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"Eu aprendi a ser minoria”, diz mãe de criança trans

Thamyris Nunes conta como foi o processo da descoberta e da ressignificação da maternidade no Instagram e em palestras

15 mai 2022 - 05h00
(atualizado em 18/5/2022 às 17h42)
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Thamirys enfrentou o preconceito de amigos e familiares e ainda enfrenta uma rotina de muita batalha com Agatha
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Foto: Arquivo Pessoal

Ao acessar a página @minhacriancatrans, no Instagram, é impossível não se derreter com tanta ternura entremeada ainda por boas informações sobre a questão da criança trans no Brasil, formatadas por Thamyris Nunes, 32 anos, mãe de Agatha, 7 anos. Para chegar até esse ponto, no entanto, o caminho foi árduo, conforme Thamyris contou ao Nós em entrevista por videochamada.

Thamyris relata que sonhava em ter um menino – quando conheceu o futuro marido, ela dissera que lhe daria um filho homem e estaria disposta a engravidar quantas vezes fossem necessárias para isso. E bingo! Conseguiu de primeira e, na saída da maternidade, ligou para um vasectomista, porque não queria mais engravidar. 

Aos 2 anos Bento, o filho tão esperado, não seguia o padrão esperado: não gostava de carrinho, de bola ou de heróis. Ao contrário, era atraído por sapatos femininos, vestidos e maquiagens. A psicóloga – "bem recomendada" – deu o veredito: os pais não estavam conseguindo "ensinar o masculino" para a criança, já que "a mãe era muito vaidosa e o pai, ausente".

O resultado foi uma mudança radical na vida em famíia. "Passei dois anos da minha via sem usar salto alto, maquiagem, brinco comprido e vestidos", lembra Thamyris. Os pais também trocaram os brinquedos de Bento por todos os heróis da Marvel e, com 2 anos, a criança escutava heavy metal. Porém, cada vez mais o filho se revoltava com as imposições. Até ir ao shopping virou um suplício, pois o filho queria comprar itens femininos como sapatos com brilho. "Me sentia numa prisão: não podia usar salto, maquiagem, vestido e agora não podia ir a muitos lugares com minha criança", conta. 

Com pouco mais de 3 anos, o filho começou a verbalizar os sentimentos, com frases do tipo: "Sabe o que é triste? Eu não ter nascido menina, porque seria bem mais legal" e "Se eu morrer, posso nascer menina?". Esses questionamentos bateram forte. 

Cansada, Thamyris resolveu ceder diante da tristeza profunda e ansiedade da criança. No aniversário de 4 anos, falou: "Meu amor, a partir de hoje você usa a roupa que você quiser, brinca com o que você quiser e pode ser quem você quiser". A partir disso, viu sua criança começar a ser feliz, mas, ela mesma, foi para o seu inferno pessoal. "Eu queria um menino e ninguém tinha me ensinado a ser mãe de um menino que usa vestido e brinca de boneca", diz.

Cansada da tristeza da criança, Thamirys disse à filha para ser quem quisesse ser
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Foto: Arquivo Pessoal

Sentiu, então, que não tinha mais lugar para ela na sociedade. "De repente, passei a não ser mais convidada para os lugares porque meu filho ia de vestido. Comecei a ser julgada porque achavam que eu estava provocando e incentivando aquilo", conta. E, ao mesmo, vivia os dilemas de precisar ressignificar a  maternidade, porque não queria abrir mão daquele menino. "Mas a cada dia que passava, ele ia embora diante dos meus olhos: cada lacinho, o cabelo crescendo, o brinco na orelha. Eu chorava e entrei em depressão. E me vi num lugar de muito abandono e julgamento", lembra.

Thamyris tinha medo dessa menina que surgia. Pensava: "Como posso amar alguém que está levando embora a pessoa que mais amo? Como amar um filho que leva embora a imagem do filho que você ama?". Com o laudo de diagnóstico de incongruência de gênero em mãos, explica que o resultado falou mais sobre ela do que sobre a criança. “Provava que eu não era louca nem fazia o todo mundo me acusava", diz.

"Eu sou uma mulher branca, classe média alta, cheia de privilégios. Apesar de ser mulher, não entendia tanto o que é ser minoria", confessa. Mas se viu, em 2019, sendo abandonada pelo Estado, família e amigos, sendo escorraçada e julgada na escola, tendo de olhar para sua maternidade de forma diferente e entender o que fazer com uma menina em casa e como aprender a amá-la. 

A família mudou de casa, de escola e a vida começou a se encaixar. “Um ano depois, eu já era uma pessoa feliz. É claro que tenho meus medos, minhas dificuldades, minhas dores. Às vezes sonho com o Bento, acordo com saudade e choro. Mas vivi em 2020 de uma forma que a Thamyris de 2019 nunca achou que seria”, conta. Foi se ajustando à nova configuração. "Aprendi a ser minoria", fala.

O livro "Minha Criança Trans" surgiu durante a pandemia com a necessidade de falar para as muitas mulheres que devem estar trancadas em casa com seus filhos sem poder sair pra pedir socorro ou espairecer. Porém, nenhuma editora se interessou. Com um empréstimo pessoal, ela bancou o projeto e começou a vendê-lo no Instagram.

A partir daí surgiram as lives, os seguidores e o convite para trabalhar com voluntária numa ONG. Largou o emprego e cortou os custos em casa para suprir a perda do seu salário. "Abri mão de muitas coisas para lutar por políticas públicas", afirma. Hoje Thamyris acumula mais 75 palestras realizadas em faculdades e escolas públicas, empresas e hospitais. Seu livro concorreu ao Prêmio Jabuti e, enquanto escreve o segundo, vive as belezas da maternidade possível e real ao lado de Agatha.

Fonte: Redação Nós
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