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Desistência argentina na Copa de 1950 causou décadas de ressaca

23 mai 2014 - 20h23
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Os argentinos vão para a Copa do Mundo no Brasil pela primeira vez em busca de corrigir um grande erro, que levou a anos de lamentos nacionais, após a saída deles da Copa de 1950.

País sul-americano com maior número de conquistas nos anos 1940, a era de ouro do futebol argentino, eles decidiram não enviar sua seleção para defender o título da Copa América de 1949 no Brasil, e os brasileiros ficaram ofendidos.

A razão por trás da decisão chocante foi uma debandada em massa de seus maiores talentos, incluindo Alfredo Di Stefano, para um campeonato colombiano não reconhecido pela Fifa, durante uma greve de jogadores na Argentina, em 1948.

“Foram Di Stefano, Pipo Rossi, (Adolfo) Pedernera”, disse o ex-goleiro do River Plate e da seleção argentina Amadeo Carrizo, que completa 88 anos em 12 de junho, dia em que começa a Copa do Mundo.

“Rossi mandava no meio-campo e Di Stefano estava em seu momento de glória”, disse Carrizo em entrevista à Reuters, ao falar sobre os companheiros de equipe com os quais jogou no time do River Plate conhecido à época como La Máquina.

“O destino tinha aberto (as portas) para ele em outro país. Acabou levando ele para o Real Madrid, onde desfrutou de grandes triunfos”, acrescentou Carrizo ao falar de Di Stefano, que também continua vivo.

O Brasil ficou ofendido pelo que percebeu como uma falta de consideração argentina e não apoiou os vizinhos na tentativa de trazer a Copa de volta para a América do Sul após a Suíça, em 1954, também foi boicotada pela Argentina. 

O jogador que mais sofreu as consequências dessa guinada política do futebol argentino para o lado errado foi Carrizo, fortemente criticado pelos torcedores em Buenos Aires quando a seleção voltou da Copa de 1958 na Suécia, a primeira disputada por eles em 20 anos, em que foram eliminados após tomarem 10 gols nas três partidas da fase de grupos.

“Sofremos muito com (o que aconteceu na) Suécia e era eu que estava na mira dos gols”, disse Carrizo, votado o melhor goleiro da América do Sul no século 20 pelo braço estatístico da Fifa, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol.

“DESASTRE SUECO”

Carrizo recebeu a honraria apesar da chamado “desastre sueco”, no qual a Argentina perdeu de 3 x 1 para a Alemanha Oriental, venceu a Irlanda do Norte por 3 x 1, mas foi depois massacrada pela Tchecoslováquia por 6 x 1, a pior derrota dos argentinos na história das Copas.

“Após a partida (com a Tchecoslováquia) nós nos trancamos em nosso hotel e não queríamos sair, ninguém esquece algo assim. Algumas vezes eles mostram imagens daquele Mundial na TV, mas eu nem quero ver e mudo de canal”, disser Carrizo.

“Naquela Copa nós ganhamos somente uma partida, contra a Irlanda (do Norte) por 3 x 1. O futebol jogado pela Alemanha e Tchecoslováquia estavam no auge e tivemos que enfrentá-los. A Irlanda também jogou bem, então eles se incluíam entre os times fortes.”

Goleiro pioneiro que ia além da grande área para atuar como zagueiro extra ou auxiliar nos contra-ataques, Carrizo foi uma inspiração para compatriotas como Hugo Gatti e o colombiano Rene Higuita.

Mas um goleiro como esse ficava mais exposto aos times cada vez mais ofensivos. A Argentina veio também a descobrir que tinha ficado lerda diante dos times mais atléticos e organizados da Europa.

“Houve a (Segunda) Guerra na época, não havia partidas com outros países (europeus), a Argentina sequer jogou, e nós sofremos as consequências”, disse ele em um bar do bonito bairro de Villa Devoto, onde mora na capital argentina.

“Nós não sabíamos o que estava acontecendo na Europa e o futebol estava em seu auge. Na Inglaterra, Alemanha, França já havia um progresso espetacular, com grandes jogadores, e nós fomos e eles nos atropelaram.”

A vitória da Argentina na Copa América de 1957 no Peru, na qual derrotaram por 3 x 0 o time brasileiro que no ano seguinte seria campeão do mundo, contribuiu ainda mais para cegá-los diante do progresso alcançado na Europa.

Os argentinos Humberto Maschio, Antonio Angelillo e Omar Sivori foram todos transferido para clubes italianos e deixaram de atuar pela seleção da Argentina. Diferentemente dos jogadores argentinos de hoje, eles não foram convocados novamente para a Copa de 1958 e acabaram jogando para a Itália, do mesmo jeito que Di Stefano fez pela Espanha.

LONGA RECUPERAÇÃO

A Argentina perdeu tanto o prumo que levaria 20 anos para se recuperar do “desastre sueco”, conquistando a Copa somente 20 anos depois, em 1978.

Carrizo dispensou a chance de ir à Copa de 1962 no Chile por ter “sofrido muito, coisas horríveis foram ditas a mim, minha casa foi coberta de tinta, meu carro quase destruído."

Carrizo recuperou a simpatia dos torcedores argentinos na Copa das Nações de 1964, um torneio com quatro equipes no qual a Argentina saiu vitoriosa em todas as partidas, contra a Inglaterra, Portugal e Brasil, de quem venceu por 3 x 0.

Um homem cortês e otimista que se mostra modesto, apesar de admitir ser um exibicionista em campo, Carrizo recentemente se tornou presidente de honra do River Plate.

(Reportagem adicional de Luis Ampuero)

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