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Concessão? Entenda o atual cenário do Pacaembu e o que pode acontecer

Prefeitura deseja repassar concessão do estádio à iniciativa privada. Questão, porém, não é unânime. LANCE! escutou poder público, associação de moradores e especialistas

11 mar 2018 - 09h06
(atualizado às 09h06)
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A possibilidade de concessão do Pacaembu à iniciativa privada voltou ao centro das atenções nos últimos dias, após queda de luz que paralisou o clássico entre Santos e Corinthians por 49 minutos. Outras quatro quedas na energia elétrica já tinham atingido o estádio durante jogos neste ano. O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), torcedor do Santos, estava no Pacaembu no clássico contra o Corinthians e menos de 24 horas após o duelo gravou um vídeo defendendo a concessão do estádio, ação prometida em sua campanha eleitoral e aprovada pela Câmara Municipal em agosto do ano passado: "O estádio tem 78 anos e precisa ser modernizado, precisa de tecnologia e muitos investimentos, inclusive para evitar os apagões de luz que infelizmente acontecem nesta região da cidade", disse o prefeito no vídeo publicado em suas redes sociais.

A questão da concessão, porém, não é unânime. Há correntes favoráveis e também contrárias. E qual é a melhor escolha para o futuro do estádio? O LANCE! escutou a Prefeitura, a associação de moradores do bairro do Pacaembu e especialistas, que detalharam os seus argumentos.

* Com a palavra: Secretaria Municipal de Esportes e Lazer

"A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer informa que o Complexo Pacaembu tem 78 anos e necessita de uma grande reforma que vai desde a parte elétrica (iluminação de Led, pois hoje é de sódio), modernização das instalações gerais, cabines de imprensa, construção de banheiros e, principalmente, acessibilidade. Além disso, trata-se de um equipamento que gera despesas para a Prefeitura. Em 2017, o custo do Pacaembu no primeiro semestre foi da importância de R$ 4.051.371,29 incluindo recursos humanos. Os valores referentes ao segundo semestre serão publicados em abril de 2018. Em 2016, o custo do Pacaembu, incluindo recursos humanos, ultrapassa os R$ 8 milhões e sua arrecadação foi bem menor que isso.

Diante desse cenário, fica evidente a necessidade da concessão do Complexo Paulo Machado de Carvalho, que também inclui seu centro esportivo, à iniciativa privada. O foco principal da concessão é modernizar o estádio e desonerar a prefeitura para que ela possa focar e investir nas áreas essenciais como saúde, educação, habitação, assistência social e mobilidade.

Será lançado ainda no mês de março o edital de concessão para consulta pública e, em abril, o edital final de licitação. O objetivo da gestão é que o concessionário mantenha a vocação esportiva do equipamento que é um patrimônio da Cidade de São Paulo, mas necessita de investimentos que o equiparem a outras grandes arenas."

OS APAGÕES NO PACAEMBU NESTE ANO

* Cinco problemas em oito partidas disputadas no estádio em 2018

- 19 de janeiro

Palmeiras 1 (2) x (3) 1 Portuguesa - Copa São Paulo de Futebol Júnior

Tempo de paralisação do jogo:

15 minutos

- 21 de janeiro

São Caetano 0 x 4 Corinthians

Tempo de paralisação do jogo: 31 minutos

- 24 de janeiro

Corinthians 2 x 1 Ferroviária

Tempo de paralisação do jogo: Os apagões ocorreram antes de depois do duelo, não atrapalhando a partida.

- 27 de janeiro

Corinthians 2 x 1 São Paulo

Tempo de paralisação do jogo: Sem interrupção. A rede voltou a funcionar rapidamente.

- 4 de março

Santos 1 x 1 Corinthians

Motivo do apagão: Segundo nota da prefeitura, "houve um problema na cabine primária, que é um equipamento do próprio estádio. Esse problema pode ter ocorrido em razão de oscilação na rede da Eletropaulo, da energia do gerador ou ainda por uma falha do próprio equipamento". A Eletropaulo negou falha em nota: "A Eletropaulo informa que não houve problema com o fornecimento na sua rede de distribuição de energia elétrica."

Tempo de paralisação do jogo: 49 minutos

Ecos do último apagão: A Prefeitura de São Paulo anunciou o afastamento do diretor do Pacaembu, José Eduardo Gomes, um dia após o ocorrido no clássico entre Santos e Corinthians. A Prefeitura decidiu também solicitar à Eletropaulo que estude a instalação de um novo circuito elétrico na região do Pacaembu e alertou aos clubes a necessidade de providenciar gerador para mandar partidas no estádio. Por fim, todos os jogos passarão, a partir de agora, a ser acompanhados por um engenheiro e equipe técnica da Eletropaulo.

Último apagão parou clássico por 49 minutos (Foto: Machado de Melo)

* Com a palavra: Rodrigo Mauro, presidente da Associação Viva Pacaembu (associação de moradores do bairro do Pacaembu)

"A Viva Pacaembu não é totalmente contrária a concessão do estádio. Mas ela tem que ter regras. Não adianta: "Ah, a gente dá um jeitinho". Primeiramente, existem dois tombamentos em questão. Há o tombamento do bairro e também do estádio pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). E são duas resoluções completamente diferentes, de anos diferentes. A do bairro é de 1991 e a do estádio é 1998. É preciso ter respeito aos tombamentos. O Tobogã é bonito ou feio? Eu até acho não muito bonito, mas ele estava lá no momento que houve o tombamento. Então ele tem que ficar ali. A partir do momento que você tira o Tobogã de lá, você abre um precedente para destombar outros imóveis no Brasil inteiro. Imagine alterar a lei de tombamento de um estádio que já foi palco de Copa do Mundo. Alterar o tombamento de um equipamento esportivo desse porte gera jurisprudência para o Brasil inteiro. Estamos em um bairro residencial, sinuoso, não há como ter um polo gerador de trafego tão grande. O bairro não foi pensado para isso. Foi fundado em 1925, 15 anos antes da abertura do estádio.

Depois, tem a questão da nossa sentença judicial. Ano passado, após 12 anos de briga no Superior Tribunal de Justiça, ganhamos a ação que diz o seguinte: "Qualquer evento no complexo do Pacaembu, desportivo ou não, não pode causar transtorno à saúde, sossego e segurança dos moradores do entorno do estádio". (Nota da redação: A sentença judicial da Viva Pacaembu faz com que não sejam permitidas realizações de shows no estádio). No Corinthians x Santos, o que fizeram no entorno não cumpriu a sentença. A quantidade flanelinhas, de ambulantes sem autorização, não poderia ter acontecido. Não somos contrários a realização de jogos, mas desde que haja regras. A sentença judicial está aí e ela deve ser cumprida. Vamos até a últimas consequências. Nos próximos dias vamos ao juiz e falar: Agora, faça-se cumprir a sentença: embargo administrativo para quem autorizou o jogo, pois causou transtornos.

Alguns dizem... "O pessoal da região do estádio não quer barulho". O barulho é só um dos problemas. Até agora eu não tinha falado sobre barulho. Tem ônibus que para em local proibido, carros que estacionam em local não permitido, consumo de drogas... No jogo de abertura do Paulista teve música, teve fogos, coisas que saíram da esfera esportiva. O mais incrível é que o Eduardo, administrador do estádio, que saiu, me ligou um dia antes e falou: "Vamos fazer uma festa de abertura". Perguntei se poderia levar moradores para medir o barulho. Colocamos dois moradores dentro do gramado e dois em suas casas. Medimos e chegamos em um acordo. Na hora H, não foi respeitado. Já pensando nisso, contratamos um perito, que ficou na casa de um morador e constatou tudo. Não é que a gente é chato, é que está acima do limite.

Voltando sobre a concessão, falamos com a prefeitura pela última vez no meio do ano passado. De lá para cá, não tivemos mais reuniões. Falaram que fariam o edital até o final do ano passado, mas não saiu. O Wilson Poit (Secretário de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo) prometeu que nós vamos participar do conselho que vai aprovar o edital. Estamos na espera.

QUAIS SERÃO OS PRÓXIMOS PASSOS?

*

No segundo semestre do ano passado, cinco propostas foram apresentadas no PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse) do Pacaembu. Segundo publicação do jornal "O Estado de S. Paulo", na última sexta-feira, as ideias do Consórcio Novo Pacaembu foram consideradas pelo conselhos de preservação municipal e estadual como as "mais compatíveis" com o estádio, o complexo esportivo vizinho e o próprio bairro, todos tombados como patrimônio histórico. No entanto, o projeto prevê a demolição do Tobogã - para construir dois prédios com restaurantes, escritórios e hotel. A capacidade do estádio, assim, cairia de 40 mil para 28 mil torcedores.

O Consórcio Novo Pacaembu é formado pelas empresas Raí + Velasco (sociedade que o ex-jogador fez com o administrador de empresas Paulo Velasco, criada em 2002, mas que deixou ao assumir cargo no São Paulo), Arap, Nishi & Uyeda Advogados, Arena Assessoria de Projetos Ltda., BF Capital Assessoria em Operações Financeiras Ltda. e Jones Lang Lasalle Hotels SA.

Agora, o projeto servirá de base para a Prefeitura abrir a licitação de concessão do Pacaembu. O edital final deverá ser lançado até o fim de abril. Qualquer empresa poderá participar da disputa para gerenciar o estádio, inclusive as que formam o Consórcio Novo Pacaembu. O vencedor da licitação, caso este não seja o Consórcio Novo Pacaembu, será responsável por pagar ao Consórcio Novo Pacaembu pelo custo de produção do projeto.

Projeto pretende dar fim ao Tobogã (Imagem: Reprodução)

CONTRA OU A FAVOR DA CONCESSÃO? ESPECIALISTAS FALAM

(Opiniões expostas por ordem alfabética)

* Com a palavra: Fernando Trevisan, possui bacharelados em administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV) e em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Comanda a Trevisan Escola de Negócios, por meio do cargo de diretor geral

Me parece que, nas mãos da iniciativa privada especializada em equipamentos e espaços de entretenimento, o Pacaembu possa ser mais viável do que na situação atual. Atualmente é um estádio ultrapassado, que perdeu espaço com as novas arenas, e que precisa arrumar uma solução. Não me parece ser a atividade-fim de uma prefeitura pensar nesse tipo de estratégia para um equipamento esportivo de alto rendimento. A missão de uma entidade governamental é fomentar o esporte, fazer políticas públicas envolvendo educação e esporte, mas não gerir um estádio. Eu concordo que o caminho interessante é a concessão, desde que com regras muito bem estabelecidas.

Há caminhos para quem for gerenciar o estádio. Primeiramente, fazer um acordo formal com o Santos, para que ele jogue mais vezes na capital, já fechando um número de jogos. Existe também uma oportunidade de acordo formal com o Palmeiras, que algumas vezes precisa deixar o seu estádio por conta de shows. O Flamengo também poderia ser chamado para fazer jogos no estádio, fechar um determinado pacote. Só aqui estamos falando em mais de 20 jogos no estádio por temporada, com três grandes times como mandantes. Já dá um valor interessante para quem estiver com o estádio nas mãos.

Uma empresa voltada para esse setor pode também pensar em outros tipos de atividades de lazer e entretenimento para a população, ainda que durante o período diurno, para que não haja problemas com a associação de moradores. Essas atividades complementariam as receitas geradas pelos jogos. Agora, para isso, precisa ter manutenção adequada, o mínimo de conforto e energia elétrica que não acabe todo jogo. Por isso, ter um foco mais empresarial na gestão do estádio pode ser mais interessante para o futuro dele."

* Com a palavra: Gabriel Rostey, do site "No Ângulo". Cursou mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela FAU-USP

"A concessão do Pacaembu tem sido - não por acaso - um desejo das últimas gestões municipais. O Estado não existe para, e nem tem a mesma competência que a iniciativa privada para administrar um estádio. Isso é consenso entre sociedades mais avançadas, basta checar exemplos de estádios públicos concedidos a empresas, como o San Siro de Milão e o Olímpico de Berlim. Devemos ter a humildade de aprender, ainda mais quando nosso Estado não dá conta sequer de Segurança Pública, Saúde e Ensino.

Evidentemente os termos da concessão são importantes (como tudo na vida, pode ser bem ou mal feita). Mas é o único caminho para que a população conte com um Pacaembu em seu esplendor, administrado por quem depende diretamente de seu bom aproveitamento para sobreviver (ao contrário do Estado, que se mantém mesmo com o constante prejuízo de um equipamento subutilizado), além de poupar R$ 10 milhões dos cofres públicos a cada ano."

* Com a palavra: Max Filipe Nigro Rocha, Doutorando em História Social pela FFLCH/USP e editor do site "Ludopédio"

"A proposta de concessão do Estádio do Pacaembu à iniciativa privada é uma afronta aos direitos dos cidadãos paulistanos - seja pelo ataque à memória do futebol ou à própria prática esportiva. Em uma cidade reconhecidamente carente de espaços públicos destinados ao lazer, transferi-lo para empresas privadas só tende a agravar ainda mais a situação, uma vez que o futuro do estádio-monumento fundado durante a Era Vargas é incerto e nebuloso.

Apoiada em um discurso de uma administração municipal eficiente, o que a concessão parece reconhecer é a incompetência da prefeitura na gestão adequada dos bens públicos da cidade. Todos os argumentos utilizados pelos defensores de tal proposta apenas confirmam essa leitura. Seja pela baixa ocupação do estádio, seja pelos gastos em sua manutenção que não são condizentes com sua função pública - transformando-o em um "elefante branco" -, ou pela defasagem estrutural para receber torcedores e partidas esportivas, todos esses apontamentos indicam a falta de planejamento na área esportiva, além do pouco caso com o dinheiro público por parte da própria prefeitura.

Portanto, a ociosidade e a obsolescência do Pacaembu - em suma, o seu abandono - são parte integrante de um projeto de redução dos espaços públicos de convívio e consequente privatização da cidade. Os consecutivos apagões durante os últimos jogos no Pacaembu são fortes indícios dessa conexão. Mais sintomático ainda foi o fato do prefeito João Dória ter saído às pressas logo após a falha do sistema de iluminação do estádio durante a última partida entre Santos e Corinthians pelo Campeonato Paulista. Logo em seguida, Dória publicou um vídeo veiculado nas redes sociais defendendo a privatização como a única alternativa possível para solucionar os problemas estruturais do estádio municipal. A capitalização do ocorrido por parte do prefeito para legitimar sua proposta privatista nos parece tão óbvia que dispensa maiores explicações.

Ora prefeito, nunca há apenas uma única alternativa possível para as questões sociais. Se for por falta de sugestão, procure abrir as portas da prefeitura para as inúmeras demandas populares a respeito do estádio. Desde um centro esportivo popular, espaço privilegiado para a realização de partidas de campeonatos feminino de futebol e até, -por que não? - local de disputa de jogos de futebol amador, todas essas alternativas garantiriam que a famosa frase - o meu, o seu, o nosso Pacaembu - não se transformassem apenas em memória."

* Com a palavra: Victor de Leonardo Figols, doutorando em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Editor e colunista no site "Ludopédio"

"O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, é um patrimônio histórico de São Paulo. Isso significa que o estádio possui um valor histórico e cultural, e por que não dizer social, para a cidade. Desde sua fundação, nos anos 1940, o Pacaembu é a casa do futebol paulista, recebeu jogos da Copa do Mundo de 1950, competições dos Jogos Pan-Americanos de 1963, viu jogos e finais memoráveis do Campeonato Paulista e Brasileiro, além de ter sido palco de jogos importantes das competições continentais. Ao longo de todos esses anos de vida, o Pacaembu construiu sua história na cidade estabelecendo uma estreita relação com a população ao seu redor, com os moradores de São Paulo, e principalmente, com os torcedores do futebol.

Mesmo tendo tamanha relevância para o futebol paulista, o estádio vem sofrendo com o esquecimento e com o descaso, em parte devido à construção das novas arenas na cidade, mais também pela falta de vontade política do poder público em dar um destino digno ao estádio. Com a suposta decadência do estádio, o discurso modernizante soa como uma alternativa. E o projeto de loteamento das áreas de lazer de São Paulo promovida pelo político-gestor cai como uma luva. Ao menos para uns a privatização do Estádio seria uma alternativa perfeita para dar um destino ao Pacaembu, que há anos sobre com as más gestões da prefeitura.

Esse processo de privatização carrega inúmeros problemas. Uma reforma, seja na estrutura ou na fachada, afetara significativamente a relação entre os torcedores e o estádio, sem contar que, como patrimônio cultural, por menor que seja essa reforma, ela precisa passar pelo crivo dos órgãos responsáveis. E mesmo isso não garante a sobrevivência do estádio, vide o caso do Maracanã. Outro problema é sofrer com o processo de arenização, que vem a galope desde às vésperas da Copa de 2014. E talvez o maior problema de privatizar o estádio é expulsar das camadas mais populares desse espaço de lazer, é aumentar ainda mais o abismo da população das camadas mais baixar em ter acesso aos recursos básicos.

A frase "O meu, o seu, o nosso Pacaembu" não é à toa, o Pacaembu é nosso, não pode e não deve ficar nas mãos de uma empresa, deve ser gerido pela prefeitura, aberto ao público e com destino digno que lhe natural, receber partidas de futebol e outras modalidades esportivas. É mostrar que estádio tem história e valor simbólico para a população de São Paulo. Apenas o uso, a ocupação do espaço, salvará o destino trágico que assombra o Pacaembu."

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