O que é a Seção 301 e o que pode acontecer com o Brasil com a investigação comercial dos EUA?
Órgão americano abriu, a pedido de Donald Trump, investigação contra práticas comerciais do País
O Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) anunciou, em um comunicado divulgado na noite desta terça-feira, 15, que iniciou uma investigação contra o Brasil a pedido do presidente americano Donald Trump.
A investigação ocorrerá com base na Seção 301, que faz parte da Lei de Comércio de 1974, assinada pelo então presidente Gerald Ford. A ferramenta da legislação norte-americana já foi utilizada em outros momentos, inclusive contra o Brasil nos anos 1980, e voltou a ser citada uma semana após o anúncio de que todos os produtos brasileiros enviados aos Estados Unidos serão taxados em 50% a partir do dia 1º de agosto.
O que é a Seção 301?
A Seção 301 é uma ferramenta de política comercial que permite aos EUA investigar e retaliar outras nações contra práticas comerciais consideradas injustas, discriminatórias ou restritivas ao país, explica José Luiz Pimenta, professor do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Funciona, na realidade, como um mecanismo de pressão unilateral fora do âmbito direto da Organização Mundial do Comércio (OMC)", afirma.
Com este mecanismo, a Casa Branca pode investigar políticas tarifárias, barreiras comerciais e restrições digitais - no caso do Brasil, o comunicado do USTR afirmou que a investigação abordará "atos, políticas e práticas do governo brasileiro relacionados ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais injustas; interferência anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal".
O que pode acontecer com o Brasil?
Pimenta explica que, em um primeiro momento, o Brasil será investigado pelo USTR, responsável por comprovar ou não as irregularidades apontadas. Se a agência considerar que o País está errado, os EUA estariam autorizados, pela legislação norte-americana, a impor medidas retaliatórias.
O professor da ESPM aponta que, entre as possíveis respostas, estão a imposição de tarifas adicionais, além das taxas já anunciadas, e a suspensão de concessões tarifárias, programas ou benefícios comerciais, como o Sistema Geral de Preferências, programa de benefícios tarifários concedidos pelos países desenvolvidos as nações em desenvolvimento. "Eles também podem restringir às exportações de produtos dos EUA ao Brasil e, por fim, limitar a quantidade de produtos comprados pelos EUA originários do Brasil", acrescenta.
Como acontece a investigação?
Qualquer pessoa pode solicitar uma investigação nos termos da Seção 301 ao USTR, que tem até 45 dias para avaliar se a , de acordo com informações do Congresso dos EUA. A lei não específica os critérios para essa decisão. A agência também pode iniciar uma investigação por conta própria, desde que as partes interessadas - públicas ou privadas - sejam consultadas.
Se for aberta uma apuração sobre o caso -como acaba de acontecer com o Brasil-, a investigação é encaminhada ao Comitê da Seção 301, órgão subordinado ao Comitê de Política Comercial Interagências (TPSC, na sigla em inglês), liderado pelo USTR. Trump havia pedido na semana passada a investigação sobre o Brasil, o que se deu oficialmente na terça, 15, inclusive com o comitê já solicitando informações ao País.
A fase investigativa tem prazo de 12 meses, que pode ser prorrogado, e conta com análise da petição, audiências públicas e consultas formais com o país investigado, além da possibilidade de solicitar procedimentos formais de soluções de controvérsias no âmbito da OMC.
A USTR é a responsável por determinar se há ou não violações, com base em recomendações do TPSC. Em casos afirmativos, a agência decide quais ações serão tomadas em até 30 dias. Ainda segundo o Congresso dos EUA, as ações retaliatórias autorizadas pela Seção 301 são:
- Imposição de tarifas ou outras restrições à importação;
- Retirada ou suspensão de concessões de acordos comerciais;
- Firmamento de um acordo vinculativo com o governo estrangeiro para cessar a conduta em questão ou compensar os EUA.
As ações cessam após quatro anos, a menos que o USTR receba um pedido de continuidade e faça uma revisão do caso.
Quais países já foram investigados sob a Seção 301?
Esta não é a primeira vez que o Brasil é investigado sob a Seção 301. Em 1985, o País foi acusado pelos EUA de impor leis que restringiam o acesso de empresas de tecnologia americanas ao mercado nacional. As tensões duraram por anos, mas o Brasil começou a abrir o mercado gradualmente a partir do governo de Fernando Collor.
Já em 1987, o País foi investigado pelo USTR devido a reclamação dos americanos de que o Brasil não concedia patentes para produtos farmacêuticos e para processos de fabricação de medicamentos, com a intenção de manter preços baixos. Os EUA chegaram a suspender benefícios tarifários ao País sob o Sistema Geral de Preferências. O governo brasileiro rejeitou a pressão, mas em 1996 decidiu conceder as patentes para medicamentos.
Outros países também foram investigados sob a Seção 301, como o Japão (que chegou a sofrer uma imposição tarifária de 100% sobre US$ 300 milhões em bens eletrônicos japoneses em 1985), a Índia (que exigiu que as montadoras estrangeiras elevassem o conteúdo local a 70% e limitassem importações, em 1997, mas retirou as exigências após decisão da OMC favorável ao USTR) e a China, investigada durante o primeiro governo de Donald Trump.