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Na F1, o conceito ruim de ontem pode ser o vitorioso de hoje

A multiplicação atual das laterais esculpidas tem origem em um projeto que foi devidamente execrado mais de 30 anos atras...

15 fev 2024 - 14h07
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Jean Alesi e a Ferrari F92A em Monza. Um projeto equivocado de 30 anos atras deu origem às laterais esculpidas de hoje
Jean Alesi e a Ferrari F92A em Monza. Um projeto equivocado de 30 anos atras deu origem às laterais esculpidas de hoje
Foto: Scuderia Ferrari

Se tem um campo onde o conceito evolutivo de Darwin se confirma é no esporte a motor. Muitas vezes, uma ideia que parece absurda inicialmente ou não funciona corretamente, acaba sendo revisada e algum tempo depois, é adotada e leva a um grande sucesso.

Ao longo do tempo, vimos este processo acontecer. Um exemplo disso é o próprio efeito solo. O aproveitamento de conceitos firmados no Século XVIII (Bernoulli e Venturi) já se visulmbrava na década de 60, sendo efetivamente aproveitado por Jim Hall no Chaparral 2J em 1970. A F1 pensava nisso também, usou alguma coisa quando começou a usar os aerofólios, fez de modo empirico nas laterais do March 701, começou a adotar em 73, quando Gordon Murray criou uma depressão no fundo do Brabham BT42, mas só foi efetivamente materializado no Lotus 77, chegando ao modelo vencedor Lotus 79, na temporada de 1978. Depois daí, para ser vencedor, todos tinham que ter um carro com efeito solo para chamar de seu.

O exemplo mais recente vem das laterais esculpidas. Ddesde meados dos anos 2000, os projetistas vem trabalhando firmemente para fazer laterais cada vez mais esguias para garantir o máximo de controle do fluxo do ar na carroceria, visando não somente gerar mais pressão aerodinamica como também reduzir a resistência ao ar, obtendo assim mais velocidade e também criando mais turbulência para prejudicar o carro que vem atrás...

Mas o que pouca gente se lembra é que este conceito foi iniciado pela...Ferrari. E justamente em um dos períodos mais conturbados de sua história.

O ano é 1991. A Ferrari vinha sendo sacudida pela recessão economica mundial e pela sua situaçao política interna. Alain Prost havia conseguido derrubar Cesare Fiorio do posto de chefe de equipe após o fiasco de Imola e se julgava dono da situação dentro da equipe.

Nesta altura, o departamento era comandado por Steve Nichols, que chegou junto com Prost na Ferrari. O carro de 91, o 642, havia sido revisado por ele e o foco era o carro de 1992. A situação política interferia no desenvolvimento do carro e, naquele momento, o responsável pelos motores, Claudio Lombardi, assumia o comando do time. Isso impactou nos trabalhos do V12, que ficava para trás em relação aos Honda e Renault.

Junto com Nichols, um nome reapareceu na Ferrari: Jean Claude Migeot. O engenheiro francês que havia começado sua carreira em competições na Renault, já havia passado pela equipe entre 1986 e 1988, quando saiu na esteira da chegada de John Barnard. Após ir para Tyrrell e ser um dos pais do 019 "asa de gaivota" (precursor do bico alto na F1), Migeot voltou ao time italiano junto com Jean Alesi.

Migeot já teve como tarefa inicial renovar o 642 e em pouco mais de dois meses fez o modelo 643, que nada mais era do que o 642 com frente e fundo revisto. Mostrou algum potencial, mas justamente a rapidez fez que algumas caracteristicas de comportamento piorassem, culminando no famoso comparativo feito por Prost no GP do Japão.

Após entregar o 643, Migeot se debruçou no túnel de vento de Maranello para pensar o carro de 1992. E uma de suas ideias foi tentar recriar o efeito solo de alguma forma. Nesta época, obrigatoriamente o carro tinha que ser plano no fundo. Porém, as equipes começaram a fazer alguns "dribles" e degraus começaram a aparecer, criando o chamado fundo chato. Desta forma, o bico era levantado e o fundo do carro era plano até o limite do regulamento, criando um degrau e aumentando bastante a geração de pressão aerodinamica...

Em conjunto com Nichols, Migeot lembrou da ideia do carro de chassi duplo concebida por Peter Wright e Colin Chapman em 1981. O Lotus 88, para driblar o regulamento, tinha um chassi de fundo plano para cumprir o regulamento e outro ligado à suspensão que oscilava de acordo com a pista. No caso, os estudos de Migeot levaram a uma nova interpretação do conceito: o chassi ficaria cerca de 15 cm acima do fundo regulamentar, criando um tunel entre este e o chassi verdadeiro.

Detalhe da solução do fundo duplo da Ferrari F92A e que abriu caminho para as soluções atuais
Detalhe da solução do fundo duplo da Ferrari F92A e que abriu caminho para as soluções atuais
Foto: Reddit/F1

Basicamente, era a tentativa de criar efeito solo dentro das regras. Vedar totalmente a lateral não foi permitido, mas ajudava a direcionar o ar com mais velocidade e potencializava o difusor. Na teoria, uma senhora sacada. Mas Ferrari era Ferrari...Steve Nichols saiu no 2º semestre para ir para a Sauber e deixou o desenho básico do chassi pronto. Migeot terminou o projeto, que teve a aprovação de Luca de Montezemolo, que assumiu o comando da Ferrari em novembro.

Quando foi apresentado, o F92A chamou muito a atenção: era um carro de bico alto e laterais inspiradas em um caça, separadas do chassi. Esteticamente e conceitualmente, muito interessante. Mas quando foi para a pista...Ivan Capelli, que tinha entrado na Ferrari naquele ano, em entrevista anos depois, falou que quando pilotou o carro pela primeira vez, não tinha como comparar com o 643 anterior, que era um carro mais previsível. Só que Jean Alesi assumiu o comando logo depois e falou maravilhas. A desgraça estava feita...

Resultado: foi um dos piores anos da Ferrari na F1 (melhores resultados foram dois 3º lugares de Alesi na Espanha e Canadá) . A confusão de fora da pista chegou no time e o carro não nasceu direito. Simplesmente o motor estava defasado em termos de tecnologia e potência, além de consumir muita gasolina. Oficialmente, o time pos a culpa no projeto equivocado e Migeot foi rifado.

Mas foi o caso de uma ideia boa em um momento errado. Anos depois, com a busca de melhorias aerodinamicas, as laterais começaram a ficar cada vez mais curvas e os radiadores cada vez menores. Até que em 2005, McLaren, Renault e Ferrari começaram a fazer mais esculpidas. E a Toro Rosso junto coma Red Bull praticamente recriaram o tunel trazido pela F92A de modo a direcionar o ar e aumentar a geração de pressão aerodinamica.

Bingo.

Desde então, vimos os técnicos trazendo pacotes cada vez mais trabalhados, ou até mesmo tentando excluí-los como foi a Mercedes com os zeropods em 2022 e 2023. Tudo em nome da eficiência aerodinamica. E isso começou com um projeto que nao deu certo....

Parabólica
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