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Tá russo! Uma cidade parada no tempo, que parece não ter saído da URSS

A primeira impressão é a de mais um dos estádios que poderão se transformar em elefantes brancos, assim como no Brasil

6 jul 2018 - 04h03
(atualizado às 04h03)
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Dez minutos dentro do trem de alta velocidade (não confunda com o trem-bala, que chega a 300 km/h. O de alta velocidade atinge 150 km/h) já são suficientes para que a paisagem pelas janelas se transforme no caminho entre o terminal ferroviário de Kurskaya, em Moscou, e Nijni Novgorod, que nesta sexta recebe França e Uruguai, pelas quartas de final da Copa do Mundo.

Plantações descuidadas, fábricas abandonadas, pântanos gigantescos compõe a paisagem visível da janela do trem. Em quatro horas de viagem, o turista sai de Moscou, na Rússia, e parece ter entrado em uma cápsula do tempo, desembarcando, quem sabe, na União Soviética.

Em Nijni não há os carrões do ano, que estão espalhados pelas ruas e avenidas da capital da Rússia. Também não existem muitos prédios, nem gigantescos shoppings, nem muitas opções de restaurantes, ou sinalização em inglês, como em Moscou. "Falta também um pouco de perspectiva para as pessoas", diz Ekaterina, uma das voluntárias na cidade que falam inglês.

Do terminal de passageiros da cidade até o estádio, a pé, são 25 minutos de caminhada. Diferente de Moscou, em Nijni os vira-latas estão em todos os cantos. E são daqueles tipos de cachorros que deitam no meio da rua e, se o carro quiser passar, ele que desvie.

O estádio surge imponente no horizonte, mas causa um certo impacto que, por sua vez, gera incerteza - o que vai ser feito com ele depois desta sexta, último jogo do Mundial nesta simpática cidade? A primeira impressão é a de mais um dos estádios que poderão se transformar em elefantes brancos, assim como no Brasil, que também também tem os seus. O principal time de futebol da região disputa apenas a segunda divisão do futebol da Rússia.

Sair do estádio e tomar um táxi não é tarefa fácil, mas eu consegui nesta quinta. O taxista tentou puxar conversa, em russo, e uma parte ficou clara - ele é do Azerbaijão e queria voltar para o seu país. Na Rússia inteira, os dados de desemprego de março deste ano apontam que 5% da população não tem trabalho. O número pode parecer pequeno, mas há uma pegadinha. Boa parte do mercado de trabalho é de autônomos em trabalhos informais e temporários - motoristas de aplicativos, garçonetes, vendedores em lojas de shoppings. Sem registros no emprego, ninguém tem a garantia de que o próximo mês estará com a vaga garantida.

O discurso governamental é de que a taxa de desemprego nunca esteve tão baixa no país, e isso é uma verdade absoluta. O problema é que nem todo mundo consegue o emprego dos sonhos, ou algo que lhe satisfaça. "Você acha que eu vim de tão longe para ser motorista de aplicativo?", reclama Igor, o motorista do Azerbaijão.

Na corrida entre o bonito estádio de Nijni e o hotel onde a reportagem está hospedada, são cerca de 20 minutos de um trajeto por casas simples, prédios em blocos, sem grande contrate como Moscou. Eram 22h (horário de Brasília) e ainda existia luz no céu russo. A cidade velha foi dando lugar a celeiros, casas modestas, algumas em ruas de terra.

É numa destas ruas, do outro lado da calçada, que fica o hotel. O taxista se perde algumas vezes, mas se localiza e pede pra reportagem descer antes da rua começar. A caminhada é lenta, porque o cenário é um tanto quanto aterrorizador e prende a atenção - celeiros como os de grandes sucessos de trailers de terror do cinema, mal-cuidados, apenas com a luz das televisões acesas dentro dos imóveis. Que fique bem claro: o problema não são as casas, mas sim o aspecto de abandono. Deu a sensação de estamos dentro de um filme de terror. Tomara que esse final seja feliz.

*GLAUCO DE PIERRI É REPÓRTER DO ESTADÃO

Estadão
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