Lei das eólicas: Governo 'não pode impor vontade com canetada', diz entidade de energia limpa
Abragel contesta a afirmação de que a nova lei, cujos vetos presidenciais foram derrubados pelo Congresso, vai encarecer a contas de luz
BRASÍLIA - A Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), que representa 75% das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em operação no País, contesta a posição do governo federal sobre a lei das eólicas offshore (em alto-mar) aprovada no Congresso, com derrubada de vetos presidenciais.
A entidade afirmou nesta segunda-feira, 23, que uma nova medida provisória (MP) para reverter pontos da lei significaria um drible ao processo no Legislativo. Em nota à imprensa, a entidade reforçou que não se pode "impor vontades por meio de uma canetada unilateral".
A lei que cria o marco regulatório para a exploração de energia eólica em alto-mar (offshore) foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 10 de janeiro, com veto aos artigos 22, 23 e 24, como "jabutis" inseridos pelo Congresso, ou seja, trechos sem relação com o texto principal.
Esses artigos tratavam de temas como a contratação de geração termoelétrica movida a gás natural, a contratação termoelétricas a carvão mineral nacional e energia proveniente de centrais hidrelétricas. O presidente também vetou trecho que adiava para 2050 o fim da contratação de usinas térmicas que possuem Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR).
Na terça-feira passada, 17, o Congresso Nacional derrubou os vetos à prorrogação do incentivo para fontes de energia renovável, como de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), biomassa e eólica (Proinfa); o que obriga a contratação de 4,9 GW de PCHs; e a contratação compulsória de 250 MW de hidrogênio produzido a partir do etanol do Nordeste e 300 MW de energia eólica no Sul do País.
No mesmo dia, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse que o governo editaria "em breve" uma MP para compensar o aumento na conta de luz causado pela derrubada de um veto a parte dos "jabutis" inseridos na lei.
A esse movimento do governo reage a Abragel.
"Uma nova medida provisória para reverter pontos da lei aprovada significaria um drible ao processo no Legislativo, que discutiu por anos o texto, o aprovou, e depois exerceu sua prerrogativa constitucional de derrubada dos vetos presidenciais. Não se pode fazer planejamento energético descartando o Congresso Nacional e impondo vontades por meio de uma canetada unilateral", diz a entidade.
"A maior prova que o texto atual é o que há de mais consensual possível é que a própria SRI (Secretaria de Relações Institucionais), em nota, afirmou categoricamente ter acertado 'derrubar o veto relativo ao item do Proinfa'. Antes o próprio governo havia vetado tal dispositivo e, depois, amadureceu o entendimento em favor da medida", emendou.
Na semana passada, a SRI emitiu uma nota esclarecendo que o governo propôs um acordo para sobrestar todos os vetos ao projeto das Eólicas Offshore, e negociar um texto alternativo por meio de MP. "Não havendo aval no Congresso Nacional para este acordo, acertamos em derrubar o veto relativo ao item do Proinfa, em uma negociação para manter os demais vetos desta matéria e de uma lista de outros 213 itens vetados de vários Projetos. Essas negociações são necessárias, dada a correlação de forças no Congresso Nacional", informou a SRI.
No caso específico desse projeto, a SRI disse que foi surpreendida com a inclusão no texto, de última hora, de outros dispositivos, como Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), eólicas no Rio Grande do Sul, usina a hidrogênio no Nordeste e relicitação de térmicas.
"E fomos informados pela Liderança de Governo que a inclusão destes dispositivos condicionava o acordo em relação à totalidade daquele veto e aos demais vetos presidenciais sobre questões igualmente relevantes", diz.
"Diante desse quadro, em conversa com o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, ajustamos o envio de medida provisória para revisar esses pontos, de forma a garantir menor impacto sobre o preço da energia aos consumidores. Foi nesse contexto que o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, encaminhou a favor da derrubada dos vetos, e nossa base votou com essa orientação, mesmo sendo contra os dispositivos", explicou.
A MP deverá seguir ao Congresso nesta semana, segundo a SRI.
Conta de luz
Em nota, a Abragel disse ainda que não é verdadeira a afirmação de que o PL das Eólicas Offshore irá encarecer as contas de luz dos consumidores com a contratação de novas fontes. Segundo a entidade, a contratação de PCHs é mais barata e menos poluente do que a prevista originalmente desde 2021, na Lei da Eletrobras.
"Somam-se a isso os demais benefícios sociais, econômicos e ambientais da expansão das PCHs, entre os quais se destacam a geração de 200 mil empregos por ano na construção de infraestrutura a partir de tecnologia 100% nacional e cujos ativos, ao fim das concessões, passam a pertencer à União. Os investimentos a serem realizados pela iniciativa privada são de R$ 70 bilhões, sendo que cerca de 50% deste montante será gasto em âmbito local, dinamizando a economia dos municípios e estados", avaliou.
A entidade diz ainda que a contratação prevista na nova lei representa apenas 18% da necessidade de crescimento da geração de energia nos próximos seis anos, ou ainda 3,2% do mercado total no ano de 2030, segundo projeções do Plano Decenal de Energia (PDE), elaborado pelo governo. "Logo, é impossível que isso cause os impactos que se vem noticiando", defende.
A Abragel diz ainda não ser verdadeiro que a prorrogação de itens do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) trará mais ônus ao consumidor. "Ao contrário disso, ela implica redução de preço e perda de benefícios para os produtores", ressalta.
"A conta anual do Proinfa é de cerca de R$ 6,62 bilhões. Se todos os empreendimentos contemplados prorrogarem seus contratos, a redução no valor será de 40%. Com isso, a arrecadação da CDE para cobrir o programa cai drasticamente e reduz em 1,5% a tarifa nacional de fornecimento. Além disso, com a nova lei, os empreendimentos terão que renunciar aos descontos nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição", destaca.
Por último, a entidade avalia ser "enganosa" a afirmação de que as PCHs sejam um tema estranho a um projeto que trata de eólicas offshore, o chamado "jabuti". "Isso porque, por questão de segurança e estabilidade, a ampliação de uma fonte depende de maior participação da outra", enfatiza.