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Reviravoltas, tensão e muita garra... Lembre como foi o último ouro do Brasil no futebol masculino no Pan

Em 1987, equipe comandada por Carlos Alberto Silva subiu, pela última vez, no lugar mais alto do pódio. Atletas revelam bastidores e opinam sobre jejum do Brasil no torneio

6 ago 2019 - 15h13
(atualizado às 17h43)
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Não procure pelo Brasil no torneio de futebol masculino dos Jogos Pan-Americanos de 2019, que está sendo disputado em Lima, no Peru. A Seleção ficou na quinta colocação do hexagonal final do Campeonato Sul-Americano Sub-20, que dá vagas para o Pan e para a Copa do Mundo da categoria. Equador, Argentina e Uruguai se classificaram, enquanto o Peru tinha a vaga garantida por ser o país-sede. Assim, restam aos brasileiros longínquas memórias do seu mais recente ouro na competição.

Em 1987, o Brasil reunia-se para a disputa do Pan-Americano de Indianápolis, nos Estados Unidos. Porém, com severos desfalques. Carlo Alberto Silva, inicialmente, se baseara no elenco que havia disputado o Pré-Olímpico em abril daquele ano para fazer a convocação. No entanto, jogadores como Jorginho, Romário, Bebeto e Mirandinha não foram liberados por Vasco, Flamengo e Palmeiras, respectivamente. Entre lesões e atletas vetados pelos clubes, o Brasil teve apenas 11 jogadores no primeiro treino realizado nos EUA - incluindo Raí e Douglas (do Cruzeiro), que também apresentavam problemas físicos. - A gente precisou de muita garra lá em Indianápolis. O Vasco não liberou jogadores, o Flamengo também boicotou. A gente teria só 11 jogadores, e ainda com algumas complicações. Aí o "seu" Carlos Alberto (Silva, treinador) teve de chamar mais gente. Foi aí que vieram o Careca, do Cruzeiro, que jogou muito, o Washington (Fluminense), Ademir (Cruzeiro), André Cruz (Ponte Preta) - conta o zagueiro Geraldão, na época, jogador da Raposa.

COBERTOR CURTO: Brasil iniciou preparação nos EUA com 11 jogadores (Foto: Reprodução)

- Era meu primeiro ano como profissional, tinha acabado de ser campeão mineiro pelo Cruzeiro. Estava na minha casa passando uns dias quando chegou o pedido para eu me apresentar lá na CBF. Aí, foi aquela correria para arrumar as malas, porque eu ia para o Pan-Americano em Indianápolis - contou Careca, que acabou disputando o Pan com uma numeração nada comum para um atacante:

- Pois é, joguei com a 2 e até hoje não sei o motivo. Acho que foi para confundir os adversários (risos).

Também influenciado pelos percalços em relação à convocatória, Ricardo Rocha teve de voltar às suas origens:

- Eu, que já jogava de zagueiro há um ano e meio, tive que voltar à lateral. Porque alguns, como o Jorginho, foram cortados. Foi tudo muito conturbado, eu fazia uma nova readaptação, mas foi preciso. Precisávamos nos unir. Era um grupo unido consciente das limitações que tínhamos - disse Ricardo Rocha.

AUXÍLIO...DA SELEÇÃO DE HÓQUEI!

Mesmo com os desfalques, a Seleção que seguiu para o território estadunidense contava com ótimos nomes: Além de Taffarel e Ricardo Rocha, que mais tarde seriam campeões da Copa do Mundo de 1994, estava Valdo, convocado para o Mundial do ano anterior e que depois esteve na Copa de 1990.

Outros nomes com "bagagem" de decisões eram Evair e João Paulo, que ao lado de Ricardo Rocha, chegaram à final do Campeonato Brasileiro de 1986, com o Guarani. Enquanto sobrava qualidade, faltava em quantidade. O número reduzido de jogadores proporcionou uma situação para lá de inusitada, lembrada com carinho pelo elenco brasileiro.

- Tínhamos entorno de 15 jogadores, não havia como fazer coletivos. Então o Carlos Alberto pediu o apoio da galera da seleção de Hóquei (de Patins), e os garotos foram sensacionais (aos risos). Eles faziam coletivo com a gente, posicionamento...depois que a gente conta, a gente ri, brinca, mas foi tudo muito complicado. Depois coroamos com o título, mas foi uma coisa engraçada - conta Ricardo Rocha.

- Muitos deles tinham talento para futebol, não em alto nível, mas tinham o dom. Mas ainda bem que foi a seleção de futebol que teve lesões, porque se fosse ao contrário, seria muito mais complicado - brincou Valdo, meio-campista que marcou época em Grêmio, Benfica-POR, Cruzeiro e Botafogo.

ENCONTRO 'INDIGESTO' COM CHILENOS

No dia 10 de agosto de 1987, a Seleção Brasileira estreou no Pan-Americano de Indianápolis com uma goleada por 4 a 1 sobre o Canadá, considerado o time mais frágil da competição. Em seguida, venceu por 3 a 1 a equipe de Cuba, que era fisicamente muito bem dotada, mas, como ainda é hoje, não carregava tradição no futebol.

O primeiro grande desafio, no último jogo da primeira fase, seria contra o Chile, que um mês antes tinha sido o algoz da equipe canarinho na Copa América. Com o Brasil já classificado, Carlos Alberto Silva poupou alguns jogadores e o duelo acabou sem gols. As equipes viriam a se enfrentar novamente na final da competição, mas antes, o time brasileiro teve pela frente uma verdadeira batalha nas semifinais, contra o México.

GUERRA CONTRA OS MEXICANOS

A seleção mexicana, com um time semelhante ao que havia disputado em casa a Copa do Mundo de 1986, era a favorita à conquista em Indianápolis. O duelo entre 'La Tri' e o Brasil, as duas equipes mais técnicas do torneio, porém, foi marcado pela rispidez. Ainda no primeiro tempo, Ademir e España foram expulsos. A violência continuou no intervalo, quando os jogadores encontraram-se no túnel dos vestiários e trocaram fortes agressões, como revela Geraldão:

- O jogo com o México foi uma guerra. O nosso vestiário era próximo ao do México e, quando nós passamos, os caras puxaram o Ricardo Gomes pela camisa e encheram ele de porrada. Tanto que ele nem jogou contra o Chile. Bateram muitos nos nossos, o intervalo foi muito tenso. Foi o jogo mais brigado que tivemos, mas conseguimos vencer.

Mais tarde, em entrevista, o técnico brasileiro revelou que o centroavante Careca, muito alto, forte e muito corpulento, foi quem ajudou a segurar as pontas na 'guerra' no corredor dos vestiários:

- Geraldão, eu e Ricardo Gomes fomos para cima e deu uma confusão. Foi uma pancadaria! Mas na bola, a gente ganhou - comentou o ex-atacante do Cruzeiro, que curiosamente, disputou aquele mundial com a camisa 2.

No mesmo depoimento, Carlos Alberto Silva disse que o auxiliar técnico mexicano foi ao alojamento da Seleção, no dia seguinte, pedir desculpas. Segundo o mesmo, o treinador Mario Velarde teria dito aos seus jogadores, na preleção antes da partida, que o técnico brasileiro desejava para para os adversários um terremoto tão grave quanto o ocorrido dois anos antes.

O abalo sísmico de 1985 deixou cerca de 10 mil mortos na região da Cidade do México. Polêmicas de lado, após empate no tempo normal, a Seleção Brasileira venceu prorrogação por 1 a 0, com gol de Evair após cruzamento de Valdo, e voltou a encontrar os chilenos na decisão.

FINAL: CLIMA DE REVANCHE CONTRA O CHILE

Em 1987, Brasil conquistava último ouro no futebol masculino em Pan-americanos (Foto: Reprodução)
Em 1987, Brasil conquistava último ouro no futebol masculino em Pan-americanos (Foto: Reprodução)
Foto: Lance!

Cerca de dois meses antes do dia 21 de agosto de 1987, quando Brasil e Chile decidiram o futebol masculino do Pan de Indianápolis, os mesmos países entraram em campo pela Copa América. Também comandada por Carlos Alberto Silva, e com nomes que se repetiam em relação ao time que estavam nos EUA - como Geraldão, Valdo, Edu Maragon, Douglas, Raí, Nelsinho e Ricardo Rocha - o escrete canarinho foi goleado por 4 a 0 pelos chilenos e eliminado na primeira fase da Copa América.

- A gente tinha saído da Copa América justamente para o Chile e, da maneira como foi, passou a fazer a gente encarar como uma "revanche". E o jogo marcou época para muita gente. Washington foi guerreiro, além de fazer gol, no fim da partida estava jogando como lateral, segurando eles. A gente teve muita força - disse Geraldão.

Brasil e Chile decidiram o futebol masculino do Pan-Americano de 1987 (Foto: Reprodução)

Os dois jogos ainda foram marcados por outra coincidência. Assim como a derrota acachapante em julho de 1987, em Córdoba, na Argentina, a final do Pan teve a expulsão de Nelsinho, lateral-esquerdo do São Paulo. Um filme passava na cabeça da equipe brasileira.

- Nelsinho foi expulso, um jogador a menos, Ricardo rocha estava lesionado, Douglas lesionado… teve que haver um espírito de equipe muito grande. Ocupei mais o lado direito, já que o Douglas e o Rocha estavam mal. Jogamos fechadinho, saíamos no contra-ataque. Fizemos um grande jogo, baseado na solidariedade, amor e auto-ajuda - contou Valdo.

No fim das contas, o Brasil bateu a seleção chilena por 2 a 0, com gols de Washington e Evair. O primeiro deles nasceu em um lance de pura inspiração de Careca, em que o jogador arrancou pela esquerda, passou por dois marcadores antes de cruzar para atacante do Fluminense.

- Era uma jogada que eu sempre fazia desde o meu início no Cruzeiro. Recebi a bola no meio e arranquei pelo lado. Fui até a linha de fundo e joguei para o Washington. Ele era um jogador de área, alto, fazia muito a diferença para nós - explicou Careca.

PAPEL DE CARLOS ALBERTO SILVA

O atacante João Paulo não esconde que Carlos Alberto Silva teve muita força para a Seleção Brasileira conquistar seu ouro nos Estados Unidos:

- Ah, o Carlos Alberto Silva foi muito importante para a gente. Tínhamos trabalhado junto no Guarani, e ele apostou muito no trabalho que a gente fazia. Lembro que, além de mim, ele convocou o Ricardo Rocha e o Evair, que foi meu parceiro de ataque no ano anterior.

HISTÓRICO E JEJUM DE 32 ANOS

O futebol masculino está no programa do Pan-Americano desde 1951. A primeira medalha no Brasil na modalidade veio em 1959 - uma prata, após derrota para a Argentina na decisão, em Chicago-EUA. A estreia no lugar mais alto do pódio foi em São Paulo, em 1963, resultado que se repetiu em 1975, 1979 e 1987.

A partir da competição em Indianápolis, incluindo os jogos de Lima, lá se vão oito edições sem conquistas douradas no futebol para homens. Desde então, a equipe verde amarela levou uma prata, em Santo Domingo-2003, na República Dominicana, e um bronze, em Guadalaraja-2015, no México.

- O jejum uma incógnita para todos nós. Esses 32 anos sem ganhar o pan-americano são muita coisa. Não sei, talvez por ser uma competição que não interesse muito ao Brasil. Mas pelo que representa o futebol brasileiro, é muito tempo - opinou Ricardo Rocha.

- É uma pena, porque é uma competição muito bonita, uma 'mini-olimpíada', onde atletas de todas as modalidades, conhecidos no mundo inteiro, se misturam. Alguns atletas, que ainda figuram no amadorismo, se misturam com estrelas do esporte. É muito legal - completou Valdo.

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