Anac amplia prazo da consulta pública sobre norma que ataca a autonomia das pessoas com deficiência
Episódio 185 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado (Rádio Eldorado FM 107,3 SP).
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) prorrogou até 26/5 o prazo da consulta pública sobre a Resolução nº 280/2013, que propõe mudanças no atendimento a pessoas com deficiência nos aeroportos e aviões.
"A ampliação do prazo visa a possibilitar a participação de mais pessoas com o objetivo de aprimorar a proposta, inclusive seu texto, permitindo a construção de uma nova norma fundamentada em princípios como autonomia, acessibilidade, não discriminação, informação adequada e segurança operacional. Com a prorrogação, a Anac reafirma seu compromisso com a participação popular, almejando melhorar a redação da nova resolução e garantir que ela esteja compatível com o principal objetivo da Agência, que é ampliar o acesso ao transporte aéreo, sempre com respeito às regras de segurança", diz a Anac.
Desde a abertura dessa consulta, em janeiro, uma pergunta básica ainda não está respondida: pessoas com deficiência serão expulsas de aviões e nem sequer poderão questionar essa decisão unilateral das companhias aéreas?
Uma audiência pública foi feita em 13/3, com participação de instituições que representam as pessoas com deficiência (leia aqui a reportagem completa).
Dois pontos da proposta se destacam: a alteração do conceito sobre quem é esse passageiro com necessidade de assistência especial, chamado de PNAE, e a permissão à empresa aérea de decidir de maneira unilateral qual pessoa com deficiência tem autonomia e independência para viajar sozinha.
Conceito - A resolução estabelece que (artigo 3) "passageiro com necessidade de assistência especial (PNAE) ao serviço de transporte aéreo é entendido como qualquer pessoa que, por alguma condição específica, tenha limitação na sua autonomia ou mobilidade como passageiro e que requeira assistência especial", ou seja, toda e qualquer pessoa que se apresente com essas características.
É fundamental ressaltar aqui que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015) considera pessoa com deficiência (artigo 2) "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Isso significa que, para a atual legislação brasileira, a pessoa com deficiência tem direito garantido à acessibilidade que garante a sua cidadania e não é responsável pela construção e oferta desses recursos.
Contraditório - No trecho que trata da autonomia e da independência do passageiro com necessidade de assistência especial, a proposta da Anac é, no mínimo, preocupante, além de contraditória.
A resolução afirma que esse passageiro com necessidade de assistência especial (artigo 14) "possui autonomia e livre arbítrio acerca de seus próprios cuidados pessoais, cabendo-lhe a decisão de viajar desacompanhado ou acompanhado", (artigo 15) "o transportador aéreo não pode restringir o transporte desacompanhado sob alegação de incapacidade dos próprios cuidados pessoais, podendo ser exigida autodeclaração assumindo plena responsabilidade por esses cuidados", e a pessoa (artigo 17) "com condição severa de limitação de autonomia ou mobilidade é impedida de viajar desacompanhada por avaliação do transportador aéreo sempre que, (item III) em virtude de limitação motora severa, não esteja apto a participar fisicamente da sua própria evacuação da aeronave em caso de emergência".
Como isso funcionaria na prática? Uma pessoa paraplégica que usa cadeira de rodas, por exemplo, pode ter autonomia para fazer tudo sozinha, inclusive entrar em sair do aeroporto e do avião pelos meios de acessibilidade exigidos por lei, fazer a própria movimentação entre a cadeira de rodas e a poltrona do avião, e não precisa de nenhum acompanhante. Alguém com amputações e que usa, ou não, próteses, também pode ser plenamente capaz de se cuidar sozinha. Um indivíduo que se locomove apoiado em muletas também pode ser independente. Então, quais seriam os critérios para determinar essa "limitação motora severa"?
Nesse sentido, a sequência da resolução estabelece que (artigo 19) "o passageiro é responsável pela informação prévia ao transportador aéreo acerca de sua aptidão e saúde física e mental para realização de voo", mas esse passageiro pode ter o embarque impedido se (item IV) "causar perigo ou desconforto a outros passageiros devido sua condição física ou comportamental".
Especialmente neste trecho, a proposta da Anac mostra-se capacitista e discriminatória. Qual "perigo ou desconforto" uma condição física pode gerar a outros passageiros?
Anac responde - Na publicação de 25/2/25 do blog Vencer Limites, também data do episódio 180 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado, a Agência Nacional de Aviação Civil declarou que "a construção da proposta contou com a colaboração de usuários, agentes do setor aéreo, órgãos de promoção dos direitos das pessoas com deficiência e unidades técnicas da Anac. Esse processo busca assegurar que a regulação atenda de forma abrangente as necessidades de todos os envolvidos e seja um marco na promoção da acessibilidade e da inclusão no transporte aéreo" (leia aqui a resposta completa).
"Risco de discriminação" - Não houve participação na audiência pública de integrantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD), além do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade).
Questionado, o MDHC respondeu que tem colaborado com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) na revisão da Resolução n° 280, de 2013. "Pela nossa perspectiva, a minuta da resolução traz avanços importantes -- por exemplo, ao reforçar a autonomia de decisão do "passageiro com necessidade de assistência especial" (PNAE) quanto ao seu cuidado e assistência. Ainda assim, há pontos que precisam de mais atenção. Sob o argumento de mitigar um risco ínfimo -- de não evacuação de pessoas com limitação motora severa (condição muito rara) em caso de emergência (situação muito rara) --, a manutenção do inciso III do caput do art. 17 ensejaria riscos muito maiores de discriminação" (leia aqui a resposta completa).
