Altitude ainda decide jogos? O desafio dos clubes brasileiros na América do Sul
Altitude sempre fez parte do cenário do futebol sul-americano, mas passou a representar um obstáculo ainda maior na Libertadores.
Encerrada no final de novembro, com a conquista do Flamengo e com a edição 2026 chegando, a Conmebol Libertadores voltou a expor um tema recorrente do futebol sul-americano: a dificuldade enfrentada pelos clubes brasileiros em jogos disputados na altitude.
A competição, considerada a principal do continente, reacendeu a discussão sobre até que ponto esse fator extracampo interfere no rendimento esportivo e o que pode ser feito para que ele não seja determinante no resultado.
Na semifinal entre LDU e Palmeiras, o contraste foi evidente. Atuando a 2.850 metros em Quito, no Equador, a equipe brasileira perdeu por 3 a 0. No jogo de volta, em São Paulo, sem a influência da altitude, venceu por 4 a 0 e garantiu a vaga na decisão.
A altitude sempre fez parte do cenário do futebol sul-americano, mas passou a representar um obstáculo ainda maior na Libertadores com a evolução técnica e tática de equipes equatorianas e bolivianas, habituadas a jogar nessas condições.
Como não há sinalização de mudanças por parte da Conmebol em relação ao mando de campo, o desafio para os visitantes é encontrar formas de minimizar os impactos físicos antes mesmo de a bola rolar. Na prática, os efeitos começam a ser sentidos a partir de 1.500 metros; acima de 2.500 metros, a queda de rendimento se acentua. Em La Paz, na Bolívia, a 3.600 metros, um atleta não adaptado pode perder até 30% da capacidade aeróbica.
“Nas alturas, o oxigênio entra no corpo de forma muito menos concentrada. Se para uma pessoa comum isso já causa um baita desconforto, com direito a dor de cabeça, tontura, náuseas, fadiga e falta de ar, para um jogador isso também significa queda de rendimento”, explica Keko Rödrigues, profissional de educação física.
“O corpo dele é uma máquina que depende de uma oferta altíssima de oxigênio, também utilizada na produção de energia, para manter potência e conseguir se recuperar de um esforço, como no caso de uma arrancada”.
Segundo Keko Rödrigues, não existe solução definitiva a curto prazo dentro do calendário da Libertadores, mas é possível reduzir danos. “No meu entender, a logística ainda é a melhor estratégia para conter danos: chegar no local da partida até 24 horas antes do início da mesma, quando os efeitos da altitude ainda são sustentáveis. O erro clássico é achar que ajuda antecipar a chegada em dois dias. Também é preciso controlar rigidamente a hidratação, recorrer a estratégias respiratórias, que passam pelo uso de máscaras de oxigênio, e fazer substituições planejadas para que mais atletas estejam em condição de jogo, à medida que os efeitos da altitude começam a ser sentidos”, orienta.
Para o profissional, o impacto da altitude supera até mesmo o do fuso horário, outro desafio comum em competições internacionais. “Um atleta com sono ainda consegue competir e se esforçar. Mas não tem como ele sustentar a intensidade que o jogo exige, com baixa concentração de oxigênio no sangue. O fuso atrapalha o sono e a coordenação, a altitude afeta diretamente a produção de energia”, compara Keko Rödrigues.
Em termos fisiológicos, a adaptação plena à altitude exige semanas. Em poucos dias, o organismo aumenta a frequência cardíaca e a ventilação pulmonar. Após duas ou três semanas, passa a produzir mais eritropoietina (EPO), hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte de oxigênio. Esse cenário, porém, é inviável para clubes brasileiros durante a Libertadores, que convivem com viagens constantes e intervalos curtos entre jogos. Ainda que cause desequilíbrio competitivo, a altitude não é considerada irregular, assim como o calor extremo ou o uso de gramado sintético. E, ao menos por enquanto, a ciência segue distante de oferecer uma solução rápida compatível com a realidade do futebol sul-americano.