TCU determina que governo deve mirar o centro da meta fiscal ao congelar gastos; entenda
Decisão, que não tem efeito imediato, poderia levar Executivo a congelar mais despesas este ano; equipe econômica diz que meta fiscal é ' banda'
BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou nesta quarta-feira, 24, após decisão em plenário, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva precisa perseguir o centro da meta de resultado primário, e não mais o limite inferior do intervalo da meta fiscal, na hora de executar o Orçamento e congelar gastos. Essa é a primeira vez que o TCU decide sobre o tema, depois de ter emitido alertas nesse sentido à equipe econômica.
O governo, contudo, ainda poderá recorrer da decisão, com efeito suspensivo, ou seja, sem precisar cumprir de imediato a medida. Segundo integrantes da equipe econômica ouvidos pela reportagem, o entendimento é de que é praticamente inviável cumprir a proposta ainda em 2025, porque isso levaria a um contingenciamento (congelamento) de até R$ 30 bilhões em despesas - o que poderia levar a uma paralisia da máquina pública.
Questionado sobre o tema, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que o governo vai pedir "esclarecimentos" ao TCU sobre a decisão.
"Eu não sei se o TCU está atento para a decisão que o Congresso tomou quando nós tentamos mudar na direção do que o TCU está reivindicando. Nós tentamos fazer essa mudança. E o Congresso rejeitou. Isso foi feito na PEC 45, ano passado. Estou seguindo uma orientação dada pelo Congresso", afirmou Haddad. "Então, eu penso que precisa haver um esclarecimento em relação à decisão do Congresso", completou o ministro.
Em nota conjunta, os ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento informaram que ainda não foram notificados pelo tribunal e que desconhecem o teor inteiro da decisão. Disseram ainda que a meta fiscal é "banda" (intervalo) e que ela só seria descumprida caso não alcançasse o limite inferior.
"Segundo a LC 200/2023 (arcabuço fiscal), é uma meta em banda e não em ponto. Assim, a meta de primário é descumprida quando o resultado primário não alcançar o limite inferior da banda. Trata-se, portanto, de mecanismo jurídico obrigatório e vinculado, aplicado ao orçamento de todos os Poderes", diz o texto.
Sem contingenciamento
Atualmente, o governo não está congelando nenhuma despesa do Orçamento com base no cumprimento da meta fiscal, ou seja, não está adotando o chamado contingenciamento (contenção de gastos quando há frustração de receitas), mas apenas bloqueando recursos (no momento, R$ 12,1 bilhões) com base no teto de gastos do arcabouço fiscal. Se mirasse no centro, a contenção total teria de ser maior.
A meta central do governo neste ano é zerar o déficit das contas públicas. Na prática, porém, o governo pode ter um déficit de R$ 31 bilhões, que é o piso da meta (-0,25% do PIB), sem contar o pagamento de parte dos precatórios (dívidas com sentenças judiciais impostas à União).
Segundo o último relatório bimestral, apresentado nesta segunda-feira, 22, a equipe econômica projeta para 2025 um saldo negativo de R$ 30,2 bilhões, perto do limite inferior da meta.
Depois de notificado pelo TCU, a Advocacia-Geral da União (AGU) terá 15 dias para recorrer, sem que haja prazo para o tribunal dar a resposta. Até lá, contudo, ficará vigente o efeito suspensivo.
Decisão em plenário
Pela decisão do TCU, a prática de mirar o "piso da meta" é incompatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especificamente se essa substituição for adotada como parâmetro para a limitação de empenho e movimentação financeira - ou seja, em caso de contingenciamentos ou bloqueios de despesas no Orçamento.
O processo é referente ao 2º bimestre de 2025. A fiscalização da Corte de Contas argumenta que há riscos, ao mirar o piso da meta fiscal, na avaliação bimestral feita para verificar se as receitas e despesas projetadas para o ano estão de acordo para o alcance da meta.
Isso porque, conforme a argumentação, quaisquer oscilações mínimas na arrecadação ou na despesa podem levar ao descumprimento da meta. Para o Tribunal, há contrariedade a um "espírito preventivo". Ou seja, o contingenciamento de recursos precisa ser referenciado no centro da meta, de acordo com a conclusão da Corte de Contas.
Foi concluído ainda que há "lacunas normativas" entre o arcabouço fiscal vigente e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 em relação à "preservação das despesas discricionárias" (não obrigatórias, como investimentos e custeio).
A fiscalização detalha que, de um lado, é indicada a necessidade de um nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública. Ou seja, isso representa uma restrição ao contingenciamento de recursos, para preservar este nível mínimo.
Por outro lado, em contrariedade, a Corte de Contas mostra que as normas vigentes acabam permitindo que, em determinadas situações, as necessidades de bloqueios orçamentários e contingenciamentos exijam contenções que deixariam potencialmente as despesas discricionárias em patamares abaixo do nível mínimo exigido.
'Executar o Orçamento'
O governo do presidente Lula tentou estabelecer, via Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que o congelamento de despesas deveria considerar o piso da meta, o que na prática abre margem para mais gastos. Na LDO 2025, o Congresso alterou esse dispositivo afirmando que o governo deveria perseguir o centro da meta na hora de efetuar a limitação de recursos.
É essa lei que rege a execução do Orçamento em avaliação pelo TCU. No projeto da LDO 2026, enviado em abril ao Congresso, o governo propôs novamente a regra menos rígida, mas o relatório apresentado nesta semana também estabeleceu o centro da meta como referência. A proposta deve ser votada na próxima semana na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso.
Técnicos do governo argumentam que o Poder Executivo é obrigado a fazer o congelamento de despesas olhando para o piso da meta, e não para o centro, ou seja, cortando o mínimo possível, porque há uma regra na Constituição dizendo que o Poder Executivo tem o "dever de executar" o Orçamento da União.
Estabelecer uma contenção maior de gastos colocaria a decisão em desacordo com esse outro dispositivo. A equipe econômica propôs a revogação do "dever de execução" ao enviar o pacote de corte de gastos no fim de 2024, mas a mudança foi rejeitada pelo Congresso.