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Proposta da reforma administrativa divide opiniões de especialistas

Projeto apresentado pelo governo terá pouco impacto nas contas públicas e, por isso, não deveria ter prioridade; eles questionam também o fato da reforma se aplicar apenas aos novos servidores

5 set 2020 - 13h02
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RIO - Embora até possa trazer conceitos corretos e boas intenções, a proposta de reforma administrativa apresentada pelo Ministério da Economia tem pouco impacto nas contas públicas e, dada a elevada dificuldade para aprová-la, não deveria estar na frente na fila de prioridades da agenda do governo, disseram dois especialistas ouvidos pelo Estadão. Já o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, que também se dedica ao tema, considera a reforma uma prioridade máxima, mas concorda que não adianta fazer mudanças apenas para novos servidores e sem incluir todos os Poderes, como foi feita a proposta do governo.

Para o consultor especializado em contas públicas Raul Velloso, do ponto de vista político, a reforma administrativa ficou "sem pai nem mãe", já que não é bancada nem pelo presidente Jair Bolsonaro nem pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesse quadro, seria melhor atacar outros problemas. "Como a energia política é escassa, em vez da reforma administrativa, por que não concentrar esforços em mudanças legais para facilitar a resolução dos passivos previdenciários dos Estados?"

Segundo o consultor, os dados fiscais mostram que os gastos com servidores da ativa não são o grande problema das contas públicas. Desde 2011, pelo menos, as despesas totais com pessoal têm sido pressionadas pelo aumento acelerado dos gastos com os aposentados, enquanto o pagamento aos funcionários ativos está mais ou menos controlado. E a reforma da Previdência não resolveu o rombo provocado pelos gastos já elevados com servidores aposentados, disse Velloso.

'Fundos de pensão'

Desde a crise fiscal dos Estados com a recessão de 2014 a 2016, Velloso vem defendendo, como saída para o desequilíbrio nas contas dos governos, a criação de fundos de pensão autônomos para os servidores estaduais, como há nas principais estatais. Alguns Estados já criaram fundos do tipo, mas apenas para funcionários novos. Na proposta de Velloso, novos fundos cuidariam das pensões de todos inativos e poderiam ser capitalizados com imóveis ou ações de empresas estatais. A capitalização, que poderia também receber recursos da União, traria dinheiro para pagar as pensões ao longo do tempo, desobrigando os Tesouros estaduais a cobrir o rombo.

Para Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), os "conceitos" apresentados pelo governo são bons e poderiam corrigir "distorções" na gestão de pessoal do setor público, mas tudo dependerá da forma como as mudanças serão regulamentadas. A Constituição de 1988 prevê a demissão de servidores por mau desempenho, lembrou a pesquisadora, mas até hoje o tema não foi regulamentado por lei alguma.

O ex-governador Hartung concorda que os projetos de lei que farão a regulamentação das mudanças são essenciais. Por isso, devem ser acompanhados com lupa. Hartung ainda tem esperança que o impacto da reforma administrativa possa ser ampliado na tramitação no Congresso, especialmente porque nunca viu "a sociedade tão aberta para um viés reformista" quanto atualmente. "Se a reforma quer mexer o ponteiro da qualidade de prestação de serviço público, tem de cuidar da estrutura pública que está presente nos municípios, nos Estados, na União e em todos os Poderes."

Diante do baixo impacto fiscal de uma proposta que afeta apenas futuros servidores, Juliana, do Ibre/FGV, concorda com Velloso que seria melhor atacar outros problemas, como seguir a reforma tributária, com foco em "destravar" o dia a dia das empresas. "O governo falou que estava fazendo agora para fazer economia fiscal. só que a proposta não tem efeito no curto e médio prazos".

Estadão
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