No Brasil, cada concessionária vende só 24 carros, diz ex-presidente da Anfavea
Rogelio Golfarb, que participará do Summit Mobilidade 2025, diz que contribuição do setor de veículos para o PIB é subestimado
Na próxima quarta-feira (28), o Estadão promove a edição de 2025 do Summit Mobilidade. Neste ano, o evento, que ocorre no Teatro Bravos, em Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, terá seis painéis e reunirá cerca de 30 especialistas de vários setores ligados à mobilidade. Além disso, contará com a participação de representantes dos governos federal, estadual e municipal. Do painel A Perspectiva da Indústria: O Brasil como protagonista, um dos participantes é Rogelio Golfarb. Ex-vice-presidente da Ford América do Sul, de onde saiu em 2024 após mais de quatro décadas de atuação, o ex-presidente da Anfavea, que reúne as fabricantes de veículos do País no período de 2004 a 2007, falou com exclusividade ao Jornal do Carro sobre o setor de veículos no Brasil. Veja, abaixo, os principais trechos da conversa.
Em 2024, as fabricantes instaladas no Brasil produziram cerca de 2,5 milhões de veículos. Houve alta de 9,7% em relação aos números de 2023 e, com isso, o País voltou a ser o oitavo maior fabricante do mundo. Porém, boa parte da capacidade instalada está ociosa. O que é preciso fazer para destravar o setor?
Atualmente, a capacidade instalada da indústria de veículos no Brasil é de 4,6 milhões de unidades por ano. Porém, embora os números de 2024 tenham crescido em relação aos de 2023, as vendas foram de cerca de 2,6 milhões de unidades, considerando modelos leves e pesados. E porque não conseguimos aumentar a produção, ampliar o mercado interno e as exportações? Porque temos problemas em relação à competitividade. No mundo todo, a economia vem crescendo menos nos últimos anos. Com isso, há excesso de produção e sobram veículos. Precisamos melhorar a competitividade do setor sobretudo no que diz respeito às novas tecnologias. É claro que não vamos ter protagonismo em tudo. Mas, se não melhorarmos nossa capacidade de oferecer soluções tecnológicas modernas, corremos o risco de, em breve, produzir apenas a "casca" de carros, e não sistemas eletrônicos, por exemplo, que garantem maior valor agregado aos nossos produtos.
Mas a indústria, de modo geral, parece que vem perdendo relevância no Brasil. O que precisaria ser feito para mudar esse cenário?
Como eu disse, a indústria brasileira, pelo menos a do setor de veículos, não é competitiva globalmente. No Brasil, o agro é um bom exemplo alta competitividade. Seja como for, no País a contribuição do setor automotivo para o PIB é subestimada. De todo modo, a intensidade tecnológica da indústria brasileira caiu. Portanto, isso cria um cenário favorável à importação de novas tecnologias, como sistemas eletrônicos e soluções de conectividade. Para sobreviver no Brasil, o setor automotivo precisa crescer. Só assim teremos mais investimentos, melhor distribuição de renda e aumento do consumo e da arrecadação.
Mas estamos vendo a chegada de várias marcas de veículos, com anúncios de novos investimento e promessas de mais empregos. Isso não é suficiente para garantir a retomada do crescimento do setor?
De fato, estamos vivendo um momento de alta do número de montadoras e da oferta de produtos no País. Porém, isso não vai, necessariamente, melhorar nossa performance ante outros grandes players globais. O nome de jogo é intensidade tecnológica. Ou seja, oferecer cada vez mais e mais produtos modernos e alinhados com o que a indústria de ponta tem lá fora. Mas é preciso foco. Hoje, a complexidade da oferta de tipos de powertrain, por exemplo, é enorme. Temos carros só a combustão, híbridos, híbridos plug-in (as baterias podem ser recarregadas em tomadas), elétricos... Isso também contribui para reduzir a escala de produção. Se somarmos as baixas vendas, a carga tributária, de cerca de 40%, e as taxas de juros, de cerca de 29% sem contar a inflação, temos uma tempestade perfeita que afeta fortemente o setor. Além disso, a alta oferta tanto de marcas quanto de modelos faz com que, cada concessionária do País venda, em média, apenas 24 veículos por mês (excluindo motos e máquinas agrícolas, bem como vendas diretas), o que é um desafio enorme para a sustentabilidade da operação.
No passado, era comum as montadoras recorrerem ao governo federal para obter subsídios para ampliar as vendas. É o caso da redução (temporária) de impostos como o IPI, por exemplo. Porém, o mais recente, de 2023, que contemplava veículos com tabela de até R$ 120 mil, não alcançou grandes resultados. Qual seria a fórmula para ampliar as vendas?
Em 2024 as vendas cresceram 14% e em 2025, a projeção é de que o aumento seja de 6,5%. Portanto, se isso ocorrer, estamos falando de menos de 2,8 milhões de unidades. Quando comparamos com a capacidade instalada no País, é muito pouco. Para melhorar esses números, uma reforma tributária profunda e chamado "IPI verde" podem ser eficazes. Não se trata de privilegiar as montadoras, mas de criar mecanismos para que a economia cresça. O IPI verde, por exemplo, é parte do Programa Mover, que visa dar novo fôlego ao setor. Ou seja, prevê a redução do Imposto de Importação para que as fabricantes possam importar peças e componentes que não têm similar feito no Brasil. Além disso, determina a cobrança de taxas diferenciadas conforme parâmetros como o tipo de energia usado pelo trem de força, consumo energético e o potencial de reciclagem de itens do veículo, entre outros. Isso pode não resolver o problema do setor no Brasil, mas sinaliza o que está por vir.
O Summit Mobilidade Estadão acontece no dia 28 de maio, das 8h30 às 18h, no Teatro Bravos (Instituto Tomie Ohtake), em São Paulo.
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