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Venda direta de etanol pode ser liberada

Governo estuda alteração tributária para concentrar nas usinas o recolhimento dos tributos; mudança teria de ser feita por edição de MP

15 mai 2019 - 06h52
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O governo estuda uma mudança tributária capaz de abrir caminho para a venda de etanol hidratado das usinas diretamente para postos de combustíveis. Com o aval do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Economia avalia concentrar apenas nos produtores o recolhimento do PIS/Cofins. Hoje, essa cobrança é dividida entre usinas e distribuidoras.

As usinas recolhem R$ 0,1309 por litro de PIS/Cofins e são obrigadas a vender o etanol às distribuidoras, que pagam outros R$ 0,1109 em tributos federais antes de entregar o produto aos postos. Assim, se o governo permitisse a venda direta sem fazer o ajuste tributário, poderia perder até R$ 2 bilhões por ano, uma vez que as distribuidoras não recolheriam mais o imposto.

Uma saída para evitar esse rombo seria justamente aumentar o imposto nas usinas, de forma a compensar a perda, e concentrá-lo no elo produtivo da cadeia do combustível. O mais provável é que isso teria de ser feito por medida provisória, segundo uma fonte.

O Estadão/Broadcast apurou que técnicos envolvidos nas discussões consideram interessante, do ponto de vista da competição, liberar a venda direta. Ela, no entanto, precisa ser autorizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

O órgão regulador ainda não tem uma posição consolidada sobre a proposta e sofre pressão de distribuidoras e usineiros do centro-sul do Brasil, contrários à medida.

O caminho em análise pelo governo é pedir à ANP que conclua a chamada pública sobre a venda direta de etanol em até 120 dias. Finalizado o processo, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderia dar aval à venda direta, considerando os aspectos concorrenciais da medida.

Nordeste

A venda direta de etanol pelas usinas ganhou força no Nordeste no ano passado e dividiu o setor produtivo. Associações setoriais de produtores da região conseguiram decisões liminares favoráveis na Justiça, mas não estão vendendo porque o mérito dos processos não foi julgado. "Somos conservadores e temos cautela. Queremos um modelo que tenha a legitimidade de mérito", disse Renato Cunha, presidente da Associação de Produtores de Açúcar e Bioenergia, entidade setorial da região.

Apesar da defesa pela venda direta do etanol, Cunha é contrário à alternativa tributária avaliada pelo governo, de cobrança do PIS/Cofins em uma só fase, ou seja, nas usinas. Ele defende que usinas paguem o tributo delas próprias e das distribuidoras, caso haja a venda sem intermediários, e que o atual modelo permaneça caso o negócio seja feito por meio de distribuidoras. "A única mudança que queremos é recolher PIS/Cofins da distribuidora se a venda for direta", explicou.

Já a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) informou, em nota, que qualquer alteração nas regras "deve ser precedida de uma ampla e completa análise sobre os desdobramentos regulatórios e, especialmente, tributários". Para a Unica, entidade que representa usineiros do centro-sul do País, em sua maioria, a saída de distribuidoras e a concentração dos tributos na produção teriam de ser feitas por "medida provisória, com alterações na legislação que estabelece a cobrança" do PIS/Cofins.

Carga tributária

Segundo a Unica, a manutenção de um só regime para todo o etanol comercializado no País "elevaria a carga tributária sobre o produto direcionado à indústria química, além de encarecer o valor do etanol anidro combustível vendido pelos produtores, com impacto no preço de bomba da gasolina". A venda direta demandaria também ajustes diferenciados no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em cada Estado e do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para disciplinar operações interestaduais.

A Unica cita que o sistema tributário atual "foi gradativamente ajustado desde a liberação dos preços dos combustíveis no fim da década de 1990, de forma a reduzir a possibilidade de operações fraudulentas". "Não é apenas equacionando a transferência do imposto para o produtor que o problema estará solucionado. Uma mudança dessa magnitude sem uma análise completa do tema poderá ter consequências desastrosas para o funcionamento do mercado de etanol hidratado", afirma a nota.

Para associação, medida ameaça o RenovaBio

A venda direta de etanol para postos enfrenta resistência das distribuidoras. O presidente executivo da Plural, associação que representa o setor, Leonardo Gadotti, avalia que o destino da cobrança do PIS/Cofins não é o único entrave para a venda direta do combustível. O problema, diz ele, passa pela incidência de outros tributos, pela logística de distribuição, pela garantia de abastecimento durante o ano todo e pela sobrevivência do RenovaBio, a política nacional de biocombustíveis.

"O interesse de quem defende a venda direta é entregar a postos mais próximos às usinas. Distribuidoras existem para garantir suprimento ao longo dos 365 dias do ano, mantêm estoques reguladores e realizam movimentos entre Centro-Sul e Nordeste durante as entressafras", explica o executivo. Destaca ainda a necessidade de resolver questões relativas ao ICMS de cada Estado e a busca de acordo entre os 27 Estados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

No caso do RenovaBio, Gadotti lembra que companhias do setor bancarão o programa por meio dos Créditos de Descarbonização (CBIOs). As distribuidoras terão de comprar esses títulos emitidos por produtores de biocombustíveis para mitigar a comercialização de combustíveis fósseis. "As distribuidoras que farão o balanço entre o fóssil e o renovável deixarão de fazer porque não terão mais o controle do renovável. A venda direta detona o RenovaBio."

Ele refuta a tese de que a venda direta do etanol reduzirá o preço ao consumidor e defende maior fiscalização para reduzir a sonegação no comércio de combustíveis no País, que traz prejuízos estimados em quase R$ 5 bilhões ao ano, 80% desse valor com etanol hidratado.

"Queremos aumentar isso, ou simplesmente fazer puxadinho sem atentar às questões tributárias?" questiona o executivo, que se nega a comentar a posição de Jair Bolsonaro favorável à venda direta. "Não cabe a nós fazer essa crítica. Esse assunto não foi passado pelo presidente, é antigo e tem de ser resolvido e esclarecido com dados técnicos."

Estadão
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