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O dólar, Disney e tal

O ministro Guedes esqueceu a velha regra de que autoridades econômicas não podem fazer avaliações públicas sobre câmbio

13 fev 2020 - 18h40
(atualizado às 18h46)
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Uma velha regra foi esquecida. Ela diz que autoridade econômica nunca deve fazer avaliações públicas sobre o câmbio, nem boas nem ruins. Câmbio é um preço altamente sensível, mexe com faturamento de comércio exterior e dívidas em moeda estrangeira. Qualquer ruído tende a provocar distorções.

No caso, o esquecido foi o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele afirmou que não há nada de errado com câmbio acima dos R$ 4. "O modelo não é o câmbio baixo que desindustrializou o Brasil." Conclui-se que, para o ministro, câmbio alto é melhor. Quão mais alto, não se sabe.

O Banco Central não se pronuncia sobre o assunto, mas age na direção contrária de Paulo Guedes. Desde agosto, queimou US$ 30 bilhões das reservas externas para defender o câmbio primeiramente abaixo dos R$ 4 e depois, logo acima. E, nesta quinta-feira, para produzir recuo nas cotações, fez leilão extra de US$ 1 bilhão de títulos em reais corrigidos pela variação cambial (swap cambial). E foi bem-sucedido na empreitada. O dólar, que havia começado o dia a R$ 4,38, deslizou para R$ 4,30 e fechou a R$ 4,33.

Guedes ainda produziu outra de suas frases politicamente discutíveis quando afirmou que o dólar ficou tão barato, que até empregada doméstica está viajando para a Disney, como se isso fosse ruim e como, por força de sua condição, tivesse de se conformar a não viajar e a se limitar a tomar banho de sol no quintal de casa.

Como já ficou anotado nesta Coluna, a puxada das cotações do dólar tem como causa principal a derrubada dos juros, que reduziu a oferta de dólares. Ficou fortemente desestimulada a aplicação de reais em títulos de renda fixa. Por isso, os exportadores passaram a segurar seus dólares lá fora e grandes investidores deixaram de trazer moeda estrangeira para aplicá-los em reais. Além disso, grandes empresas endividadas em dólares vêm preferindo trocar passivos em moeda estrangeira por passivos em reais.

Por enquanto, esse dólar mais caro não parece capaz de produzir mais inflação pelo aumento dos preços dos produtos importados e de tantos outros produzidos internamente, mas cotados em moeda estrangeira, como derivados de petróleo, trigo, açúcar, soja, milho, carne. Esse efeito vem sendo limitado porque a rápida expansão do coronavírus baixou as cotações das commodities em dólares. Mas a determinação do Banco Central de evitar a disparada das cotações no câmbio interno tem por objetivo evitar o impacto sobre os preços. Algum risco existe.

Mas os juros agora estacionados no seu nível mais baixo da história (4,25% ao ano) não são a única causa da derrubada do dólar. É preciso levar em conta, também, o efeito do quase pânico produzido pelo alastramento do coronavírus, fator de forte nervosismo em praticamente todos os mercados.

Ninguém sabe o quanto a economia da China, epicentro da epidemia, ficará machucada. E daí depende a formação dos preços dos mercados futuros, o nível da atividade produtiva mundial e de tanta coisa mais.

Qualquer um gostaria de saber para onde vai o dólar. Uma resposta a essa pergunta terá sempre alto grau de incerteza, até porque ninguém sabe até onde vai a disposição do Banco Central de continuar defendendo o real. Mas não pode o ministro avisar em que galho quer ver empoleirado o dólar.

CONFIRA

» Enfim, os serviços crescem

Também o setor de serviços sofreu queda em dezembro (sobre novembro), de 0,4%. Mas, em 12 meses, apontou crescimento de 1,0%, o que não se via há quatro anos. O setor é importante porque corresponde a mais de 70% do PIB do Brasil. Seu desempenho é irregular entre os subsetores e deverá continuar assim. A alta do dólar mais o alastramento do coronavírus deverão atingir o turismo externo. Em compensação, a boa fase do agronegócio tende a ter impacto positivo sobre os transportes.

Estadão
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