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Das 32 seleções da Copa Feminina só 12 têm mulheres como técnicas

Número representa menos de 40% do total de times e reflete o machismo persistente que acompanha o futebol feminino

11 jul 2023 - 05h00
(atualizado em 21/7/2023 às 11h53)
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Seleção brasileira em foto oficial com Lula e Janja: uma das nove equipes comandadas por mulher na Copa do Mundo feminina
Seleção brasileira em foto oficial com Lula e Janja: uma das nove equipes comandadas por mulher na Copa do Mundo feminina
Foto: Divulgação CBF/@maga.thais

Faltam menos de dez dias para a estreia da Copa do Mundo feminina, que neste ano acontece entre 20 de julho e 20 de agosto na Austrália e Nova Zelândia. A cada edição o evento ganha não só prestígio e interesse como robustez: em 2019, audiências de televisão nunca antes registradas levaram a FIFA a ampliar as vagas para 32 participantes. Mas, apesar dessa mudança significativa, apenas 12 seleções têm mulheres no cargo de treinadoras.

As 12 técnicas comandam as seleções do Brasil (Pia Sundhage), da Alemanha (Martina Voss-Tecklenburg), da Inglaterra (Sarina Wiegman), do Canadá (Bev Priestman), do Japão (Asako Takakura), da Itália (Milena Bertolini), da Irlanda (Vera Pauw), da Costa Rica (Amelia Valverde), da África do Sul (Desiree Ellis), da Suíça (Inka Grings), da Nova Zelândia (Jitka Klimkova) e Noruega (Hege Riise). 

Das veteranas, como Pia e Milena, às treinadoras na faixa dos 30 anos de idade, como Amelia e Bev, todas têm trajetórias de sucesso no esporte. 

Pia Shundage: sueca à frente da seleção brasileira é rara exceção em esporte tradicionalmente comandado por homens
Pia Shundage: sueca à frente da seleção brasileira é rara exceção em esporte tradicionalmente comandado por homens
Foto: Divulgação CBF/@maga.thais

Entre as seleções comandadas por homens, figuram Estados Unidos e França – times com longa tradição no futebol feminino, que poderiam muito bem contar com ex-jogadoras no posto de treinadoras. As seleções nacionais destes países têm mais de vinte anos de gramado. 

Veto aos gramados

A prática do futebol feminino no Brasil foi proibida para as mulheres de 1941 a 1979, após um decreto-lei assinado pelo então presidente Getúlio Vargas. Segundo o documento, esportes de contato físico eram "incompatíveis com as condições de sua natureza". O futebol feminino só voltou realmente à legalidade em 1983 – para efeito de comparação, as seleções masculinas já tinham conquistado três Copas do Mundo (1958, 1962 e 1970) e Pelé já era reconhecido nos quatro cantos do planeta.

"Estatisticamente, os técnicos dos clubes e seleções são ex-jogadores. Então, começa por aí: a gente não tem uma ampla categoria de ex-jogadoras de futebol, e isso é algo que acontece em todo o mundo, para que se tenha hoje treinadoras profissionais", comenta Giovana Capucim e Silva, pesquisadora, mestra em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro "Mulheres Impedidas - A Proibição do Futebol Feminino na imprensa de São Paulo" (Ed. Multifoco).

Falta de estrutura e machismo

Para a jornalista Roberta Nina Cardoso, co-fundadora do Dibradoras, veículo que faz cobertura de esportes femininos desde 2015, como as mulheres precisaram começar sua trajetória na modalidade de maneira tardia (não só no Brasil), o futebol feminino ainda sofre com os efeitos da proibição.

"Destaco a pouca estrutura para desenvolvimento da prática, a pouca visibilidade na mídia e os salários baixos. Muitas atletas ainda são tratadas como amadoras, ou seja, sem ter contrato profissional com um clube. O patamar só mudará quando todos os agentes envolvidos no esporte, como clubes, federações, confederações, marcas esportivas, patrocinadores e imprensa, proporcionarem condições iguais de desenvolvimento da modalidade para homens e mulheres", observa.

Júlia Vergueira, da Nossa Arena: os responsáveis por escolher os cargos técnicos ainda são, na maioria, homens
Júlia Vergueira, da Nossa Arena: os responsáveis por escolher os cargos técnicos ainda são, na maioria, homens
Foto: @vergueirojulia

O machismo da sociedade patriarcal predominante no esporte é o ponto crucial a ser combatido no ponto de vista de Júlia Vergueiro, sócia-fundadora da Nossa Arena, espaço localizado na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, que recebe mais de 700 mulheres todas as semanas. "Se já é difícil para a sociedade reconhecer que as mulheres podem jogar e ter sucesso como atletas dentro de campo, que dirá assumir que somos detentoras de conhecimento suficiente para ensinar futebol a outra pessoa", compara.

"Existem muitas profissionais com potencial para serem treinadoras de grandes equipes e seleções, mas o espaço para elas é limitadíssimo. Os responsáveis por escolher as pessoas que ocuparão esses cargos ainda são, na sua maioria, homens. Homens que só conhecem outros homens dentro desse ambiente e que portanto sempre buscam indicações e referências nos mesmos círculos. Não é à toa que esse problema também existe em outros esportes. A lógica é a mesma", lamenta.

Oportunidade de liderança

No Brasil, são recentes as primeiras turmas de mulheres que se formaram como treinadoras em cursos oferecidos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). "Notamos um crescimento rápido da modalidade, nos últimos cinco anos, com mais investimento em todos os setores, transmissão em rede aberta, vasta cobertura da mídia, profissionalização gradativa dentro dos clubes e mais competições, entre outros exemplos", diz Carolina Pohl, sócia-proprietária da assessoria esportiva Sow Sports e agente FIFA. "Porém, no dia a dia ainda nos deparamos com uma cultura machista que é persistente e que precisará de algum tempo, além de um compromisso coletivo, para ser renovada."

Carolina Pohl, agente FIFA: modalidade cresceu nos últimos cinco anos, mas é preciso compromisso para combater desigualdade de gênero
Carolina Pohl, agente FIFA: modalidade cresceu nos últimos cinco anos, mas é preciso compromisso para combater desigualdade de gênero
Foto: @carolpohl

Um ponto essencial que as quatro entrevistadas por Terra NÓS ressaltaram, referindo-se à discrepância de gênero à frente dos cargos de treinador na Copa 2023, é que a falta de oportunidades para as mulheres em cargos de poder – não somente no esporte – é uma questão que escancara o modo como a sociedade enxerga as mulheres, os papéis que lhes são "destinados" e os espaços que podem ou não ocupar.

"No futebol, assim como em tantas outras áreas, é preciso esforço coletivo para reconhecer a legitimidade da presença da mulher e não vê-la como 'invasora', com dó ou como cota, como diversas pessoas ainda gostam de enxergar", resume Giovana.

ERRATA (atualizado em 21 de julho, às 11h05): diferente do publicado anteriormente, esta edição da Copa do Mundo feminina conta com 12 técnicas mulheres, e não 9.

Fonte: Redação Nós
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