Após golpe de empresário, zagueiro transforma vestiário em pedaço do Brasil na China
Lucas Maia, de 32 anos, teve passagem recente pelo Paysandu no futebol brasileiro
O zagueiro Lucas Maia, de 32 anos, relata sua adaptação à vida e ao futebol na China, destacando desafios culturais, como alimentação e comunicação, além de momentos cômicos e a união com colegas brasileiros para manter um pedaço do Brasil no país asiático.
Os mais de 18,5 mil quilômetros entre Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e a cidade de Zhengzhou, na China, dão sinais das diferenças entre o local onde o zagueiro Lucas Maia, de 32 anos, nasceu e onde vive desde que passou a defender o Henan FC, no início deste ano.
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Alimentação, comunicação e dificuldade de acesso às redes sociais são apenas alguns dos pontos que o jogador de futebol precisou lidar até se sentir em casa no país asiático. Hoje, com a esposa e os dois filhos, ele garante que está adaptado, mas nem sempre foi assim.
“Foi bem difícil. Primeiramente, alimentação. A gente foi se adaptando às comidas muito picantes aqui. Eles comem muita pimenta. O celular aqui não pega WhatsApp, não pega Instagram, tem que usar VPN; isso também foi uma dificuldade. Eu fiquei um mês sem chip, só usava Wi-Fi. Então, eu saía na rua e não tinha internet. Depois que chegou minha esposa e meus filhos, fomos nos adaptando. A gente começou a comer em casa. Eu não precisava mais sair para comer, ela fazia tudo em casa. Agora, estamos bem adaptados”, conta, em conversa com o Terra.
Para piorar a situação, Maia logo de cara se deparou com 10 dias de pré-temporada com frio e neve na Coreia. Até com as baixas temperaturas, o zagueiro se acostumou, mas ainda há um fator que atrapalha: a comunicação.
Com o mandarim como idioma, muitos chineses não falam inglês. Assim, resta para o brasileiro se virar com o auxílio de tradutores nas atividades do clube e com aplicativos no dia a dia.
“Aqui tem muito tradutor. O treinador passado era coreano. Ele tinha um tradutor para ele. Nós, brasileiros, temos um tradutor. Os chineses têm um tradutor. Então, se você quiser se comunicar com o jogador dentro de campo, ou seja, em um treinamento, você tem que chamar um tradutor, você tem que falar em português para o seu tradutor traduzir para eles. É meio difícil a comunicação. Até hoje é um pouco difícil”, explica o defensor.
Para alívio de Maia, o treinador português Daniel Ramos assumiu o comando do Henan recentemente. Embora as instruções tenham ficado mais fáceis para o ex-zagueiro do Paysandu, os tradutores não se afastam do gramado para caso surja a necessidade de conversar com os companheiros.
“Dentro de campo, os tradutores estão sempre ali em volta, explicando a sessão, o treinamento. É um pouco difícil, mas dentro de campo é mais fácil, justamente nos treinamentos, porque um vai como exemplo, outro já sabe o que tem que fazer, então fica mais fácil. É mais no termo de comunicação mesmo, de posicionamento, isso aí que complica um pouco. Mas durante os treinamentos é mais fácil, porque um vai como exemplo ali, então sempre puxamos ali à frente, porque a explicação vem em português, então a gente já sabe o que tem que fazer, os outros automaticamente copiam e aí sai mais fácil”, continua o camisa 23.
Mesmo em meio às dificuldades de adaptação, o zagueiro conta com a ajuda de um esquadrão brasileiro no Henan. Bruno Nazário, Felippe Cardoso e Iago Maidana também vestem as cores da equipe de Zhengzhou.
Apesar das diferenças culturais, o quarteto faz questão de levar um pedaço do Brasil para os vestiários dos estádios chineses. Seja com a zoeira tradicional do país ou com a caixinha de som tocando pagode, sertanejo e até mesmo reggaeton, a união é um dos pontos fortes da convivência longe de casa.
“A gente costuma fazer [churrasco]. Agora, a gente conseguiu adaptar onde o Nazário mora. Tem um espaço maior. Ele comprou uma churrasqueira, então a gente consegue fazer um churrasquinho lá.Aqui, a gente mora num apartamento, então é só na grelha mesmo. Dá pra fazer também. A gente convida alguns chineses. Muitos não vão, mas teve outro dia que um foi e aí fica aquela resenha de chinês, de tradutor. Imagina só, é só risada e ninguém sabe o que ele tá falando”, brinca ao recordar as ‘resenhas’ do grupo.
Golpe de empresário em primeira ida para a China
A relação do atleta gaúcho com a China, porém, é mais longa e muito menos engraçada do que sua passagem pelo Henan. Em 2019, após deixar o Resende, do Rio de Janeiro, uma proposta do país asiático o levou a viajar para um período de testes.
Tudo parecia ir bem, até o momento da assinatura do contrato oficial. Um aviso de última hora de que teria que abrir mão de metade do salário para empresários o fez desistir do acordo e retornar ao Brasil, para o São José, do Rio Grande do Sul.
“Na época, eu vim com um empresário espanhol, que me trouxe uma proposta de um valor. Quando eu cheguei, eu e outro brasileiro, fizemos as avaliações, os testes, assinamos pré-contrato e estávamos esperando o dono do clube chegar para poder assinar o contrato original, o contrato mesmo do clube. E foi passando o tempo e nada, e esse empresário mesmo chegou, entrou no nosso quarto e falou que na China tem que estar sempre um chinês no negócio pra poder o negócio andar".
"E eu não sabia disso, e eles não me falaram antes também. Então, eles chegaram e me falaram que teria que dar uma porcentagem pra uma pessoa, uma outra porcentagem pra outra pessoa. Isso virou uma bola de neve, eu falei: ‘não, não vou aceitar, não foi isso que a gente acordou’. Eles queriam tirar metade do meu salário, do que foi oferecido. Era 50%, é muita coisa, e foi aí que não foi pra frente, que não deu certo”, completa.
Antes da volta à China pelo Henan, Maia passou cinco anos no futebol mexicano. Por lá, vestiu as cores de Cafetaleros de Chiapas, Cancún e Puebla, até que decidiu retornar ao Brasil pelo Paysandu, em 2024.
Feliz e adaptado em Zhengzhou, o zagueiro não pensa em deixar a China tão cedo. Nesta temporada, já são 16 partidas disputadas, com direito a três gols marcados. “Eu penso em permanecer aqui [China]. É um país que eu gostei muito, que eu tô gostando. [Quero] permanecer nesse mercado. Estou muito feliz aqui, a família está adaptada. A ideia é fazer um bom campeonato. Terminar bem o campeonato e ver o que Deus tem preparado pra nós. O meu objetivo é esse.”