julho de 2015, está em vigor desde janeiro de 2016. É o principal instrumento de defesa dos direitos da população com deficiência no País, mas ainda desconhecida por integrantes do judiciário e da segurança pública. A morosidade na regulamentação é um dos principais motivos da LBI permanecer nebulosa até mesmo para o povo com deficiência, embora seja o mecanismo de maior eficiência para o combate ao crime de discriminação da pessoa por causa da deficiência (artigo 88) e também a base para uma cobrança efetiva por acessibilidade, inclusive digital, em todos os setores.

O blog Vencer Limites conversou com a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) e o senador Romário (PL-RJ), parlamentares diretamente envolvidos na construção e aprovação da Lei Brasileira de Inclusão (n° 13.146/2015), e também com a atual secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, sobre quais precisam ser os próximos passos para que toda a abrangência da LBI seja aplicada.

"É evidente que ainda temos um caminho a percorrer para alcançar a aplicação da LBI em sua plenitude, a começar pelo desafio de popularizar a lei, que é abrangente e precisa virar livro de cabeceira de muita gente, juristas, professores, profissionais da saúde, comunicadores, precisa ser de conhecimento de toda a sociedade. Tive a honra de ser a relatora e autora do texto final (na época, era deputada federal) e posso dizer com muita propriedade que construímos uma legislação robusta, inovadora e que completou uma década chancelando a potência dos brasileiros com deficiência. Foi o nosso segmento que arregaçou as mangas e participou de toda a construção. Uma verdadeira lição de democracia ensinada ao Brasil pelas pessoas com deficiência", diz Mara Gabrilli.

"A Lei Brasileira de Inclusão foi um marco civilizatório no país. E digo isso com a convicção de quem teve o privilégio de ser o relator da proposta no Senado. Um trabalho construído com muita escuta, respeito e cuidado. Foi elaborada com a ampla participação de pessoas com deficiência, especialistas, familiares e ativistas. Não se trata apenas de um conjunto de artigos. A LBI é o Estatuto da Pessoa com Deficiência no Brasil, aprovada por unanimidade pelo Congresso e e fundamentada nos princípios da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência", afirma Romário.

"A LBI é motivo de comemoração para os movimentos sociais que defendem direitos humanos para as pessoas com deficiência. Reúne os principais direitos e ela dá operacionalidade à Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que é texto da nossa própria Constituição brasileira, fruto dessa mobilização. Beneficia quem tem deficiência, suas famílias também, instituições, assim como as políticas públicas ganham maior efetividade com o cumprimento da Lei Brasileira de Inclusão. Então, há muito a se comemorar", ressalta Anna Paula Feminella.

"Ainda temos artigos pendentes de regulamentação, como o instrumento de avaliação biopsicossocial da deficiência no Brasil e a formação e a atuação do profissional de apoio escolar, por exemplo. Temos ainda o uso do instrumento da tomada de decisão apoiada e a fiscalização e o aperfeiçoamento de direitos que, mesmo já estando em vigor, ainda não são cumpridos plenamente, como o direito ao saque do FGTS para a aquisição de órteses e próteses, que hoje não atende como deveria. Por outro lado, se hoje podemos cobrar por tudo isso é porque construímos essa poderosa ferramenta para exigir direitos", acrescenta Mara Gabrilli.

"Um dos pontos mais críticos é a ausência da regulamentação da avaliação biopsicossocial. Sem esse instrumento, fica difícil até mesmo identificar a pessoa com deficiência para fins de acesso a direitos, benefícios e serviços. Isso impacta diretamente a vida de quem mais precisa da proteção da lei. Também me preocupa o desconhecimento da LBI em diferentes esferas da sociedade, inclusive dentro do judiciário e da segurança pública. Ainda vemos decisões que desconsideram avanços fundamentais da legislação, como a capacidade civil da pessoa com deficiência, o novo entendimento sobre curatela e a centralidade da autonomia e da dignidade. Isso mostra que precisamos investir em formação, em correção de práticas e na efetiva disseminação do conteúdo da LBI", reforça Romário.

"Ampliar a participação social das pessoas com deficiência, ampliar os recursos de acessibilidade e dar, como uma lei viva, uma lei que se fortalece no cotidiano da vida das pessoas com deficiência, é motivo para que a gente cada vez mais difunda essa lei, difunda de formas acessíveis e, principalmente, forme agentes públicos e privados para reconhecer os direitos da pessoa com deficiência, reconhecer que a discriminação em razão de deficiência é algo que faz mal a toda a democracia do nosso país, que a gente precisa consolidar a LBI para que a gente tenha um país mais democrático, um país mais inclusivo, presente e um Estado presente na vida de todas as pessoas", defende Anna Paula Feninella.

Avanços - As atuações de Mara Gabrilli e Romário no Senado em prol dos direitos da população com deficiência exemplificam a necessidade da representatividade do povo com deficiência no Congresso Nacional, principalmente diante dos frequentes ataques a conquistas e constantes tentativas de flexibilizar garantias, sobretudo na educação e no trabalho, áreas essenciais para que a inclusão e a cidadania sejam fortalecidas e ampliadas.

"Infelizmente, ainda não há um esforço coordenado, por parte do governo federal, para regulamentar a Lei Brasileira de Inclusão como um todo. O que vemos são iniciativas pontuais, muitas vezes fragmentadas e desconectadas entre si, o que dificulta bastante a aplicação plena da lei. Uma legislação como a LBI, que tem impacto direto sobre a vida de milhões de pessoas, não pode depender apenas de ações isoladas. Sigo cobrando, legislando e propondo ações para que a LBI aconteça de verdade. A regulamentação integral não é apenas necessária, é urgente. Inclusão não pode ser só discurso. Ela tem que estar no transporte público, na escola, no trabalho, no atendimento do SUS. Ela tem que estar no dia a dia das pessoas. São muitos os direitos previstos na lei que ainda não se concretizaram. Não por falta de previsão legal, mas por falta de regulamentação e vontade política", diz Romário.

"Nesses dez anos de sanção, posso afirmar que conseguimos regulamentar a Convenção da ONU no Brasil, algo que poucos países fizeram pelo mundo, e alcançamos direitos que mudaram não só a vida de quem tem deficiência, mas de toda a sociedade, que precisou rever muita coisa. E eu sempre uso o exemplo das mudanças na área da educação: a LBI avançou muito quanto a previsão de multa e reclusão ao gestor que recusar ou dificultar a matrícula do aluno com deficiência. Antes, a lei dizia que deveria haver 'uma justa causa', mas o que seria justa causa para discriminar? Isso já não cabe mais! E significa que nenhuma escola particular ou pública, nenhuma faculdade, nenhuma instituição pode hoje cobrar taxa extra de qualquer aluno com deficiência ou recusar sua matrícula. Falamos de uma prática que antes era recorrente no Brasil. Com a LBI, a discriminação não é mais normalizada, ao contrário, ela é punida", completa Mara Gabrilli.

Mudanças nos últimos dez anos? - Na reportagem do blog Vencer Limites publicada no dia da sanção da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, 6 de julho de 2015, escrevi sobre a necessidade de uma estrutura robusta de fiscalização para que a força da LBI mostrasse resultados.

"A Lei Brasileira de Inclusão é uma vitória substancial, mas não terá nenhuma força caso a fiscalização, hoje muito superficial e pouco abrangente, não seja fortalecida. Isso porque, apesar de tantos esforços, ainda há no País um abismo entre as pessoas com deficiência e a acessibilidade real, completa, de fato. E essa realidade diária se apresenta em diversas situações. Em escolas que recusam a matrícula de crianças com deficiência ou não permitem a contratação de monitores específicos. Em serviços de saúde pública que não têm incluídas especializações para tratar, por exemplo, pessoas com o Transtorno do Espectro Autista. Na ausência de equipamentos básicos como rampas e elevadores. Na falta de recursos como braile, Libras e audiodescrição em eventos culturais. Em pouquíssimos dispositivos e espaços reservados no transporte público. E na falta de conhecimento geral sobre esse universo que envolve mais de 45 milhões de cidadãos brasileiros (dados do Censo IBGE 2010).

De nada adianta fechar os olhos, cobrir a realidade, e não admitir que o preconceito e a discriminação fazem parte do cotidiano de pessoas com deficiência. É uma realidade presente, mesmo quando disfarçada. No mercado de trabalho, mesmo com a Lei de Cotas, muitas vagas criadas para esses trabalhadores desprezam conhecimento e habilidades. Buscam exclusivamente um número, com base no percentual exigido. Há pouco investimento neste processo, principalmente porque a pessoa com deficiência ainda é colocada em um 'categoria' abaixo de pessoa.

Não é uma exclusividade do Brasil entender, equivocadamente, que a pessoa com deficiência deve aceitar, sem questionar, qualquer oportunidade que lhe é oferecida, somente porque, afinal, foi o que conseguiu-se arranjar. Trata-se de uma abordagem global, em escalas distintas, de acordo com a situação econômica, cultural e educacional. Mesmo em nações desenvolvidas, pessoas com deficiência são negligenciadas, esquecidas, abandonadas, deixadas à margem. Ou até mesmo tratadas como inúteis, incapazes de cuidar da própria vida.

Especialistas são unânimes em afirmar que, mesmo antes da Lei Brasileira de Inclusão, a legislação brasileira referente aos direitos da pessoa com deficiência é completa e abrangente, mas a fiscalização, novamente, é precária. Sendo assim, é necessário perguntar se estamos no caminho certo ou se precisamos reavaliar as políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência. A LBI tem um significado muito mais profundo porque provoca a discussão e retira o 'manto da invisibilidade' que esconde as entranhas desse tema. É um caminho, mas não um milagre".

Deixo a você, que leu tudo acima e chegou aqui, o espaço aberto para responder: houve mudança?

Estadão
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