Startup americana cria método para transformar CO2 da atmosfera em novos produtos
Fundada em Stanford, Twelve utiliza eletricidade para reaproveitar dióxido de carbono e gerar combustíveis e materiais para a indústria; CEO Nicholas Flanders será um dos participantes do Brazil at Silicon Valley
Em vez de emitir, reaproveitar: essa é a ideia da startup americana Twelve, que criou um método para transformar o CO2 existente na atmosfera em materiais e combustíveis limpos. Não é feitiçaria, é tecnologia: baseado nas pesquisas de doutorado de duas de suas fundadoras, o sistema da empresa utiliza água e eletricidade para romper as moléculas de dióxido de carbono e gerar novos elementos. "Revertemos o processo: partimos do CO2 para criar produtos úteis, como combustível de avião ou detergente. É algo que nos permite ter impacto positivo no meio ambiente sem abrir mão de produtos da economia moderna", explica o CEO e cofundador, Nicholas Flanders.
Palestrante programado para falar na Brazil at Silicon Valley, conferência de inovação e tecnologia realizada no Vale do Silício entre esta segunda-feira, 21, e a quarta-feira, 23, Flanders acredita que o Brasil tem potencial gigante para auxiliar o planeta a desenvolver tecnologias no combate às mudanças climáticas. O Estadão é um dos patrocinadores do evento.
"O Brasil tem uma posição única não só para ter um papel determinante na tecnologia ligada ao clima, mas também em escala industrial. Vocês já têm o histórico de ter uma das indústrias de biocombustíveis mais bem-sucedidas do mundo", destacou o empreendedor.
Na entrevista a seguir, Flanders explica mais sobre como a Twelve funciona e de que maneira a empresa atraiu a atenção de investidores como TPG, Microsoft e a Chan-Zuckerberg Initiative, de Mark Zuckerberg, além de clientes como Mercedes-Benz, Procter & Gamble e British Airways. Ele também fala sobre o papel que empresas de óleo e gás terão na economia do futuro e pondera sobre o equilíbrio entre inteligência artificial e sustentabilidade. "Existe uma responsabilidade da indústria de IA para usar energia limpa. Uma indústria do futuro precisa pensar no impacto ao planeta como parte do seu modelo de negócios", diz.
Como a Twelve começou? E como o sr. explica o negócio da empresa?
Somos três cofundadores e nos conhecemos em Stanford. Minhas duas sócias, Kendra e Etosha, estavam no doutorado pesquisando materiais que poderiam transformar dióxido de carbono (CO2) em novos produtos. Decidimos criar uma empresa que pudesse fazer essa tarefa em escala industrial - o que poderia nos ajudar a substituir o uso de combustíveis fósseis em muitas aplicações, de combustíveis a escovas de dente, passando por detergentes. Todos esses produtos são derivados de petróleo, que resultam em emissões de CO2 responsáveis por afetar as mudanças climáticas. O que nós fazemos, de forma simples, é reverter esse processo: ou seja, partimos do CO2 para criar produtos úteis, como um combustível de avião que possa ser neutro ou até negativo em pegada de carbono. É algo que permite ter um impacto positivo no meio ambiente sem precisar abrir mão de produtos que estamos acostumados a ter na economia moderna.
Parece até algo mágico. Como funciona o processo em si?
Nós seguimos todas as regras da física (risos). O que fazemos é utilizar eletricidade para romper as moléculas de CO2 e de água. Além disso, usamos catalisadores para recombinar essas moléculas em hidrocarburos, que são as "peças elementares" de combustíveis e materiais químicos que usamos hoje em dia. Mas, para isso fazer sentido, precisamos ter certeza de que usamos uma fonte de energia renovável e de baixo custo, porque não queremos gerar mais CO2 no processo. É por isso que não se trata de mágica: é preciso ter cuidado desenhando o processo, tendo produtos de custo competitivo e com uma pegada mínima de carbono.
E como a Twelve fatura?
Hoje, nosso modelo de negócios consiste em vender os produtos que fazemos a partir do CO2. Um deles é o eJet, um combustível de aviação sustentável. Também podemos fazer um produto que é a base fundamental para diferentes materiais, de tênis de corridas a peças de automóveis - e temos marcas parceiras que nos auxiliam na transformação desses produtos, como a Mercedes-Benz. Nós criamos um mundo novo a partir do ar. Já as indústrias que emitem CO2 são uma parte importante da nossa cadeia de suprimentos, atuando como fornecedores, mas nosso modelo de negócios é baseado na venda de produtos.
Apesar de tecnológico, o modelo da Twelve é bastante diferente de uma startup do Vale do Silício - vocês não fazem nem se baseiam em software, o que dá à companhia uma escala de crescimento diferente. Quais foram os desafios ao lidar com investidores?
Quando começamos a empresa, em 2016, havia poucos investidores interessados na nossa área - tecnologia industrial voltada ao meio ambiente. Aposto que 99% do capital disponível no Vale não estava interessado no nosso negócio. Por isso, para nós foi importante mostrar tração de negócio em termos que os investidores compreenderiam. Ou seja, fomos atrás de clientes. Começamos com investidores-anjo e depois avançamos com produtos reais, em pequena escala, mas que fossem palpáveis. Foi assim que fizemos parcerias com empresas como a Mercedes-Benz, a P&G ou a Força Aérea dos EUA, demonstrando a viabilidade dos nossos produtos.
Como americano, qual é a importância de estar em um evento como a Brazil at Silicon Valley discutindo tecnologia e mudanças climáticas?
De uma perspectiva global, o Brasil tem uma posição única não só para ter um papel determinante em tecnologia ligada ao clima, mas também em uma perspectiva industrial. O Brasil já tem um histórico de ter uma das indústrias de biocombustíveis mais bem-sucedidas do mundo. Além disso, as fontes de energia no Brasil são bastante renováveis, com um enorme papel das hidrelétricas e da energia solar, bem como uma força de trabalho talentosa na área de engenharia química - isso para não mencionar o setor agrícola. Acredito que, em áreas chave para as mudanças climáticas, como agricultura, indústria e transportes, o Brasil já possui as condições ideais para ser um líder em novas soluções.
Que conselho o sr. daria para um empreendedor brasileiro interessado no campo de tecnologia e mudanças climáticas?
Acredito que minha dica serve de maneira universal. É importante focar, desde cedo, em ter clientes e gerar tração comercial. Quando se constrói uma empresa de base tecnológica profunda, que é normalmente o caso em climatetechs, muitos empreendedores focam na tecnologia e em ter um protótipo funcional. É algo válido, mas ao mesmo tempo em que você começa a trabalhar no laboratório, é importante também conversar com potenciais clientes, entender suas necessidades e ter algum tipo de interesse deles pelo seu produto. Isso vai ajudar em dois campos: não só vai ajudar a desenhar aplicações para o produto, como também vai auxiliar a captar investimentos, porque é algo que os investidores prestam muita atenção. Sua tecnologia pode ser boa, mas um cheque provavelmente só vai acontecer quando você encontrar alguém que tope comprar o que você está criando.
O setor de óleo e gás tem um papel fundamental na economia brasileira - e também na economia global. Como parte desse mercado, como o sr. acredita que essas empresas podem se transformar para seguirem relevantes por décadas?
Há muitos ativos que o setor de óleo e gás possui hoje que serão necessários no futuro. Os talentos, o conhecimento de engenharia, a expertise em como administrar uma refinaria de maneira segura… tudo isso será necessário. Além disso, no futuro também vamos consumir produtos que essas empresas fazem. O que precisa mudar é a forma de fabricação, deixando de lado materiais fósseis. É o que almejamos na Twelve - e podemos fazer parcerias para ajudar empresas em suas transições. Ainda vamos precisar de produtos de carbono na economia global. A questão é que, em vez de captá-lo no solo, poderemos captar o carbono no ar. É a direção que os incumbentes devem tomar também, seja participando ou investindo nessa indústria.
A inteligência artificial é uma tecnologia emergente da atualidade, mas sofre muitas críticas pelo consumo desenfreado de energia e impacto ao planeta. Como parte do Vale e entusiasta da inovação, como o sr. vê essas críticas? E como chegar ao equilíbrio?
O principal impacto da IA quanto à sustentabilidade é, de fato, o consumo de energia. Acredito que, daqui a 10 anos, os setores líderes em consumo de eletricidade serão IA e eletro combustíveis. São duas áreas que precisarão de muita energia verde. Acredito que o principal desafio atualmente é o fato de que há uma demanda muito maior do que a oferta nessa área, especialmente num intervalo de dois a quatro anos. Mas em uma década, acredito que a demanda de energia da IA vai acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias de eletricidade, em campos como baterias e fusão - e isso será positivo porque também vai reduzir o custo da energia. O grande desafio é chegar até lá. Por outro lado, acredito que existe uma responsabilidade da indústria de IA para utilizar energia limpa. Para mim, é parte do contrato social que eles estabeleceram: como uma indústria do futuro, é preciso pensar no impacto ao planeta como parte do seu modelo de negócios. Quem faz IA precisa ser sério sobre o uso de energia limpa.
Muita coisa mudará em cinco anos. Mas, em 2030, que mundo o sr. gostaria de encontrar?
Nesse ínterim, gostaria de poder dizer que um voo gera 90% menos emissões por usar um combustível limpo. Isso significa dizer que andar de avião teria uma pegada de carbono menor que andar de metrô, considerando o custo de passageiro por milha. Também espero poder ir numa loja e comprar um detergente que não é feito com óleo, ou um tênis que foi fabricado a partir de CO2 captado no ar. Esperamos ter um mundo em que as atividades do dia a dia de qualquer pessoa tenham um impacto muito menor no clima - e que elas não precisem fazer escolhas caso queiram ser sustentáveis.
Para encerrar: o sr. tem medo de ficar sem CO2 do ar algum dia?
Não. Isso não será um problema (risos).
