O Brasil deveria ter avisado Trump antes de usar o Pix?
Ao criticar o Pix, presidente dos EUA evidenciou oposição a avanços tecnológicos promovidos para beneficiar países sem consulta a interesses americanos
É a glória. Depois de Gaza, Irã, Israel, Canadá, México, Rússia, Ucrânia, China, Coreia do Norte, Argentina e Brasil, a rua 25 de Março ganhou destaque na geopolítica e na geoeconomia do presidente Donald Trump. Endereço importante para paulistanos e também para consumidores e comerciantes de todo o Brasil, essa rua de varejo foi citada pelo americano em comentário sobre falsificações, contrabando e comércio "desleal". Na mesma ocasião, ele anunciou tarifas de 50%, cobráveis a partir de 1º de agosto, sobre produtos brasileiros vendidos a seu país.
Além da simpatia do presidente argentino, Javier Milei, já declarada de forma inequívoca, ele busca a sujeição de Brasília, capital da maior economia sul-americana. A Argentina é a segunda maior. Se dominar esses dois países, Trump terá um poder regional raramente ou jamais alcançado por seus antecessores no último meio século.
Empresários brasileiros logo falaram em negociação para se resolver o assunto até o fim de julho. Ameaças e recuos de Trump foram lembrados. Mas essas pessoas parecem ter desprezado pelo menos dois detalhes políticos. Ao anunciar a agressão tarifária, o presidente dos Estados Unidos mencionou, além de restrições a big techs americanas, possíveis danos causados pelo Pix a essas empresas e prováveis ações legais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao criticar o Pix, ele evidenciou sua oposição a avanços tecnológicos promovidos com o objetivo primário de beneficiar países da região sem consulta a interesses americanos. Ao se opor a ações legais contra Bolsonaro, ele se intrometeu na vida institucional brasileira. O ex-presidente brasileiro tem problemas, neste momento, principalmente com as leis do País e com a Justiça. O Brasil tem uma Constituição democrática e seu Estado opera por meio de três poderes separados e independentes.
Se nem o presidente brasileiro pode legalmente intervir no Legislativo e no Judiciário, seria uma incrível aberração admitir a interferência de Trump. Ameaças desse tipo já foram rejeitadas por juízes americanos, e agora ele tenta, a partir de Washington, impor seu poder a uma democracia estrangeira, num lance incompatível com os padrões de uma ordem civilizada.
O governo brasileiro reagiu à tentativa de Trump rejeitando sua interferência a favor de Bolsonaro, criticando o tarifaço, expressando a indignação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e negando que o presidente americano tenha sido eleito para ser imperador do mundo. Segundo a resposta da Casa Branca, Trump é "um presidente forte dos Estados Unidos e líder do mundo livre". Além disso, o governo de Washington acusou Brasília de tolerância ao desmatamento e de praticar uma política ambiental nociva ao poder de competição dos empresários americanos.
A reação de Lula pode ter sentido eleitoral. Talvez fosse mais prudente, segundo alguns críticos, ter ficado em silêncio, deixando o vice-presidente Geraldo Alckmin cuidar do assunto. Pode ser, mas a atitude do presidente brasileiro poderia, quem sabe, ser tomada como estímulo a novas interferências, agressões trumpistas e pressões contra políticas brasileiras. O Brasil, afinal, deveria ter esperado a aprovação e a preparação das empresas americanas antes de iniciar o uso do Pix?