Pré-sal: governo avalia mudar regras após leilão sem disputa
De cinco blocos oferecidos, só um foi arrematado pela Petrobrás, em associação com estatal chinesa
Pelo segundo dia consecutivo, as grandes petroleiras estrangeiras sumiram do leilão de áreas de petróleo promovido pelo governo brasileiro. A ausência foi entendida por autoridades e analistas como um recado de que o atual modelo se esgotou.
Os leilões desta semana seguiram o regime de partilha, que foi duramente criticado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A intenção, segundo ele, é adotar também nas áreas de petróleo do pré-sal o regime de concessão, utilizado no Brasil desde 1999 para a venda de blocos localizados na camada pós-sal.
"Entendemos o recado e podemos pensar em rever preços ou mudar para concessão", disse. No modelo de partilha, a Petrobrás tem direito de preferência em todas as áreas no limite de até 30% de participação e vence a disputa quem oferecer um porcentual de óleo maior para a União. Já no regime de concessão, a estatal perde esse privilégio e ganha quem oferecer o maior lance em dinheiro.
Mesmo tendo exercido ontem seu direito de preferência no leilão em três dos cinco blocos ofertados, a Petrobrás comprou, em conjunto com a chinesa CNODC, apenas o bloco de Aram, o maior e mais caro da rodada. As duas empresas vão pagar R$ 5,05 bilhões pela área e foram as únicas, das 17 habilitadas, a participar da 6.ª Rodada de Partilha de Produção.
Surpresa
A falta de concorrência surpreendeu o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, que dava como certa a venda de pelo menos três dos cinco blocos. "Queria que o leilão tivesse tido mais competitividade. Fui surpreendido pelo fato de a Petrobrás não ter exercido seu direito de preferência em três áreas? Sim", afirmou, reforçando o coro para mudanças nas regras para atrair mais concorrência.
Segundo Oddone, chegou ao fim a "era dos bônus bilionários", já que as áreas nobres do pré-sal estão se esgotando e os leilões terão de partir para novas fronteiras, onde o risco do produtor é maior e, por isso, o valor cobrado (bônus de assinatura) terá de ser menor.
Para Guedes, o regime de partilha é uma "herança institucional ruim" de governos passados. "Conversamos cinco anos sobre cessão onerosa e, no fim, deu "no show", vendemos para nós mesmos", reclamou, referindo-se ao fato de a Petrobrás ter sido a única compradora expressiva nos dois leilões realizados esta semana: do Excedente da Cessão Onerosa e a 6ª Rodada de Partilha de Produção.
"Com esse modelo de partilha não tem leilão. O que a Petrobrás quer, ela leva. O que sobra, fica com as demais. As concorrentes só levam se fizerem consórcio (com a Petrobrás)", disse o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e consultor David Zylberstajn.
Para analistas, os R$ 5,050 bilhões do leilão de ontem somados aos R$ 69,9 bilhões do megaleilão de quarta-feira são um saldo positivo, mas que poderia ter sido muito melhor. Somente este ano, o governo já arrecadou R$ 85 bilhões em leilões de petróleo, o que vai levar à redução expressiva do déficit fiscal.
Guru informal de Paulo Guedes, o professor Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial (CEM) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central (BC), também atribuiu a questões regulatórias o fracasso dos leilões.
"Para os megainvestimentos, como são esses do excedente da cessão onerosa, faz diferença, sim, a questão de concessão versus partilha. Talvez (a falta de lances) tenha sido um sinal interessante para chamar a atenção de que precisamos continuar avançando. Assim como flexibilizamos a questão do operador único (na regra original, só a Petrobrás podia operar) e do conteúdo local, falta rever essa questão da partilha, que é um modelo ineficiente", afirmou Langoni.
A mudança regulatória para o pré-sal já era alvo de análise no Congresso Nacional antes mesmo da realização dos dois leilões do pré-sal. Com o resultado negativo, ganhou força a ideia de alterar as regras. / COLABORARAM VINICIUS NEDER E EDUARDO RODRIGUES